Em Pequim (República Popular da China), encontro um funcionário – um velho amigo – que me diz que os protestos dos coletes amarelos terão similares por toda parte, inclusive na Ásia. A política neoliberal comeu a sociedade, canibalizando os tendões que ligam as pessoas umas às outras e empobrecendo a vida cotidiana. Esse é um problema – ele admite – mesmo na China, onde as formas sociais revolucionárias pós-1949 não são mais levadas a sério.
A palavra de ordem de Deng Xiaoping em 1983 – deixe algumas pessoas enriquecerem primeiro (rang yi bu fen ren xian fu qi lai) – está datada. É também mal compreendida. É fácil ter uma visão estereotipada da China – com opiniões que vão da crença de que é um país totalmente capitalista a de que é um bastião maoísta. Nenhuma delas é totalmente correta. As aspirações desenvolvidas pela Revolução de 1949 continuam – o sentimento de que ninguém deve ser pobre, sofrer privações e que deve ser tratado com dignidade, persiste. Para se tornar rico, não é necessário ser capitalista. Entre os trabalhadores, há o entendimento de que ninguém quer viver, por gerações, na pobreza.
O que está faltando, diz um professor sênior, é o espírito coletivo produzido pela Revolução de 1949. Todos os processos revolucionários perdem sua energia, são sugados pelos problemas cotidianos de distribuição de recursos e da burocracia do poder. Ler os textos de Lênin a Ho Chi Minh e a Mao Tse Tung, escritos nos anos posteriores à revolução, é instrutivo. Todos avisam sobre essa perda de energia, esse sentimento do distanciamento entre autoridades e o povo. É um problema observado pelo atual premiê chinês Xi Jingping, que defendeu o estudo do marxismo e pediu novos valores no governo. Canalizar as aspirações de ganho individual para o desenvolvimento social não é uma questão simples, especialmente porque há um impulso cultural global para reduzir a personalidade humana a um consumidor.
Na terça-feira (18/12), visitei o Grande Salão do Povo e o Museu Nacional da China. Há uma celebração do 40º aniversário da era da reforma. Em 1978, o Terceiro Plenário do 11º Comitê Central do Partido Comunista foi realizado no Hotel Jingxi, na mesma rua da Praça Tiananmen. Foi neste Plenário que o líder do partido, Deng Xiaoping, pediu a abertura da economia chinesa e a entrada de forças de mercado na economia. Pouco depois dessa reunião, Deng se reuniu com o primeiro-ministro do Japão, Masayoshi Ohira, a quem ele disse que o povo chinês estaria confortável (xiaokang) até 2025. Na celebração desta semana, o presidente chinês Xi Jinping aplaudiu as três fases da modernidade chinesa. Movimento de 1911, a Revolução de 1949 e a Era da Reforma iniciada em 1978. Esse desenvolvimento permitiu que a China – um país pobre e agrícola – quebrasse a profunda consciência da subserviência feudal e erradicasse a fome. Meu relatório do Grande Salão e do Museu está aqui.
Os problemas permanecem, alguns deles muito graves, como os acontecimentos em Xinjiang e a detenção de números não divulgados da minoria Uyghur; a prisão de estudantes marxistas que foram oferecer solidariedade a trabalhadores da Jasic Technology em Shenzhen. É difícil imaginar a promoção do marxismo ao mesmo tempo em que se violam princípios básicos marxistas, como os direitos de minorias e a organização dos trabalhadores.
A pintura acima é um detalhe de um grande trabalho feito à tinta por Tang Yongli, instalada no Museu em 2015. Mostra o primeiro comitê central do Partido Comunista, em 1949. |