Principais notícias do mundo evangélico – Março/2021
Pesquisa sobre os Evangélicos e a Política
N° 3/2021
Passado um ano do início de nossa tragédia, esperávamos estar com outras notícias, mas, inacreditavelmente, elas se repetem, como se o ano não tivesse passado. Pior, a tragédia não se manteve, ela se aprofundou, mas os nós e as saídas se mantêm assustadoramente iguais! Vamos às notícias:
Fundamentalismo
O abre-fecha das igrejas continua sendo a moeda de troca dos nossos governantes, mirando a popularidade eleitoreira. Começamos esse fatídico mês de março com o governador de São Paulo, João Dória (PSDB), anunciando as igrejas como serviços essenciais, podendo assim permanecerem abertas mesmo nas fases de maior restrição da pandemia. Em 8 de março, as notícias previam que o Ministério Público de São Paulo recomendaria retirar o status das igrejas como atividades essenciais. O site Gospel Prime publicou em sua página que as ações do Ministério Público contra a abertura das igrejas têm sido consideradas ditatoriais pela grande maioria das lideranças evangélicas de São Paulo e do Rio Grande do Sul. Para eles, a liberdade do culto envolve o direito de ir e vir e defendem que as ações não são mais uma questão de saúde, mas uma disputa política. De fato, é notório que boa parte dos nossos governantes não está lá muito preocupada com a saúde do povo e sim com as possibilidades de voto a partir de suas ações. Mais interessante ainda é que essas mesmas lideranças evangélicas que afirmam como ditatoriais a proibição dos cultos, não têm questionado as ações autoritárias do Presidente da República.
Enquanto isso, as igrejas seguiram abertas e, muitas delas, abarrotadas. Abraços, aproximações, falta de controle sobre as temperaturas dos fiéis são cenários comuns das igrejas que insistem em se manterem abertas, mesmo colocando em risco a vida de seus fiéis. Para o advogado Flávio Grossi, que entrou na Justiça com uma ação popular contra o decreto de Dória, a manutenção das igrejas abertas nessa fase da pandemia é um risco de dano irreversível.
Com a piora da situação em São Paulo, o governador de São Paulo passa a proibir cultos presenciais, mas o absurdo nessas terras não tem limite. Para driblar a proibição, uma igreja fez seu culto dentro de um ônibus. O vídeo foi publicado na página “Brasil Fede Covid”, que denuncia os absurdos que tem acontecido na pandemia, como grandes encontros e confraternizações desrespeitando todas as normas de segurança para controle da pandemia.
O debate percorre todo o nosso país: em Pernambuco, as igrejas evangélicas chegaram a fazer carreatas protestando contra a restrição do governo estadual, exigindo a reabertura. Já em em Goiás, na prefeitura da Capital, o pastor da Igreja Universal do Reino de Deus Rogério Cruz (Republicanos), prefeito da cidade, vetou projeto de lei que garantia as igrejas abertas, sendo consideradas atividades essenciais, despertando a ira do pastor evangélico, porta-voz da direita cristã, Silas Malafaia. .
Falando nele… Nesse cenário, o pastor teve a “brilhante ideia” de, aos berros, como de costume, pedir que Bolsonaro convoque as Forças Armadas contra os governadores que estão limitando a circulação dos cidadãos, para – vejam só! – salvar vidas.
Os discursos de ódio não blindaram Malafaia, que contraiu Covid, assim como sua esposa. O pastor, para sorte dele, não teve sintomas graves da doença e aproveitou para validar os discursos anticientíficos do bolsonarismo. Ele conta que desde setembro toma ivermectina, medicação sem eficácia comprovada para tratar a enfermidade, além das vitaminas D e K12. “Esses troços que amenizam o impacto da Covid. Como o pessoal fala, é um preventivo para aliviar o impacto dessa tralha”. Como se não bastasse, aproveitou para atacar o lockdown: “A minha grande questão é o que estamos vendo aí, o que o lockdown contribui. Não existe saúde com economia destruída, essa que é a minha questão”.
Proibir os cultos presenciais tem consequências muito mais profundas do que argumentam as grandes lideranças religiosas. A intenção de manter as igrejas abertas não é somente no sentido de acolhimento aos fiéis. É notório que o culto presencial promove maior arrecadação de dízimos e, consequentemente, se não há dízimos, há demissões de funcionários e dívidas dado a necessidade de gastos com a manutenção dos espaços. Para as grandes igrejas, uma parte do dinheiro era destinada às grandes emissoras para terem maior tempo na programação. Portanto, a baixa financeira teve, como consequência, menor tempo e espaço na TV aberta, criando problemas para emissoras como a Band e Rede TV, que tinham as igrejas como parte importante de seu orçamento.
O negacionismo segue fazendo seus estragos. Reportagem da BBC traz a impressionante notícia de que um helicóptero, carregado de vacinas e agentes de saúde rumo a terra indígena dos Jamamadi, sul do Amazonas, é recebido por homens e mulheres de arco e flecha pedindo para que se retirassem. Eles estão com medo de tomar a vacina. As fake news contra a vacinação são mais uma epidemia que temos que enfrentar. Igrejas, principalmente pentecostais e neopentecostais estão em terras indígenas e muitas delas fazendo pressão nos territórios, segundo a reportagem: “em fevereiro de 2020, um ex-missionário evangélico que trabalhou na Amazônia por uma década foi nomeado chefe do órgão da Funai responsável justamente pela proteção a indígenas isolados. Ricardo Lopes Dias, exonerado do cargo nove meses depois, atuou entre 1997 e 2007 na Missão Novas Tribos do Brasil (MNTB), organização com origem nos EUA que promove a evangelização de indígenas brasileiros desde os anos 1950”. O caso descrito acima é só um dos tantos exemplos que acontecem historicamente em nosso país e que tem se traduzido na atual conjuntura de forma assustadora.
Mas nem tudo está perdido. Há divergências entre as lideranças religiosas no que se refere à abertura das igrejas. Muitas delas mantêm suas portas fechadas em respeito às orientações sanitárias, como é o caso da Igreja Batista da Água Branca, em São Paulo, que suspendeu as atividades presenciais desde março do ano passado.
Outra boa notícia é que organizações brasileiras e seus representantes de diversas religiões se reuniram na 46ª sessão ordinária de Direitos Humanos das Nações Unidas, participaram do debate “Intolerância Religiosa no Brasil: Direitos Humanos – Novos Fundamentalismos – Exclusão” e construíram uma nota na qual se afirma que “O fundamentalismo religioso é resultado de uma estratégia que ameaça e busca controlar as democracias.” Ficamos na expectativa de que grupos e lideranças religiosas se unam em uma agenda estratégica contra esse fenômeno que ameaça nossa democracia, assim como a vida de todos brasileiros.
Bolsonaro
O apoio dos seguidores de Jair Bolsonaro segue nos dando aquele sentimento de “vergonha alheia”. Em coluna chamada Conservadorismos, o deputado e apoiador do Presidente Marco Feliciano afirma: “Eu sou negacionista, pois… Eu nego que o governo Bolsonaro não fez a lição de casa em relação à pandemia, (…) Eu nego as fake news de que o colapso na saúde é culpa de Bolsonaro (…) Eu nego que a economia esteja um caos, pois o desempenho do PIB brasileiro foi melhor do que o dos países desenvolvidos”. Marco Feliciano e seus apoiadores, entre eles muitas lideranças religiosas, seguem negando o desastre que tem sido esse governo, publicando mentiras sem o menor escrúpulo. O mesmo deputado publicou a notícia de que muitos brasileiros foram às ruas em defesa ao presidente e contra o lockdown, única forma de hoje controlarmos o avanço da pandemia que segue matando milhares de brasileiros diariamente. Marco Feliciano classificou o ato – que, pelas fotos, reuniu felizmente poucas pessoas – de ato de civilidade.
Mesmo vivenciando esse projeto de morte orquestrado pelo presidente, lideranças evangélicas que compõem a Bancada Evangélica têm se pronunciado a favor da reeleição, afirmando que a igreja segue em oração para isso. O deputado federal Cezinha da Madureira (PSD), presidente da Frente Parlamentar Evangélica, para a página O Antagonista, afirma: “O presidente Bolsonaro hoje tem o nosso apoio. A igreja tem orado pelo presidente e tudo o que pudermos fazer para apoiá-lo em suas decisões, nós iremos fazer. O Brasil vai melhorar”.
Para garantir a manutenção desse apoio, a pedido de Bolsonaro, o Congresso derruba veto e permite perdão bilionário para dívidas de igrejas, estimada em R$ 1,4 bilhão. Enquanto isso, nosso povo segue sem auxílio emergencial.
No momento em que o país segue batendo recordes de mortes e a fome volta a ameaçar nosso povo de forma avassaladora, em uma repetição covarde e trágica do ano passado, o presidente, junto à Silas Malafaia convocaram jejum pelo Brasil. Essa convocatória é um desrespeito aos homens e mulheres de nosso povo que se veem ameaçados pela fome e também um desrespeito àqueles que têm se colocado na linha de frente das ações de solidariedade doando alimentos – o povo ajudando o povo. Em Isaías 58:7 se lê: “O jejum que me agrada é que vocês repartam a sua comida com os famintos, recebam em casa os pobres que estão desabrigados, que deem roupas aos que não tem e nunca deixem de socorrer os seus parentes”. O Jejum, parte da narrativa bíblica bastante vivenciada por católicos e evangélicos deve ser , nesse momento, ser traduzido em doação, em ação, em alimento para o povo e não na opção privilegiada de passar um período sem comer enquanto a maioria tem um prato vazio todos os dias.
O Jornal A Gazeta do Povo se arrisca na afirmação de que se a economia não melhorar o governo perderá também o apoio da base evangélica. Sem emprego e com a barriga vazia, Bolsonaro pagará a conta.
Ministros Evangélicos
A Pastora e Ministra da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, Damares Alves, afirmou: ‘Lockdown trouxe como legado o aumento da violência doméstica’. Damares segue a narrativa irresponsável do Presidente contra o Lockdown. Sua justificativa – de que com as escolas fechadas há uma maior subnotificação de casos de violência contra as crianças, dado que a escola é um importante denunciante contra esses casos, não é errada, como sabemos. No entanto, abrir as escolas não deve ser, no momento de que o pico de mortes segue sem limites no país, a primeira opção para o combate às violências. A saída imediata do Presidente, Lockdown, auxílio emergencial, vacinação massiva são ações necessárias para que a escola possa ser reaberta com segurança e que as instituições avancem no combate contra a violência doméstica.
Para a Ministra, uma das formas de combate à violência doméstica é o engajamento das Igrejas e afirma: “Homem que é macho, respeita. A Bíblia diz que os homens precisam proteger as mulheres com as suas vidas, então é assim que deve ser”. É necessário aqui trazer uma reflexão. As Igrejas evangélicas cumprem um papel importante, de fato, contra a violência doméstica. Há diversos grupos para mulheres que abordam o tema, inclusive grupos para homens agressores. No entanto, sabemos que a violência doméstica contra as mulheres é fruto de uma sociedade machista que enxerga a mulher como um corpo submisso ao homem e que muitas dessas narrativas são apoiadas em versículos bíblicos. Enquanto a Ministra não enfrentar as leituras opressoras das igrejas e continuar repetindo ideias como “os homens precisam proteger as mulheres”, seguirá enxugando gelo e contribuindo para a manutenção das violências. Os homens não precisam proteger as mulheres, precisam respeitá-las.
No caldo de discursos desconexos e contraditórios desse governo, Damares, que tem 57 anos, afirmou que pretende se vacinar, mesmo com o discurso negacionista do presidente e sua irresponsável visão anti-científica sobre a vacina.
Duas notícias para fecharmos o assunto “Damares”: a ministra anunciou que irá se filiar ao Republicanos (partido vinculado à Igreja Universal do Reino de Deus). Por fim, o negacionismo não blindou o Ministério de Damares, já que sua equipe atravessou surto de Covid-19 com seis infectados.
Iremos para o Ministério da Educação. O Pastor Presbiteriano e Ministro Milton Ribeiro nomeou para coordenar os materiais didáticos da educação básica a professora de perfil conservador Sandra Lima de Vasconcelos Ramos, uma crítica da chamada “ideologia de gênero”
O teólogo Ronilson Pacheco nos traz uma importante reflexão em seu artigo “Nomeações no Ministério da Educação forjam projeto teocrático no Brasil”. Para Pacheco “Com dificuldades de interferir na ‘disciplina’ das escolas públicas e enquadrar professores e matérias que seriam vistas como ‘esquerdistas’, o MEC do governo Bolsonaro aposta nas escolas cívico-militares para que a autonomia dos professores nas aulas sejam neutralizadas pela disciplina, a ordem e o ‘bom comportamento’ sob rígido controle militar, e cristão, fora da sala de aula”. Demonstra também como a nomeação de Sandra Ramos, que atuará conjuntamente a Carlos Ladim – defensor das “teses” de Olavo Carvalho,dos “valores cristãos” e do ensino domiciliar – corroboram para esse projeto teocrático em curso.
Por fim, o Ministro pediu que se priorize a vacinação dos professores para o retorno às aulas presidenciais, afirmando que estão avaliando como se fará do ponto de vista técnico esse processo. Vale lembrar que estamos percentualmente muito aquém no número de vacinados em nosso país, fruto do negacionismo do Governo ao qual o ministro faz parte. Ficaremos de olho sobre como essas promessas serão (ou não) colocadas em prática.
Chegamos ao “moderado” pastor presbiteriano e ministro da Justiça André Mendonça, que tem sido bastante didático de como os protestantes históricos no poder podem ser tão ou mais fundamentalistas do que os pentecostais. No pior momento da pandemia (até março de 2021), o ministro anunciou uma agenda em Mato Grosso do Sul com o risco de reunir centenas de pessoas, mobilizando grandes equipes de segurança.Tudo o que não é recomendado na fase de pico da pandemia.
André Mendonça, sem limites para sua devoção a Bolsanaro, tem atuado contra a própria lei, acionando a Polícia Federal contra um sociólogo que comparou Bolsonaro, vejam só, a um pequi roído – sabemos que nada é pior do que um pequi roído! O sociólogo, secretário de formação do PC do B em Tocantins afirma que o inquérito promovido a partir da ação do ministro é um “grave problema de cerceamento de liberdade de expressão”. A ação de André Mendonça não ocorreu sem consequências. O deputado José Guimarães (PT-CE) enviou queixa-crime para o STF acusando o ministro de abuso de poder, fato que não representa novidade na ainda curta carreira de André Mendonça do Ministério da Justiça. Para Guimarães, o ministro “vem se utilizando do seu cargo para intimidar críticas”.
O mais fiel defensor do Presidente tem seus motivos: Bolsonaro tem anunciado a aliados que indicará o ministro para a próxima vaga no STF.
Teologia do domínio
O fundamentalismo evangélico atua para muito além dos templos. Como sabemos, ele segue ocupando o Estado, a cultura, a arte, o lazer e a educação defendendo o cristão como modelo único a ser seguido. Isso não se dá só nos discursos, mas na prática cotidiana, fruto de diversos projetos que, em nosso país, se inserem principalmente nas populações mais vulneráveis. A visão da conversão como única possibilidade de felicidade, assim como a visão do outro – não cristão – como inimigo, segue sendo a principal faceta da Teologia do Domínio, que tem o fundamentalismo como sua principal narrativa.
No Rio de Janeiro, o domínio da visão cristã tem chegado nas comunidades por meio de traficantes, no chamado “narcopentecostalismo”, traduzido também na intolerância religiosa. Parte significativa da Facção Terceiro Comando Puro se converteu, e lideranças têm chamado seus soldados como “exército do Deus Vivo”. A junção entre o tráfico e o pentecostalismo tem sido profundamente estudada pela pesquisadora Christina Vital, que traz em suas produções elementos fundamentais para compreendermos o fenômenos e suas mudanças nas favelas do Rio de Janeiro.
Em entrevista para a Carta Capital, Vital fala sobre a existência de um projeto de Poder em curso:
“Sim, existe, inclusive há disputas internas, o interesse partilhado por diferentes líderes religiosos de elegerem um candidato evangélico à Presidência da República. No caso de Bolsonaro, foi aquele que parecia melhor atender a esse interesse. Aliás, ele gravitou entre as duas identidades religiosas, católica e evangélica. Em nossas pesquisas identificávamos, há muito tempo, a percepção de parlamentares evangélicos no Congresso sobre o Judiciário ser uma barreira às suas agendas públicas. Ter um representante no STF parecia importante. Ao assumir o posto, o jogo pode mudar e não necessariamente o ministro evangélico se prestará ao papel de fantoche de líderes midiáticos, teologicamente fracos e desesperados pelo poder”.
Grupo de mulheres de igrejas evangélicas em parceria com as Associação Billy Graham na América Latina tem se empenhado em projetos para as mulheres que buscam “fortalecer, reafirmar e consolidar a mulher cristã, inspirando-a para que viva todo o seu potencial em Cristo e use os seus dons e talentos a serviço do Reino, a fim de alcançar outras mulheres com as boas novas do Evangelho”.
No Distrito Federal, Arthur Bernardes, ligado à Igreja Universal do Reino de Deus e que compartilhou em sua página no Facebook um projeto para que se aumente a pena para o crime de “ultraje a culto e impedimento ou perturbação de ato a ele relativo”, é nomeado Secretário do Governo
O Procurador Geral da República, Augusto Aras, ainda que não seja evangélico, tem acenado para o segmento , de olho na vaga de Marco Aurélio Mello para o STF.
Igreja Universal do Reino de Deus (IURD)
Desde o ano passado, pastores angolanos têm feito graves acusações em relação à IURD e suas lideranças, dentre elas, violência física, verbal e forte pressão para que pastores angolanos fizessem vasectomia. Em março, os pastores angolanos e brasileiros foram a julgamento. O ministro do Turismo, Cultura e Ambiente de Angola, Jomo Furtunado declarou que o problema estaria resolvido, mas a ala brasileira da IURD afirma que o conflito ainda não acabou. Esperamos os novos capítulos dessa novela.
O bispo e líder da IURD Edir Macedo deverá receber indenização do Ministério Público Federal, por conta de uma falha da Polícia Federal. Edir Macedo, em um episódio passado, foi barrado pela Polícia Federal ao tentar sair do país por conta de um processo que acabou sendo extinto por prescrição. Os dados não foram atualizados e advogados do bispo entraram com uma ação por danos morais alegando que o episódio gerou chacotas na fila do aeroporto.
O bispo, também apoiador do governo negacionista de Bolsonaro, vacinou-se contra Covid nos Estados Unidos.
Gênero/Raça/Classe
A pesquisadora Marcela Tanaka em seu artigo “Sobre disciplina de corpos femininos no mês das mulheres” para o Estadão traz uma importante reflexão a partir do episódio de assédio sexual sofrido pela Deputada Isa Penna (PSOL). No texto, ela informa que os 5 votos que favoreceram o acusado Fernando Cury em obter uma punição mais branda são da ala mais conservadora da Alesp, três deles ligados às igrejas evangélicas: “Delegado Olim (Progressistas) e Adalberto Freitas (PSL) da ala militar; (…) Alex de Madureira (PSD), Wellington Moura (Republicanos) e Estevam Galvão (DEM), representantes da bancada evangélica. (…) dos três últimos citados, Alex de Madureira é o representante oficial da Assembleia de Deus – Ministério de Madureira, sucessor de Cezinha de Madureira, atualmente Deputado Federal, Wellington Moura é pastor e um dos candidatos oficiais eleitos da Igreja Universal do Reino de Deus (IURD). Estevam Galvão, por outro lado, é protestante histórico, membro da Igreja Metodista”.
Em nossas reflexões temos defendido que a disputa contra as narrativas fundamentalistas deve ser feita a partir da Bíblia. É essa linguagem que devemos apreender a nos comunicar, dado que aparentemente, muita vezes, nossos discursos não chegam com profundidade à maioria de nosso povo, que tem encontrado nas igrejas e, consequentemente na Bíblia, respostas para suas angústias. Para o pastor homossexual Marcos Gladstone, por exemplo, não há escritos na Bíblia que condenam a homossexualidade: “O cristianismo é a religião da palavra escrita. Porém, o problema não é o conteúdo da Bíblia. O maior problema é a interpretação deste conteúdo. Muitas traduções foram feitas de forma tendenciosa, para incluir a comunidade LGBTQI+ em termos de condenação. Até a idade média, a palavra ‘sodomita’, por exemplo, não se referia aos homossexuais, e sim, àquele que não repartia o pão e não era solidário com o seu irmão”. Seguimos na tarefa de construir interpretações contra os tantos fundamentalismos que assolam nosso povo.
Em março, nossa pesquisa publicou três partes do texto sobre as vozes das mulheres evangélicas do MST. O material conta com a reflexão sobre os entraves e avanços das mulheres que carregam a fé e a luta como suas principais identidades.
Intolerância religiosa
A Polícia Federal realizou uma ação contra o Pastor Tupirani da Hora Lores, da Igreja Pentecostal Geração Jesus Cristo, por conta de uma fala de junho de 2020 pedindo o massacre de judeus.
No mês de março, o documentário Fé e Fúria de Marcos Pimentel ficou disponível gratuitamente. O filme aborda as tensões religiosas no Rio de Janeiro e em Belo Horizonte a partir das narrativas de religiões cristãs e de matrizes africanas. Um grande material de estudo e reflexão.
Lula
Em março, Lula fez um longo discurso a partir da decisão do STF que o torna novamente elegível. O ex-presidente falou sobre o desastre da gestão de Bolsonaro contra a pandemia e fez a seguinte declaração: “Muitas mortes poderiam ser evitadas. O papel das igrejas é ajudar, não é vender grão de feijão ou fazer culto cheio de pessoas sem máscaras dizendo que tem o remédio para curar”. Obviamente que esse foi um motivo para que as lideranças apoiadoras do atual governo e seus espaços midiáticos encontrassem o palco perfeito para associarem Lula como uma figura anti-evangélica, com afirmações como: “Desprezo da esquerda pelo cristianismo é fator ideológico (…) Sem se importar com a fé de milhões de brasileiros, acusou as igrejas de serem responsáveis pelo grande número de mortes por covid-19 no Brasil”. Silas Malafaia, na sua postura bastante questionável de sempre, respondeu “Jesus liberta da cachaça”. A ofensa pautada no consumo de bebidas alcoólicas também foi mencionada pelo deputado evangélico Sóstenes Cavalcante: “Agora quer imputar às igrejas, as mortes pela covid-19. É vergonhoso! Lave a boca para falar das igrejas, cachaceiro!”
Trabalho de base
Temos defendido também em nossa pesquisa que as igrejas têm um papel ativo, respondendo demandas cotidianas de nossa classe, e fazem isso com uma metodologia muito assertiva, ocupando diversos espaços, cotidianamente levando assim suas mensagens. Vale trazer esse exemplo de distribuição de kits contra Covid realizado em Uberaba. Para além do kit, mensagens da igrejas são distribuídas: “Entendemos que o nosso papel é ser uma igreja relevante, demonstrando isso também fora das quatro paredes. O Evangelho de Jesus nos ensina a servir e amar as pessoas. Uma igreja relevante precisa de alguma forma transformar e influenciar a sociedade em que está inserida. A nossa igreja entende que fomos chamados para abençoar a nossa cidade, levando o amor de Jesus e também de alguma forma expressar o amor de Deus através de obras, ações e projetos sociais”
Diversos
O mês de março foi marcado por ações de grupos evangélicos que oraram em frente a hospitais por todo Brasil. Vale refletir que, ainda que as orações sejam de fundamental importância para a maioria de nossa população, o atual momento pede que fiquemos em casa para protegermos uns aos outros.
Evangélicos progressistas
Os evangélicos progressistas seguem na importante tarefa de serem vistos como aliados tanto pela base social crente, quanto pela própria esquerda. Não tem sido muito fácil, no entanto é uma tarefa da qual não se pode abrir mão. Uma tarefa diária e árdua, dado que o outro lado conta com nomes já consolidados como rosto evangélico no Brasil, como os de Silas Malafaia e Edir Macedo. A coordenadora nacional da Frente de Evangélicos pelo estado de Direito, Nilza Valéria afirma que “a igreja evangélica no Brasil não é uma única representação, não tem uma única liderança e, diferentemente da igreja católica, não tem uma hierarquia institucionalizada. Existem diversas denominações e elas falam por si”. A Frente está em ação desde o golpe e nasce com a proposta de mostrar à sociedade que havia um grupo de evangélicos contrários à violação da democracia.
Terminamos nossas notícias com a belíssima reportagem da jornalista e pesquisadora Magali Cunha, publicada na Carta Capital – “Minha perna é minha classe!” -contando da história de resistência do assembleiano Manuel da Conceição: “Com o golpe civil-militar de 1964 veio a perseguição. Em 1968, policiais chegaram atirando em uma reunião no sindicato e Manoel foi ferido na perna direita. Depois de seis dias na prisão, sem tratamento, parte da perna gangrenou e teve que ser amputada. O então governador do Maranhão José Sarney lhe ofereceu vantagens materiais para que silenciasse sobre a barbaridade sofrida, mas o sindicalista evangélico recusou e respondeu com uma frase que ficou famosa: ‘Minha perna é minha classe!’”.