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Capitalismo ContemporâneoObservatório da Financeirização

Volta às aulas aos trancos e barrancos

Observatório do Capitalismo Contemporâneo | Financeirização na Educação

 

 

Agosto de 2020
N° 01/20

 

Por Front Instituto de Estudos Contemporâneos e Instituto Tricontinental de Pesquisa Social

 

Apresentação

Este informativo mensal é um instrumento de acompanhamento da conjuntura da educação brasileira elaborado em parceria pelo Instituto Tricontinental de Pesquisa Social e pelo Front Instituto de Estudos Contemporâneos. Sua publicação faz parte do Observatório da Financeirização do Tricontinental.

 

Resumo do mês

O ministro da Educação, Milton Ribeiro, nomeou a nova secretária de Educação Izabel Lima Pessoa. A mudança parece agradar o setor privado educacional, pois representa um enfraquecimento da ala olavista dentro do MEC. Foram empossados também os novos integrantes do Conselho Nacional de Educação indicados pelo presidente Jair Bolsonaro. Dentre eles não consta nenhum representante da educação pública de Nível Básico, gerando protestos das entidades ligadas ao setor. Nesta terça-feira (25), o Senado aprovou sem alterações o texto enviado pela Câmara dos Deputados para tornar permanente o Fundeb. A política de austeridade do governo federal está afetando o orçamento da educação. Verifica-se uma queda de arrecadação nos níveis municipal e estadual que ameaçam a qualidade do ensino. Segundo a Unesco, a pandemia afetou 1,6 bilhão de estudantes no mundo e está produzindo uma evasão escolar sem precedentes. O setor privado brasileiro também está preocupado com a evasão, pois a redução do número de novas matrículas afeta também os seus rendimentos. Além disso, o setor empresarial teme que o projeto de reforma tributária enviado pelo governo ao Congresso resulte num aumento de tributos sobre os serviços educacionais. Um dos embates que opõe empresários e estudantes é o valor das mensalidades das escolas e faculdades particulares. As legislações estaduais que regulamentavam uma redução desses valores durante a pandemia estão sendo contestada na justiça pelas entidades vinculadas ao setor privado, mas a luta continua. Alguns estados como Amazonas e Maranhão já autorizaram a reabertura das escolas e outros tem previsão para o retorno das aulas nos próximos meses. O setor privado pressiona para uma reabertura imediata, apesar dos riscos que isto representa para a saúde dos estudantes, funcionários, professores e seus familiares. Enquanto isso, prevalece no Ensino Público e no Privado a modalidade de Ensino à Distância marcada pela precariedade. Para piorar, o governo federal não investiu os recursos orçamentários previstos para equipar as escolas e ignora o fato da maioria dos estudantes brasileiros não ter acesso à internet.

 

Dança das cadeiras

No Ministério da Educação a instabilidade continua. Depois da queda de Abraham Weintraub e da nomeação do pastor Milton Ribeiro como ministro, a “dança das cadeiras” segue no segundo escalão. No dia 5 de agosto foi nomeada Izabel Lima Pessoa como nova Secretária de Educação Básica. Esta secretaria é responsável pela gestão da Educação Infantil, Ensino Fundamental e Médio, níveis que do ponto de vista do discurso do governo Jair Bolsonaro deveriam ser prioritários. Izabel é servidora de carreira da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) e assume no lugar de Ilona Becskehazy, que estava na direção da secretaria desde abril do ano corrente. A mudança aponta para uma perda relativa de poder do grupo olavista com o qual a antiga secretária era identificada, em benefício de um quadro com um perfil aparentemente mais técnico. A mudança parece agradar o setor privado educacional, que manifestava descontentamento com o predomínio da ala olavista na gestão Weintraub. Segundo João Marcelo Borges, Diretor de Estratégia Política do Todos Pela Educação, “pela primeira vez neste governo, a secretaria da educação básica estará sob o comando de uma servidora de carreira, que conhece o MEC e tem conhecimento técnico na área. Uma sinalização positiva”.

No dia 4 de agosto foram empossados pelo ministro da Educação os novos integrantes do Conselho Nacional de Educação (CNE). O CNE, criado em 1995, tem por finalidade assessorar o Ministério da Educação, garantindo com isso algum grau de participação da sociedade nas decisões do Estado. Contudo, na prática, o atual governo inverte esta lógica ao mudar os critérios de escolha dos conselheiros. Assim, todos os onze novos conselheiros recém empossados foram indicados pelo presidente da República. As nomeações, que foram feitas ainda em julho, foram alvos de fortes críticas por parte de entidades de defesa da educação pública. Afinal, pela primeira vez o Conselho não contará com nenhum representante ligado ao Conselho de Secretários Estaduais de Educação (CONSED) nem à União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação (UNDIME), que repudiaram os critérios de escolha.

 

Fundeb aguarda aprovação no Senado

Depois de ser aprovado no primeiro turno na Câmara dos Deputados no dia 21 de julho, o projeto de Emenda à Constituição que institui o novo Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação Básica (Fundeb) também foi aprovado sem alterações pelo Senado nesta terça-feira (25). A expectativa é que este trâmite inicie ainda nesta quinta-feira (20 de agosto). Um dos avanços do novo Fundeb é a ampliação da participação da União de 10% para 23% no Fundo nos próximos seis anos. Além disso, o novo Fundeb amplia o número de municípios beneficiados. Segundo reportagem publicada no Brasil de Fato, “hoje, só 1.699 municípios de dez estados recebem complemento da União por não atingirem o valor mínimo por aluno. Com o novo critério, considerando as particularidades municipais, o número chegaria a 2.284 cidades, em 22 estados.”

 

Impactos da austeridade

Em agosto o tema da austeridade retornou com força ao cenário nacional. Diversos ministérios vinham pressionando o governo para diminuir o impacto do teto fiscal sobre o orçamento de suas pastas. O Ministério da Economia, como se sabe, não se mostra disposto a ceder. Depois da demissão de dois secretários de sua pasta, Paulo Guedes recobrou a aposta: a austeridade imposta pelo teto de gastos e a política privatista do governo devem continuar. Tanto as demissões quanto a fala do ministro podem ser entendidas como um recado do setor financeiro.

A educação será uma das grandes áreas afetadas pela orientação neoliberal. A previsão para o próximo ano é a de que o Ministério da Defesa tenha mais recursos orçamentários do que a Educação, o que mostra claramente quais são as prioridades do governo. Diversos setores já mostram preocupação com o decréscimo da arrecadação de estados e municípios, que podem acabar inviabilizando o financiamento da Educação Básica. Segundo dados levantados pelo Todos pela Educação, as redes municipais devem perder mais de R$ 15 bilhões este ano em comparação ao orçamento previsto para a educação, e as redes estaduais algo em torno de R$ 28 bilhões. Em resposta a este cenário, a Frente Nacional de Prefeitos vem pressionando o Ministério da Economia para que as prefeituras possam se desobrigar de aplicar o mínimo constitucional previsto de 25% de receitas e transferências recebidas na educação pública. Na prática isto representaria uma precarização ainda maior do que a já existente no Ensino Básico.

Apesar das preocupações expressas pelo empresariado em relação à diminuição dos recursos destinados à Educação Básica, eles parecem estar mais preocupados de fato é com a possibilidade de um aumento da carga tributária. A Associação Brasileira de Mantenedoras de Ensino Superior (ABMES) já manifestou seu descontentamento com o projeto de reforma tributária apresentado pelo governo ao Congresso Nacional. Segundo a Associação, a proposta de criação da Contribuição sobre Bens e Serviços aumentaria os encargos sobre o setor educacional privado, uma vez que “a alteração vai promover aumento da alíquota do imposto direto sobre as mensalidades escolares de 3,65% para cerca de 12%. Se aprovada da forma como está, a medida provocará impacto devastador para cerca de 15 milhões de alunos e respectivas famílias. Sob o discurso de defesa do direito dos jovens de estudar esconde-se na verdade os interesses privados dos grandes grupos educacionais.

 

Agravamento da evasão

O Relatório de Monitoramento Global da Educação 2020, publicado recentemente pela Unesco, constatou que a pandemia do Covid-19 está agravando as desigualdades na educação em todas as regiões do mundo, especialmente nos países subdesenvolvidos, como é o caso do Brasil . Um dos fatores apontados pelo relatório é o aumento da evasão escolar em todos os níveis. A aposta em diversas modalidades de Ensino à Distância não leva em conta a exclusão digital imposta à grande maioria da população. Segundo o documento, “as respostas à crise da COVID-19, que afetou 1,6 bilhão de estudantes, não deu atenção suficiente à inclusão de todos os estudantes. Enquanto 55% dos países de renda baixa optaram pelo ensino a distância online na educação primária e secundária, apenas 12% das famílias nos países menos desenvolvidos têm acesso à internet em casa. Mesmo abordagens com baixo uso de tecnologia não são capazes de assegurar a continuidade da aprendizagem.”

O setor empresarial brasileiro também está atento às consequências da evasão. É o que sugere alguns comentários feitos por representantes das universidades e faculdades privadas ligados à Associação Brasileira de Mantenedoras do Ensino Superior (ABMES). Neste caso, a preocupação tem motivações econômicas, já que a redução do número de matrículas significa perdas para o setor. O empresariado identifica que o problema da evasão atingiu especialmente aquela parcela de jovens que pretendia entrar na faculdade este ano e acabou adiando seus planos, o que representa uma perda significativa de mercado. O problema estaria relacionado a pelo menos três fatores conjunturais: a insegurança sanitária causada pela pandemia, a crise econômica e o adiamento do ENEM. Vale lembrar ainda que o setor privado se opôs veementemente ao adiamento do ENEM, pois, segundo eles, isto atrasaria o calendário de matrículas nas universidades e faculdades privadas no início do ano que vem, diminuindo a lucratividade do setor no início do ano.

 

Redução das mensalidades: a luta continua

A batalha pela redução das mensalidades se disseminou em diferentes regiões do país nos últimos meses. Pressionados por pais e alunos, os legislativos estaduais de pelos menos 12 estados e do Distrito Federal aprovaram algum tipo de medida obrigando a redução de mensalidades de escolas e faculdades privadas. Contrariado, em diferentes estados o setor privado contestou estas medidas no STF. No dia 31 de julho, o ministro Dias Toffoli deu causa favorável ao Sindicato das Escolas Particulares do Rio (Sinepe), invalidando a lei aprovada pela Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro que regulamentava uma redução das mensalidades durante a pandemia. A partir daí vários governos estaduais recuaram de propostas similares.

Segundo a Associação Brasileira de Mantenedoras do Ensino Superior (ABMES), o setor privado está desenvolvendo incentivos como descontos de mensalidades para tentar garantir o número de matrículas nas instituições privadas. No entanto, não é essa a percepção dos estudantes que exigem uma redução significativa das mensalidades. Eles argumentam que frente à crise econômica, a política de pagamento parcelado que algumas instituições criaram não representa uma solução efetiva, apenas um adiamento do problema. Além disso, vale ressaltar que como as aulas presenciais estão suspensas, há uma redução nos gastos com a manutenção da estrutura física que poderia e deveria ser convertida também em diminuição das mensalidades.

 

Volta às aulas aos trancos e barrancos

Em sintonia com as preocupações econômicas do setor educacional privado, assistimos nas últimas semanas uma verdadeira ofensiva pela volta às aulas presenciais em todos os níveis do ensino. Ignorando os riscos que as aglomerações de pessoas representam para o agravamento da pandemia, o governo federal e diversos governos estaduais e municipais começaram a ceder aos interesses privados. Até o momento, a volta às aulas já foram autorizadas no estado do Amazonas e do Maranhão. No caso do Amazonas, o descaso do governo se expressa de diversas formas. Além das máscaras gigantes distribuídas para os estudantes que viraram motivo de piadas e memes, o retorno às aulas foi feito sem protocolos adequados de segurança. O Sindicato dos Trabalhadores em Educação do Amazonas (SINTEAM) denuncia, por exemplo, que não foram feitos testes em massa antes do retorno às escolas.

O governo de São Paulo tinha previsto inicialmente a retomada das aulas para setembro, mas decidiu prorrogá-la para outubro. Na cidade do Rio de janeiro, o embate envolve prefeitura, governo estadual, Ministério Público e Defensoria Pública. O prefeito Marcelo Crivella defende a imediata retomada das aulas dos anos finais do Ensino Fundamental nas escolas particulares. Porém, o governador fixou calendário com o início das aulas presenciais marcado para setembro na rede privada e outubro, na pública. (https://agenciabrasil.ebc.com.br/saude/noticia/2020-08/estados-flexibilizam-distanciamento-mas-adiam-retomada-das-aulas).  Já no Distrito Federal, a decisão foi judicializada e o próprio Judiciário se viu envolto em suspeitas. Depois de uma primeira decisão contrária à retomada, a juíza do trabalho Adriana Zveiter foi colocada sob suspeição pelo Ministério Público Estadual por ter vínculos familiares com a entidade representativa das escolas particulares da região.

Ou seja, tudo indica que a pressa dos governos se deve às pressões do setor privado. A Associação Brasileira de Escolas Particulares (ABEPAR), por exemplo, demonstrou seu descontentamento com a decisão de adiamento da retomada das aulas para outubro decretada pelo governo de São Paulo. No Distrito Federal, o Sindicato dos Estabelecimentos Particulares de Ensino (SINEPE-DF) também vem pressionando por uma decisão judicial favorável à abertura.

No nível federal as pressões também são crescentes. No dia 4 de agosto, o Ministério publicou uma portaria autorizando a volta às aulas presenciais ou à distância nos cursos de nível técnico das Instituições Federais. Ou seja, aos “trancos e barrancos”, o que se vislumbra é uma retomada das aulas presenciais ainda este ano em praticamente todo o país. Quanto ao custo em número de vidas perdidas que esta decisão vai acarretar, ainda não sabemos. Mas parece que este número não tem entrado nos cálculos dos empresários da educação nem dos governos que estão cedendo às suas pressões.

 

EaD “para inglês ver”

Nos primeiros meses da pandemia o Ensino à Distância foi apresentada por muitos como a panaceia que poderia salvar o ano letivo. A euforia parece estar dando lugar à realidade. Há uma percepção crescente por parte da sociedade sobre as dificuldades e mazelas na implementação desta modalidade de ensino. Ficam cada vez mais evidentes a falta de infraestrutura das escolas e universidades, as enormes dificuldades de acesso dos estudantes às condições materiais e ao ambiente adequado para as aulas e o estudo e a precarização do trabalho docente, tendo por consequência a perda de qualidade do ensino.

Na prática, no entanto, o setor privado e o Ministério da Educação parecem ignorar esta realidade. Um exemplo da distância entre a panaceia da EaD e a realidade pode ser vista a partir dos dados sobre o acesso dos estudantes à internet. Segundo o Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais (INEP), 70% dos estudantes que realizaram o ENEM em 2019 declararam não ter acesso à internet. Este dado sozinho já deveria alertar os governos sobre a impossibilidade de uma transição em massa no curto prazo. Apesar deste quadro, dos R$ 224 milhões previstos para a instalação de internet nas escolas públicas este ano, apenas 16% foram de fato implementados até o momento.

O EaD segue sendo a menina dos olhos do setor privado educacional. A previsão do empresariado é a de que em 2022 a maioria das vagas no Ensino Superior sejam oferecidas na modalidade à distância. Já a política do governo parece ser a de regulamentar as modalidades à distância sem oferecer as condições de acesso ou combater as desigualdades. O MEC homologou recentemente o parecer do Conselho Nacional de Educação favorável à implementação do ensino não presencial. Além disso, a portaria 617 do MEC autorizou a modalidade EaD nos cursos de Ensino Técnico das instituições Federais.