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Capitalismo ContemporâneoObservatório Forças da Desigualdade

Raça e gênero: as desigualdades no mercado de trabalho brasileiro

Também é de forma desigual que se intensificam, em momentos de crise ou retração econômica, as estruturas racistas e patriarcais de nossa sociedade – Fotos Públicas

 

Por Marcelo Álvares de Lima Depieri, Cristiane Ganaka e Renata Porto Bugni*

 

As desigualdades no mercado de trabalho brasileiro são conhecidas, e uma de suas principais manifestações pode ser constata pelo recorte entre raça e gênero. A acumulação do capitalismo no Brasil opera aproveitando-se de estruturas sociais já existentes – como o racismo e o patriarcado. No mercado de trabalho não é diferente, racismo e patriarcado cumprem uma função para o desenvolvimento capitalista no Brasil, que pode se manifestar de diferentes formas. Nesse sentido, abordamos aqui qual foi o papel das pessoas negras e das mulheres no mercado de trabalho durante a recessão no biênio 2015 e 2016 e nos anos de baixo crescimento, 2017, 2018 e 2019. Assim, elaboramos uma análise da evolução geral da inserção dos trabalhadores no mercado de trabalho, entre 2012 e 2019, destacando o papel de mulheres e de pessoas negras.

 

Fonte: Microdados PNADC, 2012-2019 – IBGE/Brasil. Elaboração: Escritório Brasil – Instituto Tricontinental.

 

Os dados desse período demonstram um aumento da participação do trabalho feminino e uma diminuição da participação do trabalho masculino. A média das mulheres entre os ocupados aumentou de 42,5%, no período 2012-2014, para 43,6%, entre 2017-2019. Já a média masculina, dentro dos ocupados, diminuiu de 57,5%, entre 2012-2014, para 56,4%, entre 2017 e 2019. Ao observar os números relativos à população negra, pode-se constatar um aumento de sua inserção no mercado de trabalho. Entre 2012 e 2014, saiu de uma participação média nos ocupados de 51,0%, e alcançou 53,7%, entre 2017 e 2019. A dos não negros nos ocupados, por sua vez, diminuiu. Saiu de 48,6%, no triênio 2012-2014, para 45,7%, entre 2017 e 2019.

Elaboração: Escritório Brasil – Instituto Tricontinental / Obs.: não são apresentados dados para pessoas amarelas, indígenas ou sem declaração de raça / Microdados PNADC, 2012-2019 – IBGE/Brasil

 

A participação das mulheres brancas no total de ocupados passou de 21,5%, entre 2012 e 2014, para 20,5%, entre 2017 e 2019. No caso dos homens brancos houve uma diminuição considerável no total dos ocupados: entre 2012 e 2014, a taxa média era de 26,7%, enquanto entre 2017 e 2019 a taxa chegou a 24,7%. Assim, o aumento da participação média dos negros e das mulheres no mercado de trabalho, entre 2012 e 2019, é explicado principalmente pelo aumento da participação da mulher negra.

A participação média das mulheres negras nos ocupados aumentou, tanto dentre os trabalhadores formais quanto também no total de trabalhadores informais / Microdados PNADC, 2012-2019 – IBGE/Brasil

 

A participação média das mulheres negras nos ocupados aumentou, tanto dentre os trabalhadores formais – saindo de 17,8%, entre 2012 e 2014, indo para 18,9%, no biênio 2015-2016, e alcançando a taxa de 20,1%, entre 2017 e 2019 – quanto também no total de trabalhadores informais. No período 2012-2014 elas representavam 24,7% do total dos informais, enquanto entre 2017-2019 alcançaram a taxa média de 26,1%. No total de subocupados, pôde-se constatar também o aumento da participação média das mulheres negras. Entre 2012 e 2014, a taxa média de mulheres negras entre os subocupados era de 31,2%, indo para 32,7%, no biênio 2015-2016 e alcançando 34,4%, entre 2017 e 2019.

Seria precipitado afirmar que esses números representam uma alteração positiva no mercado de trabalho, dada a maior inserção de pessoas pretas e pardas. O mais importante a se fazer é apontar o significado desses resultados.

As disparidades no mercado de trabalho, entre brancos e negros, homens e mulheres são longevas e decorrentes de um desenvolvimento econômico e social desigual. Mas o que explica o aumento de mulheres, de pessoas negras e principalmente das mulheres negras entre os ocupados, no período de 2015 a 2019? Essa pergunta se torna mais importante se lembrarmos dos retrocessos políticos que o país vem passando, e que tem como uma das finalidades a fragilização das relações de trabalho.

Os tensionamentos em relação ao processo democrático nas eleições de 2014 podem ser identificados como um marco inicial. Após isso, foi levado a cabo um dos ajustes fiscais mais severos da história econômica, em 2015, seguido de um golpe político (na presidenta Dilma), em 2016, quando foi dada continuidade à austeridade fiscal com a política de teto de gastos e mais reformas neoliberais. Uma delas foi a Reforma Trabalhista, em 2017, que precarizou as relações trabalhistas. Paralelo a isso, processos de desindustrialização avançaram, reconfigurando certos papéis da economia brasileira no capitalismo global.

As articulações decorrentes da intersecção gênero, raça e classe estruturam as relações sociais e imprimem na vida das mulheres e das pessoas negras deste país as assimetrias de ordem econômica e social. Também é de forma desigual que se intensificam, em momentos de crise ou retração econômica, as estruturas racistas e patriarcais de nossa sociedade. São transferidas para os mais vulneráveis as inserções mais precárias, com sobrerrepresentação no setor informal, menores rendimentos, maiores níveis de desocupação, e, cada vez mais, maior participação dentre os subutilizados. Uma análise mais aprofundada do mercado de trabalho revela, portanto, como as estruturas do capital se utilizaram, no período de crise e retração econômica (2015-2019), das desigualdades de sexo e raça a partir da ampliação de sua participação relativa, especificamente em trabalhos precarizados e mal remunerados. A maior disponibilidade relativa, nesses últimos anos, de empregos precários ou que remunerem menos os trabalhadores foi um chamamento aos trabalhadores negros e às trabalhadoras para se manterem, ocuparem ou se submeterem a tais funções.

 

 

*Marcelo Álvares de Lima Depieri é Economista, doutor em ciências sociais e pesquisador do Instituto Tricontinental de Pesquisa Social; Cristiane Ganaka é Economista, mestranda em Desenvolvimento Territorial na América Latina e Caribe e pesquisadora do Instituto Tricontinental; e Renata Porto Bugni é formada em Relações Internacionais, Mestra em Gestão de Políticas Públicas e pesquisadora do Instituto Tricontinental de Pesquisa Social.