Cem anos do movimento comunista na Índia
Dossier nº32
Em 17 de outubro de 2020, o movimento comunista indiano relembra um século de corajosa resistência contra a tirania, opressão e exploração. Este foi um século de sacrifícios por parte de centenas de milhares de revolucionários do movimento comunista indiano que dedicaram suas vidas ao sonho de uma sociedade igualitária e verdadeiramente democrática. Milhares de quadros se tornaram mártires nesse caminho e muitos outros continuam a levar adiante o sonho e a luta em meio à repressão do Estado, à violência e às infinitas tentativas de desestabilização.
Por meio de seu trabalho modesto, os comunistas mobilizaram centenas de milhões de pessoas para provocar mudanças de longo alcance na sociedade. Eles lutaram contra conflitos religiosos sectários e a discriminação de casta, mobilizaram trabalhadores e camponeses na luta pelo avanço de seus direitos e trabalharam para mudar a consciência do povo em uma direção progressista a fim de tornar a sociedade mais apropriada para todos os setores marginalizados, explorados e oprimidos. O movimento comunista está ciente de que a exploração dos seres humanos pelos seres humanos só pode terminar com o estabelecimento de uma sociedade socialista e sua transição para o comunismo; a luta por esse objetivo continua nos tempos difíceis que a humanidade enfrenta hoje.
Os comunistas indianos são patriotas; sua prática está profundamente enraizada nas realidades socioeconômicas e culturais indianas. No entanto, veem sua atividade revolucionária na Índia como uma parte intrínseca da luta internacional pela libertação e emancipação humana. Eles sempre estiveram perfeitamente cientes de que seu sonho de um futuro comunista é um sonho compartilhado com companheiros e companheiras em todo o mundo. Isso significa que o movimento comunista indiano sempre foi fortemente internacionalista. Em outras palavras, vem defendendo os direitos dos povos e nações oprimidas em todo o mundo, mesmo quando tal posicionamento não era popular dentro do país.
O movimento comunista indiano também foi fortemente inspirado pela Revolução de Outubro (1917) – um episódio glorioso na História que deu frutos não apenas na luta contra o Império Tsarista, mas em todas as nações oprimidas. Um conjunto de revolucionários indianos que queria derrubar o domínio colonial britânico na Índia chegou a Tashkent, no que era então a União Soviética, de várias partes do mundo. Assistidos por M. N. Roy – um revolucionário indiano fundador do Partido Comunista Mexicano e membro do comitê executivo da Internacional Comunista –, eles formaram o Partido Comunista da Índia (PCI) em 17 de outubro de 1920.
Além do emigrado Partido Comunista da Índia, grupos comunistas dispersos estavam surgindo em diferentes partes da Índia durante o início dos anos 1920, encabeçados por líderes como S. A. Dange, em Bombaim, Muzaffar Ahmad, em Calcutá, M. Singaravelu Chettiar, em Madras, e Ghulam Husain, em Lahore. As atividades do emigrante Partido Comunista da Índia serviram para fornecer educação teórica e prática em marxismo-leninismo a esses grupos.
Os comunistas que estavam em contato com M. N. Roy realizaram uma conferência aberta de comunistas indianos na cidade de Kanpur, no atual estado de Uttar Pradesh, de 25 a 28 de dezembro de 1925, e decidiram formar um Partido Comunista da Índia (PCI) com sede em Bombaim. Este foi o primeiro esforço em solo indiano para formar um partido comunista em toda a Índia e é considerado por um setor dos comunistas indianos como o marco inicial do movimento comunista no país.
Os primeiros anos
Os comunistas indianos queriam alcançar independência total do domínio colonial britânico e construir uma sociedade na qual os trabalhadores pudessem ser os donos de seu próprio destino. Para eles, o exemplo da União Soviética era a prova viva de que esse era um objetivo eminentemente possível. Eles realizaram um intenso trabalho organizacional, que fortaleceu o movimento sindical no final da década de 1920 nos centros urbanos. Os anos de 1928 e 1929 testemunharam uma onda de greves da classe trabalhadora no país, incluindo lutas prolongadas travadas pelos trabalhadores das fábricas têxteis de Bombaim e pelos ferroviários de Bengala.
Com o surgimento dos comunistas na luta anticolonial, o Congresso Nacional Indiano (CNI), que liderava o movimento nacional indiano, foi forçado a adotar uma postura mais forte contra o domínio britânico – afastar-se da resistência moderada que havia apresentado até então. Na sessão de Ahmedabad do CNI, em 1921, dois comunistas – Maulana Hasrat Mohani e Swami Kumaranand – propuseram uma resolução exigindo a independência completa do domínio britânico. Embora o CNI tenha rejeitado a resolução, o fato de ela ter sido levantada na reunião e levada a sério mostra que as ideias comunistas começaram a ter impacto na luta anti-imperialista.
Alarmados com a difusão das ideias comunistas na Índia e preocupados com as implicações para seu império, os britânicos iniciaram uma série de conspirações contra os primeiros comunistas. Entre 1921 e 1933, muitos líderes comunistas importantes foram presos. O mais proeminente desses episódios foi a Conspiração de Meerut (1929-1933). Embora tenha sido planejada para suprimir o movimento comunista, forneceu uma excelente plataforma para os comunistas propagarem a ideologia marxista. Eles aproveitaram a oportunidade para explicar e defender com valentia o marxismo no tribunal, ajudados pelo grande interesse que esse processo gerou entre o público indiano. 27 dos 33 acusados foram condenados e sentenciados ao desterro ou à prisão. Em 1934, o governo britânico baniu o Partido Comunista e todas as suas organizações afiliadas, tornando sua filiação um crime. Os comunistas seguiram com sua atividade revolucionária clandestinamente e continuaram a aumentar o alcance e a adesão do Partido.
O sucesso da União Soviética – mesmo em meio à Grande Depressão que devastou o mundo capitalista – atraiu inúmeras pessoas ao socialismo e ao marxismo. A Índia não foi exceção. Embora o Partido Comunista tenha sido banido, os comunistas continuaram a trabalhar em várias organizações que faziam parte do movimento nacional indiano, incluindo o Congresso Nacional Indiano. Eles realizaram suas atividades partidárias clandestinamente e recrutaram muitos jovens para o Partido Comunista, muitos dos quais entraram para o movimento e mais tarde se tornaram líderes proeminentes. Usando esses vários fóruns, um dos quais era o Congress Socialist Party [Partido Socialista do Congresso] (CSP) – um bloco de esquerda dentro do Congresso Nacional Indiano –, os comunistas mergulharam de cabeça na mobilização de vastos setores em várias organizações de massa e classe de camponeses, trabalhadores, estudantes e escritores.
O crescimento das organizações de massa e de classe
À medida que amadureciam no movimento, os comunistas reconheceram a importância da aliança da classe trabalhadora e do campesinato para alcançar a independência completa. Eles compreenderam o papel que os trabalhadores revolucionários podem desempenhar na paralisação da máquina de administração colonial, bem como o transporte e a comunicação. Como resultado da atividade comunista, uma onda de greves da classe trabalhadora envolvendo 606 mil trabalhadores ocorreu em toda a Índia em 1937.
Além dos trabalhadores, os comunistas identificaram o papel que estudantes, jovens e intelectuais poderiam desempenhar no movimento nacional e buscaram mobilizá-los para a causa revolucionária.
Mais importante ainda, os comunistas perceberam que na Índia, onde mais de 80% da população vivia no campo, a libertação nacional só seria realmente possível quando o campesinato fosse mobilizado em grande escala. Assim, o movimento comunista – que em seus primeiros anos havia se mobilizado principalmente nos centros urbanos – começou a crescer também na Índia rural.
Com esse entendimento, os comunistas formaram várias organizações de massa em 1936: o All India Kisan Sabha (AIKS ou ainda All India Peasant Union – Sindicato de Camponeses de Toda a Índia), a All India Students’ Federation [Federação Estudantil de Toda a Índia] e a Progressive Writers’ Association [Associação de Escritores Progressistas], bem como o Indian People’s Theatre Association [Associação Teatral do Povo Indiano] em 1943. A primeira organização de trabalhadores agrícolas também foi iniciada pelos comunistas. Essas organizações de massa ajudaram a canalizar a busca de vários setores da população por justiça e direitos em direção a uma consciência revolucionária.
Quando o movimento comunista entrou na Índia rural, teve que se haver com a estrutura arraigada do feudalismo indiano – em particular com o amálgama de casta e classe. A Índia rural apresentava uma intensa exploração dos camponeses por parte da classe proprietária, agiotas e funcionários do governo. Após pagar o arrendamento e a dívida com os agiotas, o camponês que cultivava alimentos quase não tinha como alimentar sua família. Empurrado para um ciclo de dívidas, inevitavelmente uma grande parte do campesinato perdeu suas terras e se tornou-se arrendatária. Pior ainda era a situação dos trabalhadores sem-terra, principalmente pertencentes à casta dos intocáveis, que foram forçados – coagidos por meio de força física e dos costumes da sociedade – a fornecer trabalho gratuito e a levar uma existência subumana socialmente sancionada. A primeira entre as muitas questões que os comunistas abordaram nas aldeias foi a da intocabilidade, que vincularam a outras questões, como baixos salários e condições de trabalho forçado.
Sob a liderança dos comunistas, o movimento camponês ganhou força. O número de membros do All India Kisan Sabha, liderado pelos comunistas, subiu de 600 mil em maio de 1938 para 800 mil em abril de 1939. O movimento camponês tinha uma série de demandas, que incluíam a abolição do latifúndio e a concessão da propriedade da terra aos agricultores, acabando com o trabalho forçado e com as exigências ilegais aos arrendatários por parte dos proprietários, redistribuindo terras aos camponeses sem-terra, mudando radicalmente o sistema de impostos fundiários e melhorando os preços das colheitas.
Enquanto os comunistas mobilizavam o campesinato, a liderança do Congresso estava abertamente alinhada com os latifundiários e governantes na maioria dos lugares. A classe proprietária, junto aos industriais, eram dois pilares de sustentação do CNI. Como resultado, as tensões aumentaram entre os comunistas e setores da direita do Congresso. Os governos provinciais liderados pelo CNI apoiavam abertamente os proprietários de terras e os capitalistas. Sob pressão da direita, a direção do CSP expulsou os comunistas. Em seguida, como EMS Namboodiripad – um importante pensador comunista e primeiro ministro-chefe do estado de Kerala – recorda, “algumas unidades estaduais, distritais e locais do CSP (incluindo todos os membros em Kerala) se transformaram na sua totalidade no PCI”.
A Segunda Guerra
Quando a Segunda Guerra Mundial estourou em 1939, a Grã-Bretanha fez da Índia um participante da guerra sem consultar os representantes do povo indiano. A guerra causou imensas dificuldades ao povo, conforme o preço dos bens essenciais aumentava drasticamente. O PCI opôs-se veementemente à guerra e organizou protestos em massa. O governo britânico iniciou prisões em massa e, em maio de 1941, quase toda a liderança do PCI estava presa.
Mas o caráter da guerra mudou após a Alemanha nazista lançar seu ataque à União Soviética em 22 de junho de 1941, indo de uma guerra interimperialista para uma guerra de todos os povos contra o fascismo. O internacionalismo proletário agora exortava os partidos comunistas de todos os países a reconhecer que Hitler e o fascismo eram o principal inimigo e que a guerra travada pela URSS em aliança com a Grã-Bretanha e a América era uma guerra que tinha que ser vencida por todos os povos em prol dos interesses de defender a base da revolução mundial (Resolução do Politburo do PCI, enviada a todos os membros do partido sob a capa da carta do partido n. 56 datada de 15 de dezembro de 1941).
O CNI estava em negociações com os britânicos, que ofereceram concessões – incluindo a transferência de poder –, mas só depois da guerra. As negociações fracassaram. A ameaça de uma invasão por parte do Japão cresceu à medida que as forças desse país avançavam em direção à Índia e conquistavam territórios ocupados pelos britânicos em Cingapura, Birmânia, Malásia e as ilhas Andaman. No entanto, o CNI, que há muito fazia campanha contra o fascismo, agora lançava a luta “Saia da Índia”, exigindo que os governantes coloniais “abandonassem a Índia”, buscando, assim, pressionar os britânicos rapidamente por um compromisso.
Os comunistas se opuseram à Resolução de Abandono da Índia do Comitê do Congresso de Toda a Índia. Diante do avanço global das potências fascistas, eles consideraram a chamada inadequada para a época e temiam que qualquer enfrentamento aos Aliados enfraqueceria o esforço de guerra antifascista. Mas o povo estava impaciente para descartar o núcleo do colonialismo, e a postura dos comunistas foi contra o sentimento popular no país na época.
Depois que a Índia conquistou a independência, essa postura foi revista pelo Partido Comunista, que concluiu ter sido um grave erro ir contra o sentimento popular durante o movimento “Saia da Índia”. Embora apoiassem a guerra popular na esfera internacional, os comunistas deveriam ter apoiado a justa exigência do povo indiano de que os colonialistas britânicos “abandonassem a Índia”, concluiu o PCI. Embora o CNI tenha feito um apelo aos britânicos para “deixar a Índia”, a maioria de seus líderes foi presa imediatamente e não houve orientação ou preparação por parte da liderança do CNI sobre como levar adiante a luta quando diante da repressão em larga escala. Apesar de sua oposição à convocatória, os comunistas fizeram campanha pela libertação dos líderes do Congresso presos e exigiram o estabelecimento de um governo de unidade nacional.
A proibição do Partido Comunista, que havia sido imposta em 1934, foi suspensa em julho de 1942, e os comunistas foram libertados da prisão. Em meio à guerra, a horrível Fome de Bengala de 1943-1944 causou a morte de mais de três milhões de pessoas em Bengala, Orissa, Bihar e Assam. Como apontou a economista Utsa Patnaik, isso foi o resultado de uma política deliberada dos britânicos para engendrar lucros a partir da inflação “para levantar recursos da população indiana, reduzindo o consumo em massa a fim de financiar a guerra dos Aliados no Sul da Ásia com o Japão”. Os comunistas participaram ativamente da aquisição e distribuição de mercadorias essenciais. O Partido fez campanha para construir um movimento contra setores de comerciantes e proprietários de terras que acumulavam grãos de alimentos e outras mercadorias essenciais, e também para expor o caráter antipopular dos governantes britânicos que favoreciam esses exploradores. O Mahila Atma Raksha Samiti [Comitê de Autodefesa Feminina] foi formado para salvar mulheres jovens do tráfico de pessoas. Voluntários e equipes médicas foram mobilizados e enviados para prestar socorro. Como resultado desse trabalho incansável – apesar de assumir uma posição impopular na guerra –, os comunistas mantiveram sua força independente e o apoio das massas ao Partido aumentou significativamente.
A revolução pós-guerra
O período do pós-guerra assistiu ao surgimento de lutas de massa na Índia, muitas das quais lideradas pelo Partido Comunista. A força que o Partido construiu em muitas regiões durante a guerra era agora mobilizada para ações de massa.
Uma onda de lutas da classe trabalhadora surgiu no país em resposta à redução de cinco a sete milhões de trabalhadores e do aumento do custo de vida, bem como em reação aos apelos para fortalecer a luta pela independência nacional. Entre as ações massivas da classe trabalhadora houve greves dos correios, telégrafos e ferrovias em 1946.
O motim de fevereiro de 1946 da Royal Indian Navy (RIN), protagonizado por oficiais de baixa patente, foi um evento marcante. Os marinheiros de Bombaim que entraram em greve içaram a bandeira vermelha junto às bandeiras de outros partidos do movimento nacional. Eles pegaram em armas e prenderam seus oficiais superiores. O PCI apoiou totalmente o levante e convocou uma greve geral em 22 de fevereiro de 1946. Em todo o país, centenas de milhares de trabalhadores entraram em greve, comerciantes fecharam seus estabelecimentos e estudantes boicotaram aulas. Por fim, os oficiais navais rebeldes se renderam em 23 de fevereiro; no entanto, o apoio popular que obtiveram como resultado da campanha liderada pelos comunistas impediu sua aniquilação total.
Sob a liderança dos comunistas durante esse período, várias porções da Índia viram grandes mobilizações de camponeses contra a exploração dos proprietários de terras. Em todos os lugares, o PCI exigiu a abolição de várias formas de opressão econômica e social que oprimiram as aldeias indígenas durante séculos. Em alguns lugares, as mobilizações assumiram a forma de revoltas armadas lideradas pelos comunistas; houve mobilizações maciças de camponeses e camponesas que fugiram de Andhra, Telangana, Tamil Nadu, Kerala e Maharashtra para Bengala, Assam, Tripura e Caxemira. Essas mobilizações abalaram as classes dominantes, que usaram de extrema violência para suprimi-las. No final das contas, os camponeses conquistaram muitos dos direitos pelos quais lutavam, fortalecendo ainda mais o movimento comunista.
O Movimento Tebhaga
O movimento Tebhaga foi uma grande agitação camponesa em Bengala, liderada pelo Partido Comunista da Índia (PCI), sob a bandeira do All India Kisan Sabha, entre 1946 e 1950. Os meeiros tinham permissão para ficar com apenas metade da produção da terra, sendo o restante dos proprietários das terras. O movimento Tebhaga exigia que a parte dos meeiros fosse aumentada para dois terços e que os aluguéis fossem reduzidos. Tebhaga significa literalmente “três partes”, referindo-se à demanda de que a colheita fosse dividida em três, com duas das três partes indo para os meeiros. O movimento ocorreu em um momento em que distúrbios comunais[1] estavam ocorrendo em Calcutá e no distrito de Noakhali, na parte oriental de Bengala. Mas o movimento Tebhaga deu um exemplo glorioso de unidade hindu-muçulmana baseada na luta de classes, e as áreas onde o Kisan Sabha tinha influência permaneceram livres de motins comunais. Hindus, muçulmanos e homens e mulheres tribais estavam entre as 73 pessoas mortas pela polícia durante a luta. Apesar da repressão brutal por parte do Ministério da Liga Muçulmana, em Bengala, os direitos dos meeiros exigidos pelo movimento Tebhaga foram atendidos em muitas regiões como resultado da luta.
A luta armada em Telangana
A luta armada em Telangana foi a maior revolta liderada por comunistas na história da Índia. Ocorreu entre 1946 e 1951, em Telangana, uma região de língua telugu, então parte de Hyderabad. Durante o domínio colonial britânico, a Índia teve centenas de regiões que não estavam sob domínio britânico direto e onde estados vassalos podiam continuar em aliança subsidiária com os britânicos. Hyderabad, governado pelo monarca que recebia o título de Nizam, era um desses estados principescos. A luta em Telangana, liderada pelo Partido Comunista, posicionou-se contra o governo autocrático de Nizam e contra a exploração feudal pelos proprietários de terras. A luta começou exigindo a abolição de impostos injustos e do vetti (trabalho forçado) e pelo fornecimento de títulos de propriedade para os camponeses que cultivavam terras. À medida que a mobilização comunista se fortalecia mais, a repressão, a violência e os assassinatos de comunistas tanto pelos Razakars (as tropas de choque de Nizam) e pela polícia se intensificaram, levando à resistência armada. No auge dessa luta, o movimento tinha o controle total de três mil aldeias com uma população total de mais de três milhões. Como resultado dessa luta, um milhão de acres de terra foram distribuídos entre o campesinato. O trabalho forçado foi abolido, o salário diário dos trabalhadores foi aumentado e o salário mínimo foi implementado. Educação, saúde e outros serviços eram organizados nessas aldeias pelo povo por meio de comitês auto-organizados.
O governo do Congresso lançou uma “ação policial” em 13 de setembro de 1948 para suprimir a luta liderada pelos comunistas e forçar o Nizam a aderir à União Indiana. O Nizam se rendeu e a anexação do estado de Hyderabad à Índia foi anunciada. Mas não foi o suficiente para tomar Hyderabad. O exército indiano então marchou para as aldeias para esmagar a luta camponesa. Os proprietários e os ex-administradores regionais do Nizam voltaram às aldeias com o exército indiano e a polícia para devolver as terras aos proprietários, embora o povo tenha resistido com êxito em muitos lugares. Cerca de 4 mil militantes comunistas e camponeses foram mortos durante o levante e a repressão, e mais de 10 mil pessoas foram colocadas em campos de detenção e prisões, onde foram torturadas, durante três ou quatro anos.
A Revolta de Punnapra-Vayalar
Punnapra e Vayalar, duas aldeias no distrito de Alappuzha, em Kerala, tornaram-se os epicentros de uma grande luta em 1946 contra o governo autocrático do rei de Travancore e seu primeiro-ministro. Travancore era um estado principesco como Hyderabad. Seus governantes estavam tentando evitar a anexação à Índia independente, e buscavam adotar o “modelo americano” com um presidente no Executivo, em vez do sistema parlamentar adotado pela Índia. A recusa dos governantes de Travancore em ceder à demanda por um governo que prestasse contas a uma legislatura eleita e o movimento para impor o “modelo americano” estimulou a ação da classe trabalhadora liderada pelo Partido Comunista. Houve batalhas furiosas entre os trabalhadores e a polícia armada, que matou a tiros várias centenas de trabalhadores de 24 a 27 de outubro. Em menos de um ano, o primeiro-ministro teve que deixar Travancore na ignomínia, e a demanda política imediata de um governo democrático se tornou uma realidade com Travancore se tornando parte da Índia. A luta também deu início ao processo de formação do Estado linguístico único de Kerala, pela fusão das regiões de língua malaiala: os antigos Estados principescos de Travancore e Cochin, e o distrito de Malabar, da presidência de Madras, que estava sob administração direta domínio britânico.
Diferenças no Movimento Comunista
Na época da independência da Índia, em 15 de agosto de 1947, uma série de questões surgiram diante do movimento comunista. O poder colonial contra o qual os comunistas lutaram veementemente havia ido embora. Agora os indianos governavam o país. Mas qual era a natureza do novo Estado e quem eram os novos governantes? O novo Estado indiano foi um Estado fantoche de um poder colonial? Ou era independente, enraizado no apoio às classes dominantes indianas? Quem eram as classes dominantes nesse novo contexto? Qual deve ser a natureza do engajamento dos partidos comunistas com o novo Estado e as classes dominantes? O Partido Comunista deve se engajar e se aliar aos novos governantes? Ou deveria travar uma luta armada pela derrubada do Estado? Deve seguir o “caminho russo” ou o “caminho chinês”? Ou havia um caminho indiano? Essas foram as principais questões que fermentaram dentro do movimento comunista e que posteriormente levaram à formação de diferentes vertentes dentro do movimento.
As diferenças se intensificaram a partir de meados da década de 1950. A questão imediata era como analisar as políticas do governo indiano pós-independência, chefiado por Jawaharlal Nehru, do Congresso Nacional Indiano (CNI). O governo buscava uma política externa relativamente independente, deu início ao processo de planejamento econômico, e o CNI chegou a afirmar que seu objetivo era estabelecer um padrão socialista de sociedade. Um setor do PCI considerou que os comunistas deveriam trabalhar com a ala de esquerda do CNI, representada nesse momento por Jawaharlal Nehru, argumentando que tal ala representava a burguesia nacional e que se opunha ao imperialismo e ao feudalismo.
Esses debates acabaram levando o Partido Comunista da Índia a um racha em 1964. O setor que se opôs ao caminho de cooperação com o Congresso formou o Partido Comunista da Índia (Marxista), ou PCI (M); a outra facção manteve o nome de Partido Comunista da Índia (PCI).
Em 1969, convencidos da necessidade da luta armada, outros comunistas formaram o Partido Comunista da Índia (Marxista-Leninista) ou PCI (ML).
Os governos de esquerda
Uma fase crucial do movimento comunista indiano começou com a formação de governos liderados por comunistas em âmbito estadual.
A Índia, como nação, é constituída por várias nacionalidades linguísticas, e a política indiana em geral se divide em estados linguísticos (por exemplo, Bengala Ocidental para os falantes de bengali, Tamil Nadu para os falantes de tamil). O movimento comunista desempenhou um papel crucial na reorganização dos estados indianos com base nas línguas. Sob os britânicos e durante os primeiros anos após a independência, a divisão dos estados na Índia não tinha base racional; foram divididos conforme os britânicos adquiriam essas regiões. Isso resultou na imposição de línguas não locais às populações nativas, impedindo sua participação na educação, cultura e vida política. Os comunistas defenderam a formação de estados linguísticos baseado no entendimento de que a Índia é um estado multinacional com muitos grupos linguístico-culturais que formam diferentes nacionalidades dentro da maior unidade da nação indiana. O levante Telangana e a revolta Punnapra-Vayalar estiveram entre as lutas que galvanizaram os movimentos pela formação de estados linguísticos na Índia.
Devido à organização bem-sucedida dos camponeses pelos comunistas em algumas regiões durante e após a independência indiana, os comunistas se fortaleceram o suficiente para ganhar eleições e formar governos em alguns dos estados organizados linguisticamente. Embora esteja claro que apenas ganhar eleições e governar não é o caminho para que a classe trabalhadora e o campesinato cheguem ao poder do Estado, os governos estaduais possibilitaram que os comunistas pudessem apresentar políticas alternativas e fornecer auxílio ao povo, bem como educar politicamente as pessoas usando o processo eleitoral.
Kerala
Após contratempos na tentativa de formar um governo liderado pelos comunistas no estado de Andhra Pradesh, veio uma vitória histórica em Kerala, um estado formado com base na língua comum malaia, em 1956. No ano seguinte, o PCI venceu as primeiras eleições legislativas e formou o governo; E. M. S. Namboodiripad prestou juramento como primeiro ministro-chefe em 5 de abril de 1957.
Os comunistas chegaram ao poder em Kerala apoiados por poderosos movimentos da classe trabalhadora e do campesinato. Os comunistas haviam liderado lutas de décadas do campesinato contra o latifúndio feudal, que submetia os camponeses a arrendamentos tortuosos, cobranças exorbitantes, despejos e indignidades sociais. Assim, a reforma agrária estava naturalmente no topo da agenda comunista. No sexto dia após chegar ao poder, em 1957, o governo do PCI emitiu uma portaria proibindo o despejo de fazendeiros arrendatários pelos proprietários. O ministério introduziu uma legislação de reforma agrária – o Projeto de Lei das Relações Agrárias de Kerala. Seus objetivos incluíam fornecer direitos permanentes à terra para os agricultores, fixar os arrendamentos a um preço justo, impor um limite máximo de tamanho (ou “teto”) para as propriedades de terra e dar aos inquilinos o direito de comprar a terra que cultivavam.
Os comunistas expandiram enormemente o financiamento da educação e levaram a cabo reformas no setor educacional para trazer uma supervisão mais democrática e melhores condições de trabalho, segurança no emprego e remuneração para professores em escolas particulares. A saúde pública foi expandida e uma rede de lojas a preços justos foi instituída para fornecer arroz aos pobres a preços acessíveis.
As medidas de reforma agrária abalaram os proprietários de terras, enquanto as reformas educacionais foram rejeitadas pela liderança da Igreja Católica, que administrava um grande número de escolas particulares. A Igreja Católica e as organizações de castas dominantes que representam os interesses dos proprietários de terras deram as mãos ao Partido do Congresso para se opor à gestão comunista. Eles colocaram em marcha uma agitação que ironicamente chamaram de Vimochana Samaram (“Luta de Libertação”). Quando teve a oportunidade, o governo central do Congresso destituiu o governo comunista em Kerala em 1959.
Os governos liderados pelo CNI, que chegaram ao poder depois que o primeiro governo comunista foi destituído, diluíram a legislação da reforma agrária. No entanto, outras legislações e ações administrativas do governo de esquerda de 1967-69, bem como agitações lideradas pelo PCI(M), durante a primeira metade da década de 1970, levaram à implementação de reformas agrárias de longo alcance que continuaram nos anos subsequentes. Em 1993, 2,8 milhões de arrendatários receberam direitos de propriedade ou tiveram seus direitos protegidos, e 600 mil hectares de terra foram acumulados para eles por meio dessas medidas. Mais de 528 mil trabalhadores agrícolas sem-terra receberam terras de fazendas em 1996.
As reformas agrárias em Kerala quebraram a coluna do latifundiário da casta dominante, elevaram os padrões de vida de numerosos setores do campesinato e aumentaram enormemente o poder de barganha dos trabalhadores agrícolas. Os investimentos públicos em educação e saúde resultaram em melhorias acentuadas na alfabetização e nos indicadores de saúde. Essas melhorias foram registradas por estudos acadêmicos a partir de meados da década de 1970, que deram origem ao conceito de “modelo de Kerala”. As ideias básicas por trás desse modelo são: 1) não é necessário que um país ou região espere até se tornar rico para melhorar significativamente as condições materiais de vida das pessoas, distribuídas por toda a população; e 2) a mobilização popular pode impulsionar tais mudanças, forçando os governos a adotarem medidas redistributivas e outros programas. Kerala é o estado indiano com a maior taxa de alfabetização e a menor taxa de mortalidade infantil. É também o estado com os melhores salários e as mais abrangentes medidas de seguridade social para os trabalhadores. A força do movimento da classe trabalhadora foi o fator mais crucial para tornar isso possível.
Bengala Ocidental
Bengala foi uma das províncias que mais sofreu com o colonialismo britânico. Milhões de bengalis morreram na fome induzida pelo colonialismo, e os fazendeiros bengalis foram alguns dos mais explorados do país. Junto da independência, veio a divisão do país em dois: Índia e Paquistão. Centenas de milhares de pessoas foram mortas em motins comunais em que a violência eclodiu com base em divisões de identidade religiosa, historicamente fomentada por governantes coloniais britânicos e outras organizações políticas que buscaram se beneficiar de tais divisões. Houve fluxos maciços de refugiados do Paquistão para a Índia e vice-versa. Bengala foi dividida em duas, com a porção oriental se juntando ao Paquistão. Os comunistas em Bengala Ocidental estiveram na linha de frente lutando para impedir atrocidades e exigindo moradia e direito de voto para os refugiados.
Os comunistas realizaram trabalhos de auxílio durante a Fome de Bengala e lideraram um movimento por alimentos na década de 1950, período em que os pobres rurais invadiram as ruas de Calcutá como parte da “procissão dos famintos” (Bhukha Michhil). Isso contribuiu para que os pobres apoiassem o Partido Comunista em números cada vez maiores.
A reivindicação por reforma agrária havia se tornado parte das demandas do movimento Tebhaga em seus estágios posteriores, e a década de 1950 viu o Kisan Sabha, liderado pelos comunistas, lutar contra o despejo de meeiros de suas terras.
A força crescente dos comunistas se refletia em suas performances eleitorais. O PCI(M) e o PCI fizeram parte de governos da breve Frente Unida que ocorreram entre 1967-1969 e em 1969-1970. Em 1977, a Frente de Esquerda, uma coalizão do PCI(M), PCI e outros partidos de esquerda, ganhou as eleições e formou um governo, com Jyoti Basu como ministro-chefe. Por 34 anos sem interrupção, os comunistas lideraram o governo estadual de Bengala Ocidental.
O governo da Frente de Esquerda levou adiante as medidas de reforma agrária iniciadas durante o mandato dos governos da Frente Unida. Implementou a Operação Barga, por meio da qual foram estabelecidos os direitos dos meeiros (bargadars); isso garantiu que uma justa parte da colheita fosse para os meeiros que cultivavam a terra. O proprietário tinha que dar ao meeiro um recibo de sua parte para que pudesse ser entregue aos bancos como prova do seu direito à terra. As propriedades cujos tamanhos excediam um determinado limite foram declaradas terras excedentes e redistribuídas.
A escala do programa de reforma agrária da Frente de Esquerda em Bengala Ocidental pode ser vista pelo fato de que mais de 50% do número total de beneficiários de programas de distribuição de terras na Índia eram desse estado. Em 2008, mais de 2,9 milhões de pessoas receberam terras agrícolas como parte de programas de distribuição de terras, mais de 1,5 milhão de meeiros tiveram suas terras registradas e mais de 550 mil pessoas receberam terras de fazendas. Além disso, 55% dos destinatários de terras agrícolas pertenciam às castas dalit (intocáveis) e a comunidades tribais que constituem os setores mais pobres da sociedade indiana.
Uma conquista importante dos governos comunistas em Bengala Ocidental foi o renascimento da agricultura e, portanto, dos meios de subsistência rurais. O investimento público em desenvolvimento rural, incluindo irrigação, foi expandido significativamente, o que permitiu que vastas extensões de terras onde apenas uma safra era cultivada por ano pudessem, em vez disso, colher três safras por ano. A reforma agrária encorajou o investimento produtivo dos próprios camponeses. Tudo isso levou a um maior crescimento agrícola em Bengala Ocidental, e o estado se tornou o principal produtor de arroz do país.
O processo de descentralização democrática que os governos da Frente de Esquerda iniciaram trouxe grandes mudanças na zona rural de Bengala Ocidental. Os panchayats (instituições locais de governo autônomo no campo) foram criados e encarregados de tomar decisões locais, incluindo a implementação de reformas agrárias. Uma parte substancial dos fundos foi devolvida pelo governo estadual às instituições autônomas locais. Essas reformas alteraram a correlação de forças entre as classes nas aldeias a favor do campesinato, enfraquecendo substancialmente o domínio dos grandes e antigos proprietários de terras e agiotas. A proporção de representantes dalit e panchayat tribais cresceu bem acima de sua parcela na população.
Tripura
Em Tripura, o Conselho de Libertação do Povo (Ganamukti Parishad), liderado pelos comunistas, foi formado em 1948. Ele liderou lutas pelas questões urgentes do povo tribal, como o fim do trabalho forçado extraído dos povos tribais e de práticas usurárias.
Após a divisão da Índia em 1947, Tripura viu uma onda de refugiados imigrar do Paquistão Oriental (hoje Bangladesh). Perturbações políticas e tensões comunais no Paquistão Oriental fez essa imigração continuar nas décadas de 1950 e 1960, o que teve um forte impacto sobre os povos tribais e suas terras. Antes de a Frente de Esquerda chegar ao poder, a administração do estado era indiferente à condição dos refugiados. O movimento político liderado pelos Ganamukti Parishad e pelos comunistas nas décadas de 1950 e 1960 levantou uma série de demandas: a proteção das terras tribais, a reabilitação adequada de refugiados e o fim do despejo de meeiros tribais. As lutas comuns do campesinato, tanto tribais como não tribais, ajudaram a construir a unidade entre eles.
A Frente de Esquerda liderada pelo PCI(M) chegou ao poder em Tripura em 1978, com Nripen Chakraborty como ministro-chefe. O governo da Frente de Esquerda iniciou uma série de medidas. Entre elas estavam a implementação total da reforma agrária, que se concentrou em impedir a transferência ilegal e a restauração de terras tribais, a garantia dos direitos dos meeiros por meio de uma emenda à legislação de reforma agrária em 1979 e redistribuição de terras para os sem-terra e os camponeses pobres. A legislação do Conselho Distrital Autônomo – que visava à descentralização democrática e a autonomia regional aos povos tribais – foi aprovada em 1979. A língua tribal Kokborok foi incluída como uma das línguas oficiais do estado.
Tripura testemunhou uma onda de violência relacionada à insurgência secessionista no início dos anos 1980, que seguiu na década seguinte e foi até meados dos anos 2000. A insegurança física causada pela insurgência foi um grande desafio no estado até meados dos anos 2000. No entanto, no final dos anos 2000, uma abordagem multifacetada do governo da Frente de Esquerda levou a uma redução acentuada da violência relacionada à insurgência. Essa abordagem incluía campanhas políticas em massa, medidas de contrainsurgência e de desenvolvimento em áreas tribais.
O retorno da paz levou ao renascimento das iniciativas de desenvolvimento, e Tripura viu conquistas significativas em alfabetização, escolaridade, saúde, renda per capita e descentralização democrática. A proteção dos direitos dos povos tribais e a unidade de classe entre estes e os povos não tribais são os destaques mais significativos do movimento comunista e democrático de Tripura.
A Frente de Esquerda esteve no poder em Tripura de 1978 a 1988 e novamente de 1993 a 2018, quando perdeu as eleições estaduais. Por um lado, havia dificuldade em realizar as aspirações da classe média enquanto enfrentava boicotes de investimento e a pressão de políticas neoliberais impulsionadas pelo governo central. Por outro lado, enormes quantias de dinheiro foram injetadas em Tripura pelo Partido Bharatiya Janata (BJP), de extrema direita, a fim de espalhar desinformação por meio das mídias sociais e outros meios. Também houve ataques violentos contra os comunistas por forças de direita. Apesar da derrota eleitoral, os comunistas de Tripura continuam fortes e lutando contra a repressão desencadeada pelo BJP.
A era neoliberal
Em 1991, a Índia entrou formalmente na era neoliberal, embora o crescente poder dos grandes capitalistas indianos e a tendência do país para o caminho neoliberal fossem evidentes mesmo antes. Os comunistas lutaram com unhas e dentes contra os esforços do governo para privatizar as indústrias públicas, vender ativos públicos a preços baixos e diluir os direitos trabalhistas. O colapso da União Soviética aumentou a mudança da Índia para uma forma mais agressiva de capitalismo. A ascensão de forças políticas de extrema direita que buscam transformar a Índia em um estado hindu veio de mãos dadas com o neoliberalismo. Essas forças são lideradas pela organização fascista Rashtriya Swayamsevak Sangh (RSS), com várias organizações afiliadas, incluindo seu principal braço político-eleitoral, o BJP.
No âmbito nacional, os partidos comunistas e outros partidos de esquerda apoiaram dois governos de coalizão de curta duração dominados por partidos regionais durante o final da década de 1990. O pico da influência dos comunistas na política nacional na Índia pós-independência ocorreu durante 2004-2007. Foi então que o PCI(M), o PCI e dois outros partidos de esquerda, o Partido Socialista Revolucionário e o All India Forward Bloc [Bloco de Toda a Índia Avante], apoiaram um governo de coalizão de centro liderado pelo Congresso para tirar o BJP do poder. Esse período viu a promulgação de várias medidas para fornecer auxílio aos trabalhadores, incluindo um programa de garantia de emprego rural, a Lei de Direito à Informação (que melhorou a transparência na governança) e a Lei de Direitos Florestais (que buscava proteger os direitos de tribos e outros moradores da floresta à terra e outros recursos). Mas o impulso neoliberal não foi revertido e, no final das contas, os partidos de esquerda retiraram seu apoio ao governo em 2008 por causa da aproximação da Índia ao imperialismo estadunidense ao assinar um acordo nuclear com os Estados Unidos.
O ponto de inflexão mais crucial, porém, ocorreu em 2007 em Bengala Ocidental. A Frente de Esquerda obteve uma vitória esmagadora nas eleições para a assembleia estadual em 2006. Mas, com o neoliberalismo se infiltrando gradualmente na economia, os estados começaram a perder sua autonomia. Houve competição entre os estados, e aqueles que protegeram os direitos trabalhistas perderam investimentos. Enquanto os sucessivos governos centrais regularmente discriminavam Bengala Ocidental no que diz respeito aos investimentos públicos, o investimento privado e estrangeiro foi para estados que deram concessões fiscais substanciais e isentaram indústrias das leis trabalhistas. Bengala Ocidental foi quem mais sofreu nessa corrida até o final. O impulso de crescimento proporcionado pelas reformas agrárias havia diminuído e eram necessárias alternativas.
Enquanto os governos da Frente de Esquerda tentam atrair investimento privado, seus esforços em adquirir terra dos camponeses para industrialização se tornou controverso. Isso se transformou em uma bola de neve e culminou em uma crise, conforme a polêmica foi utilizada pela oposição para colocar setores do campesinato contra o governo da Frente de Esquerda. Isso resultou na derrota eleitoral dos comunistas em 2011 para a assembleia legislativa, depois da qual uma grande campanha de terror e violência foi feita pela direita, o que se seguiu nos anos subsequentes. Mais de 250 quadros e apoiadores dos partidos comunistas e outras agremiações de esquerda foram assassinados; milhares foram retirados de suas casas e vilas.
No entanto, as lutas lideradas pelos comunistas continuam em Bengala e no resto do país. Os comunistas dobraram seus esforços para organizar a força de trabalho urbana crescentemente desorganizada e flexibilizada. Têm tido êxito particularmente em organizar mulheres trabalhadoras em áreas-chave, como programas estatais e fábricas têxteis. Os esforços para organizar as trabalhadoras domésticas e os agricultores têm tido frutos. A falta de um local de trabalho permanente e as altas taxas de trabalhos domiciliares colocam desafios aos comunistas. Apesar disso, têm conseguido realizar mobilizações bem-sucedidas de trabalhadores nessas situações.
Crucial para essas lutas é a batalha contra o sistema e a discriminação de castas, cuja violência só aumentou nas últimas décadas. Os comunistas lutaram contra a opressão de casta desde o início de seu movimento, e seguem nessa contenda. Este é talvez um dos desafios mais difíceis para o movimento comunista na Índia. Várias novas plataformas lideradas pelos comunistas foram estabelecidas a partir do final da década de 1990 para levar adiante o trabalho de aniquilação do sistema de castas. Essas plataformas têm travado lutas para acabar com práticas sociais abomináveis, para conquistar direitos à terra para castas oprimidas e para garantir ação afirmativa na educação e empregos para comunidades marginalizadas. Nessas lutas, os comunistas indianos estão tentando construir a frente mais ampla possível contra a opressão e a violência de casta, bem como contra a violência contra as mulheres e pela emancipação de todos os grupos oprimidos.
Além da significativa participação e liderança das mulheres nas lutas de trabalhadores e camponeses, o movimento de mulheres da esquerda democrática desempenhou um papel significativo em várias batalhas para promulgar leis que garantam direitos para as mulheres, como o direito à propriedade e ao divórcio. Movimentos contra a violência de gênero forneceram o pano de fundo para importantes emendas à lei antiestupro. As lutas contra as atrocidades de casta e crimes de honra (em que os casais que optam por se casar ou ter relacionamentos que desafiam as normas da casta são mortos) foram notáveis nas últimas décadas, em particular as lutas em Haryana travadas pela Associação das Mulheres Democráticas de Toda a Índia, liderada pelas comunistas.
A ascensão das forças do Hindutva (hinduísmo político de direita) e as mobilizações comunais que lideram colocaram sérios desafios às lutas emancipatórias lideradas pelos comunistas e criaram cismas no movimento da classe trabalhadora. Enquanto o RSS, o BJP e outras formações fascistas canalizavam o crescente desencanto da classe trabalhadora hindu com as políticas neoliberais com violentas conflagrações comunais, os comunistas às vezes ficaram sozinhos em sua luta. Enquanto muitos partidos políticos se encolheram em vez de enfrentar os frequentemente violentos fascistas Hindutva, os comunistas, em uma ampla coalizão com outras forças seculares e progressistas, permaneceram na linha de frente defendendo as vidas e os direitos das minorias.
Na era neoliberal, à medida que o imperialismo dos EUA e a burguesia indiana cooptaram vários atores políticos em nome de políticas de identidade e em ONGs focadas em um único problema, os comunistas indianos continuam na vanguarda de todas as lutas justas. O aumento da repressão por parte do estado pode ter intimidado a dissidência e as vozes de muitos, mas não dos comunistas. O movimento reconhece que as lutas que temos pela frente são difíceis e devem ser enfrentadas com espírito e esperança.
O comunismo na Índia, que comemora 100 anos este ano, é um projeto não terminado. É fluido e móvel. Foi enfraquecido com a ascensão do neoliberalismo, mas reconhece suas limitações e suas oportunidades. Somente um olhar honesto para os problemas e para os potenciais, sem rancores e amarguras, poderá mostrar o caminho a seguir; tal caminho é essencial para o povo indiano. Qualquer outro caminho é a barbárie.
[1]: O comunalismo, no sul da Ásia, refere-se à ideia de que as comunidades religiosas são comunidades políticas com interesses seculares que se opõem mutuamente. Os partidos políticos que se filiam à visão do comunalismo são chamados de partidos comunais; termos como “violência comunal” e “motins comunais” são usados para se referir a confrontos entre pessoas pertencentes a diferentes comunidades religiosas no contexto de uma atmosfera carregada de comunalismo.