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Artigos

“Manifesto Comunista” nos inspira a pensar nossa realidade e a transformá-la

Em 1848, foi lançado, na Alemanha, um pequeno panfleto de não mais que 30 páginas que entraria para a história da humanidade: o Manifesto do Partido Comunista.

 

Por Miguel Yoshida*

 

No dia 21 de fevereiro, diversas editoras de esquerda, movimentos populares, partidos políticos, sindicatos e militantes no mundo todo comemoram o Dia do Livro Vermelho. Nesse dia, em 1848, foi lançado, na Alemanha, um pequeno panfleto de não mais que 30 páginas que entraria para a história da humanidade: o Manifesto do Partido Comunista, de Karl Marx e Friedrich Engels. Para manter vivo esse legado e a tradição do movimento de luta contra o capital, propomos que nesse dia nos organizemos para ler e refletir sobre o significado e a atualidade do Manifesto para nossa realidade.

Este pequeno texto, apesar de ter sido publicado às vésperas das revoluções de 1848 que atingiram diversos países da Europa, não foi o desencadeador desse processo revolucionário e tampouco teve maiores influências nos acontecimentos imediatamente decorrentes dali. No entanto, ele inaugurou uma tradição de organização e luta política baseada na análise científica do desenvolvimento da sociedade e da luta de classes.

Vivia-se uma época de revolução social em que a burguesia, em luta contra o passado feudal, procurava se consolidar como classe dominante. O proletariado ainda dava seus primeiros passos no processo de organização como classe e, entre os diversos movimentos ali existentes, havia a Liga do Justos, que reunia os operários cartistas ingleses, exilados políticos, entre outros. O Manifesto é a síntese coletiva desse processo de organização do proletariado e de seu amadurecimento. Nele estão condensadas uma breve análise histórica da formação do modo de produção capitalista, da sociedade burguesa; as linhas gerais da dinâmica do capitalismo; as classes e forças sociais em confronto; linhas de ação para o movimento operário à época; o papel da organização para a luta política; bem como o internacionalismo como um fator fundamental na emancipação dos trabalhadores e trabalhadoras.

Importante lembrar que nessa primeira edição do texto não constava quem eram seus autores, pois apesar da redação preliminar ter sido de Engels e a síntese final de Marx, o Manifesto é fruto de um acúmulo coletivo e surgiu como um programa político da nascente Liga dos Comunistas, que conclamava os proletários de todo o mundo a se unir na luta contra a dominação do capital.

É possível perceber também como o Manifesto expressa aquilo que V. I. Lenin chamou de as três partes e as três fontes constitutivas do marxismo: a Economia Política Clássica, a Filosofia alemã e a tradição socialista francesa. Em suma, este pequeno panfleto é uma síntese de um acúmulo da luta proletária – com os operários ingleses, os socialistas franceses, os emigrados alemães – com a elaboração de uma teoria social que conseguisse captar a estrutura e a dinâmica de funcionamento do modo de produção capitalista. A teoria, nesse sentido, é uma questão de vida ou morte para a classe trabalhadora, pois o erro na análise leva a um erro na prática, para lembrar a formulação de Palmiro Togliatti, dirigente do Partido Comunista Italiano; embora uma análise correta nem sempre leve a um acerto na ação, pois depende também da correlação de forças na sociedade.

Evidente que o Manifesto não é o primeiro livro vermelho da história da humanidade; no entanto, é um marco na luta dos trabalhadores e trabalhadoras no mundo. Ele inspirou, e ainda inspira, um conjunto de organizações e publicações empenhadas em construir uma nova sociedade.

O triunfo da Revolução Russa, em 1917, e a fundação da Internacional Comunista (Terceira Internacional), em 1919, fazem essa tradição ganhar amplitude mundial, contribuindo para a organização e a luta da classe trabalhadora nos diferentes países. Se por um lado essa influência foi, em boa medida, aplicada de forma mecânica como uma teoria na qual a realidade deveria se encaixar; por outro, ela abriu possibilidades de um desenvolvimento criativo a partir da luta e da vida dos povos. Lembremos, na nossa tradição latino-americana, de José Carlos Mariátegui, para quem o socialismo do nosso continente não deve ser nem decalque nem cópia, mas uma criação heroica.

Os processos revolucionários ao longo do século XX se defrontaram com essa questão de se inspirar em uma tradição fecunda sem, no entanto, reproduzi-la acriticamente. Assim, surgiram diversos livros vermelhos construídos a partir dessa síntese entre lutas sociais e a teoria social desenvolvida por Marx e Engels, que contribuíram para a libertação de diversos povos no mundo.

Lembremos da formulação de Lenin que sem teoria revolucionária não há movimento revolucionário; de Rosa de que o protagonismo das massas é fundamental para a revolução; dos aprendizados de Fidel Castro com o povo cubano; da estratégia e tática política desenvolvida por Mao Zedong a partir da realidade chinesa; as formulações de Che Guevara sobre o homem e a mulher nova; o papel do imperialismo e do colonialismo tão bem formulados por Ho Chi Minh, pensando o Vietnã, e por Amílcar Cabral nas lutas de libertação de Cabo Verde e Guiné Bissau; a análise de Florestan Fernandes sobre o caráter autocrático da burguesia brasileira e a necessidade da instrução e organização do povo para a revolução.

É essa tradição criativa de luta e teoria que queremos rememorar e manter viva no Dia do Livro Vermelho. Assim, no dia 21, leia o Manifesto Comunista, não como um dogma a ser seguido, nem apenas como um documento histórico, mas como um texto que nos inspire a pensar nossa realidade e, sobretudo, nos inspire a transformá-la.

 

* Miguel Yoshida é Mestre e doutor em Estudos Comparados de Literaturas de Língua Portuguesa e editor-assistente da Editora Expressão Popular.