Queridos amigos e amigas,
Saudações do Instituto Tricontinental de Pesquisa Social
Estou almoçando na quinta-feira (30 de agosto) com a equipe do nosso escritório em Buenos Aires. A tela da televisão está acima de nós. O comentário é fixo na taxa de câmbio que rapidamente cai. Ontem, a taxa de câmbio era de US $ 1 a 31 pesos argentinos. A taxa agora é de US $ 1 a 40 pesos argentinos. Escrever esses números já é irrelevante: quem sabe qual será a taxa no momento em que você ler esta carta semanal. Grafites em toda Buenos Aires e La Plata se ergue contra o governo de Mauricio Macri. Há raiva aqui, mas também exaustão. Ontem à noite, observamos uma manifestação de estudantes da Universidade de La Plata. Eles haviam se mobilizado para defender a educação, em particular para oferecer apoio aos professores que iriam às ruas de Buenos Aires no dia seguinte. O protesto dos professores se transformou rapidamente – à medida que o peso caiu em relação ao dólar – em uma manifestação geral contra o governo.
Argentina, Índia, Turquia – cada um desses países vê um declínio em sua moeda, a soberania comprometida pela democracia do imperialismo das altas finanças (para mais sobre isso, veja nosso dossiê#7, uma entrevista com o professor Prabhat Patnaik sobre guerras comerciais e finanças). Existem poucas saídas disponíveis do que parece ser uma crise sem fim, uma crise que se alimenta de crises e gera novas crises. Mais empréstimos denominados em dólar serão utilizados para saldar as obrigações urgentes do serviço da dívida, o que agravará a dívida e reverterá a crise por alguns meses. Há pouca expectativa de que as exportações aumentem a um ritmo tal que seus ganhos sejam capazes de cobrir a dívida. A teoria do desenvolvimento foi reduzida a uma expectativa teológica de que o crescimento orientado para a exportação compensaria o Investimento Estrangeiro Direto (conhecido como FDI em todas as línguas). Aqueles que continuam a depositar suas esperanças no crescimento orientado para a exportação são tão ilusórios quanto aqueles que acreditam que a Terra é plana.
Seria valioso para os ministros de finanças da Argentina, Índia e Turquia pararem de trabalhar por algumas horas e lerem a excelente avaliação feita por Eric Toussaint sobre as restrições impostas à Grécia pelo imperialismo das altas finanças. Toussaint, do Comitê para a Abolição da Dívida Ilegítima (CADTM), analisa cuidadosamente o estreito espaço político da Grécia produzido pelo Banco Central Europeu e pelo FMI, os bancos privados e os governos do Ocidente. O governo liderado pelo Syriza assumiu compromissos com essas entidades poderosas, o que impossibilitou que a Grécia saísse efetivamente de sua interminável crise. A situação da Grécia é uma lição para a Argentina, Índia, Turquia e outros países de renda média. É o passado e o futuro deles.
Fique de olho no dossiê do nosso escritório de Buenos Aires do Instituto Tricontinental de Pesquisa Social sobre a crise na Argentina. Será lançado em novembro.
Hoje é o Dia Internacional dos Desaparecidos. Um dia atrás, eu andei na Praça de Maio, a praça diante da Casa Rosada onde fica o governo da Argentina. É aqui que as mães dos desaparecidos continuam marchando, procurando desesperadamente por seus filhos e netos que foram mortos pela Junta militar entre 1976 e 1983. Muitas delas ainda não sabem do destino de seus familiares, a maioria deles de esquerda. ativistas que devotaram suas breves vidas ao bem-estar da classe trabalhadora, do campesinato e dos excluídos. Entre eles estava o escritor Rodolfo Walsh, que escreveu uma poderosa carta aberta à ditadura no primeiro aniversário da ditadura.
Eu estava lendo a carta de Walsh quando soube que a polícia de Pune (Maharashtra, Índia) havia prendido cinco companheiros – patriotas dos povo indiano – por crimes não especificados. Há algo de surreal nessas prisões, tão surreal quanto a prisão de Shahidul Alam em Bangladesh e Dareen Tatour em Israel. Na Suprema Corte indiana, o juiz DY Chandrachud disse sobre essas prisões: “A dissidência é o valor de segurança de uma democracia; se você não permitir a válvula de segurança, a panela de pressão irá estourar “. Este é o judiciário falando. Os governos não acreditam nisso – acreditando, em vez disso, que qualquer um que ajude a organizar a ira do povo é antinacional e, portanto, sedicioso. Inspirando-me em Walsh, escrevo sobre a dessecação geral do espaço para a ação democrática.
O desmoronamento econômico não pode ser impedido por uma faca no intestino de um ativista de esquerda ou um teste nuclear ou outra viagem ao exterior pelo primeiro-ministro itinerante. O que pode atrapalhar as negociações é que em cada lar na Índia, com um aparelho de televisão, ficam paralisados com o que parece ser uma série de detenções totalmente falaciosas.
Um dos detidos, o jornalista Gautam Navlakha, escreveu uma nota que sugeria que sua prisão – e a dos seus camaradas – era apenas um “estratégia política contra a dissensão política desse governo vingativo e covarde”. Estas são palavras valentes. Gautam termina sua nota com este poema de Shailendra (tradução de hindi por Surangya).
Tu zinda hai toh zindagi ki jeet par yakeen kar
Agar kahin hai swarg to utaar la zameen par
Yeh gham ke aur char din sitam ke aur char din
Yeh din bhi jayenge guzar
Guzar gaye hazar din
Tu zinda hai
Enquanto você estiver vivo, acredite que a vida será vitoriosa.
Se existe um paraíso em algum lugar, crie-o aqui na terra.
Os dias da dor estão contados, os dias da injustiça estão contados.
Estes dias passarão também, como mil dias têm diante deles.
Você está vivo.
Na foto acima, Gautam sorri enquanto é levado pela polícia.
Em 21 de Dezembro de 2010, a Assembleia Geral das Nações Unidas aprovou a resolução 65/209, da qual expressava a profunda preocupação dos membros nas nações da ONU pelo forçado, ou involuntário, desaparecimento de pessoas em todo mundo pelos governos. A resolução veio com o fato do Dia Internacional dos Desaparecidos, que começou a ser comemorado em 30 de agosto, por iniciativa da Federação Latino-Americana de Associações de Detidos e Desaparecidos. O grupo se formou em um encontro na Costa Rica em 1981, em um tempo que as “guerras sujas” na América Central destruiu os sentimentos na sociedade. Isso também foi durante a ditadura militar na América do Sul.
Na Turquia, as Mães dos Desaparecidos (Cumartesi Anneleri) realizaram sua 700ª manifestação semanal contra o desaparecimento de seus filhos. A foto acima é de Arat Dink, filho do jornalista turco-armênio Hrant Dink. Quando a polícia chegou perto de detê-lo, quatro membros do parlamento do HDP (o partido curdo da esquerda) o cercaram. Eles não permitiram que ele desaparecesse.
Em 21 de Dezembro de 2010, a Assembleia Geral das Nações Unidas aprovou a resolução 65/209, da qual expressava a profunda preocupação dos membros nas nações da ONU pelo forçado, ou involuntário, desaparecimento de pessoas em todo mundo pelos governos. A resolução veio com o fato do Dia Internacional dos Desaparecidos, que começou a ser comemorado em 30 de agosto, por iniciativa da Federação Latino-Americana de Associações de Detidos e Desaparecidos. O grupo se formou em um encontro na Costa Rica em 1981, em um tempo que as “guerras sujas” na América Central destruiu os sentimentos na sociedade. Isso também foi durante a ditadura militar na América do Sul.
As prisões dos escritores indianos e advogados aconteceram dias antes de 30 de Agosto.
O próprio dia, em Buenos Aires, uma multidão se reuniu, apesar da chuva, para protestar contra o ataque à educação e contra a desvalorização do peso. Uma curta viagem de metrô perto do protesto está o antigo centro secreto de tortura e detenção, onde cinco mil militantes do movimento sindical e estudantil foram presos nos anos da ditadura militar. O lugar agora é um museu. Quando estive pela última vez na Argentina, conheci o escritor uruguaio Eduardo Galeano, que me perguntou se eu havia visitado a Escola de Mecânica da Marinha. Demorei mais de uma década para visitar este museu de tortura. Por favor, leia meu diário da visita aqui. A foto abaixo é a homenagem do Instituto Tricontinental de Pesquisa Sociail do nosso querido amigo Eduardo Galeano. Foi Galeano quem escreveu – amargamente – que a América Latina “inspirou contribuições universais para o desenvolvimento de métodos de tortura, técnicas para assassinar pessoas e ideias, para o cultivo do silêncio, a extensão da impotência e a semeadura do medo”.
Acima está uma foto de um militante após seu primeiro interrogatório. Ela encara a câmera. Ela é corajosa. Enquanto o torturador cai, ela levanta o punho em desafio. Seu destino é claro. Ela será morta. Nós não sabemos seu nome. “Sua bravura”, eu escrevi no meu diário, “é um sinal através do tempo para todos nós. Enquanto você estiver resistindo, você não será derrotado”. A última frase é do marxista libanês Mehdi Amel, que foi assassinado 19 de maio de 1987.
Cordialmente,
Vijay.
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