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FuturoPesquisa da Juventude em Periferias Urbanas

Estudo sobre juventude e participação nas periferias brasileiras

Pesquisa das Juventudes em Periferias Urbanas

Cartilha #1

O Instituto Tricontinental de Pesquisa Social, em parceria com o Levante Popular da Juventude (LPJ) e o Movimento das Trabalhadoras e Trabalhadores por Direitos (MTD), produziu esta cartilha como resultado inicial da pesquisa sobre a Participação da juventude em periferias urbanas do Brasil. A motivação para a pesquisa é o diagnóstico da dificuldade de algumas organizações políticas ganharem os corações e as mentes da juventude nesses espaços, e a crescente percepção da participação desses sujeitos em grupos, espaços e movimentos organizados por igrejas neopentecostais.

Essa pesquisa insere-se no terceiro eixo temático do Instituto, que busca desenvolver teorias de futuro que façam frente às teorias hegemônicas que nos prendem à miséria do presente e do possível. Envolve, portanto, pesquisa e sistematização de processos de emancipação e luta ideológica, protagonizados pelos trabalhadores, negros, juventude, mulheres, povos indígenas, moradores do campo e das periferias das cidades. Dessa forma buscamos entender como a juventude participa, escapa da barbárie, produz vida e faz política nos tempos atuais.

A cartilha está dividida em duas partes. A primeira parte tem como objetivo fazer um resgate sobre o que estamos falando quando tratamos de juventude. Não temos a intenção de encerrar o debate em torno dos vários entendimentos, mas, sim, contribuir na sistematização, estimulando ainda mais as discussões.

A segunda parte da cartilha faz uma breve apresentação sobre a pesquisa, que segue em andamento, e elenca os principais resultados desse primeiro momento, que chamamos de pesquisa exploratória. Assim como na primeira parte, não temos a pretensão de trazer resultados que encerrem a compreensão sobre a participação dos jovens nas periferias, pelo contrário, queremos com esses pontos aprofundar nosso conhecimento e apontar caminhos para a ação política da juventude visando a transformação da sociedade.

Esperamos que esse material possa contribuir no trabalho com a juventude nas periferias feito por diversos movimentos populares que almejam um mundo melhor.

Tenham uma boa leitura!

PARTE 1

I. Juventude: sobre o que estamos falando?

Desde o desenho inicial da pesquisa, uma dificuldade se impunha: como definir juventude? Que categoria é essa? Um primeiro passo para responder essa questão é fazer um balanço acerca da categoria juventude, entendendo que ela é construída historicamente e que tem variações conjunturais, e que o jovem se constitui como sujeito nesses mesmos processos histórico-sociais.

1. Juventude como etapa do desenvolvimento linear da pessoa

Em 1904 é publicado o primeiro tratado sobre a juventude, inspirado no darwinismo e nas teorias evolucionistas. O evolucionismo partia de noções universais de história e progresso, considerando que todas as sociedades humanas estariam fadadas ao mesmo futuro: o da consolidação da sociedade civilizada. No patamar da civilização já estariam, segundo essa maneira de classificar o mundo, as sociedades europeias. Os parâmetros de civilidade eram os parâmetros europeus tornados universais. Principalmente comunidades indígenas originárias na América Latina e na África eram vistas como atrasadas, primitivas, selvagens.

De maneira semelhante à lógica da evolução das sociedades humanas, esse primeiro tratado sobre a juventude entende o desenvolvimento da pessoa humana como linear e universal; a juventude, assim, seria uma etapa de transição e formação, que ocorreria entre os 14 e 26 anos.

2. Juventude como momento de delinquência e irresponsabilidade

Mais tarde, outros pesquisadores associariam à etapa da juventude no desenvolvimento da pessoa à instabilidade emocional, rebeldia, desinteresse, melancolia, agressividade e outras ideias que ainda rondam o imaginário popular sobre a juventude.

Desse modo, consolida-se uma representação dominante da juventude na qual ela se torna tanto uma ameaça à ordem moral e, portanto, um perigo para a sociedade (associada à ideia de desvio) como, ao mesmo tempo, um grupo que facilmente se coloca em risco (por sua condição de fragilidade e incompletude moral e emocional) e, portanto, um perigo para o próprio indivíduo jovem.

Nesse sentido, a juventude deve ser controlada. Derivam dessa noção as ideias de tutela e cuidado com a juventude. Podemos também derivar daí perspectivas que compreendem a juventude como grupo vulnerável.

3. Juventude heroica e contestatória

A juventude socializada na Segunda Guerra Mundial começa a questionar as heranças culturais, tanto no que diz respeito às relações de produção como na ordem dos costumes. Os nascidos nas décadas de 1940 e 1950 são os chamados baby-boomers: contestadores e libertários, a geração que pregava a paz, o amor livre, a vida em comunidade como contraponto à vida urbana dominada pelo capital e pelas guerras. Os objetores de consciência da guerra do Vietnã são uma expressão clara dessa juventude. Esses acontecimentos fortalecem uma perspectiva sobre a juventude como um ator político privilegiado, agente de transformações sociais.

Acontecem os levantes de 1968 na França, que criticam fortemente o Estado, as relações de produção, a burocracia, o poder exercido nas escolas, nas fábricas, nas instituições psiquiátricas. As barricadas, as manifestações em massa, a reivindicação de que “outro mundo é possível” e que é preciso “ser realista e demandar o impossível” são marcas do maio de 1968 francês.

Se os levantes começam com a juventude universitária e secundarista, na sequência o que se vê é a maior greve geral da história da França, com presença significativa da juventude operária (cf. Badiou, 2012). No que diz respeito aos costumes, os levantes de maio de 1968 também criticam os modos hegemônicos de estabelecer laços e vínculos amorosos e estimulam a defesa da liberdade individual. Essas pautas conduzirão a um fortalecimento do movimento feminista e, mais tarde, ecoarão nos movimentos queer e por direitos de pessoas LGBT.

4. Juventude revolucionária e processos de libertação nacional

Os levantes de 1968 aconteceram globalmente e, no hoje chamado Sul Global, estenderam-se pelos anos 1970, vinculados às lutas por libertação nacional e de independência. A participação da juventude foi emblemática nas lutas em países como México e África do Sul. Na África do Sul, a juventude protagonizou a luta mais radical contra o regime do apartheid. Steve Biko, uma das principais lideranças anti-apartheid, foi um dos fundadores da Organização dos Estudantes Sul-Africanos e do Movimento da Consciência Negra, que ganhou força com o slogan “black is beautiful” (negro é maravilhoso). Esses processos foram brutalmente reprimidos: no Massacre de Soweto, em 1976, 23 jovens estudantes foram assassinados por protestarem contra a política do apartheid e a adoção do africâner – o idioma do colonizador – nas escolas básicas nas regiões negras.

Na Cidade do México, a juventude de esquerda opositora ao regime militar foi brutalmente reprimida após uma onda crescente de protestos contra a ocupação militar da Universidade Nacional Autónoma do México (UNAM). O massacre de Tlatelolco, como ficou conhecido, culminou em centenas de mortos na abertura dos Jogos Olímpicos de 1968. No Congo, Senegal e em Cuba a juventude também teve um papel fundamental em processos revolucionários e de libertação nacional ao longo dos anos 1970 e 1980.

5. Juventude, mercado consumidor e trabalho precário

No mundo capitalista, ao longo dos anos 1970 e 1980, o aumento do mercado e do consumo no pós-guerra propiciou o crescimento da indústria de lazer voltada para a juventude. Nesse momento, a juventude pode ser compreendida como uma construção cultural do capitalismo avançado e sua forma de expressão cultural: meios de comunicação, arte e cultura de massa. Após os anos 1980, a juventude, que começou como categoria biológica e de transição, eterniza-se: torna-se a etapa mais duradoura da vida e perde seu sentido de etapa transitória para tornar-se permanente. Essa eternização ocorre exatamente na era digital, a era da informação e a era da precariedade do trabalho, sob um contexto mundial em que o ciclo vital industrial está em profunda crise. Além disso, o que outrora fora pensado como um percurso linear de formação na juventude para atuação profissional na vida adulta, culminando no descanso do idoso, torna-se um percurso em caracol.

Pesquisas já dos anos 1990 relacionará as condições da juventude às desigualdades de classe, gênero e raça. Vai ficando claro como a categoria juventude não se define exclusivamente pelo critério etário, mas também com critérios sociais. A juventude popular, trabalhadora, de periferia, muitas vezes tem sua juventude atropelada pela “vida de adulto”, entrando antes no mercado de trabalho e formando famílias muitas vezes mais jovens. Já os de camadas privilegiadas podem postergar o ingresso na vida adulta, estendendo seu período de juventude.

6. Juventude reacionária e o autoritarismo

Nos anos 1920, o mundo viveu a ascensão do fascismo e do nazismo. As juventudes hitlerianas, a Falange (juventude espanhola que apoiava a ditadura de Franco) e os Ballila italianos (apoiadores de Mussolini) foram forças internas muito importante para o funcionamento desses governos ditatoriais. Atualmente, vivemos o fenômeno do bolsonarismo, que tem a juventude como polo fundamental de apoio e difusão de fake news e de euforia com o discurso de ódio que marca essa corrente ideológica. O Instituto Tricontinental de Pesquisa Social tem se dedicado a entender a atual crise do capitalismo. O fenômeno do bolsonarismo, numa conjuntura de crise e de desespero, aparece como uma saída autoritária.

7. Juventude como categoria política

O ano de 1985 é decretado o “Ano da Juventude” pela ONU. Vemos então que o uso político da categoria emerge no contexto da crise da dívida externa nos países da América Latina. A juventude como categoria política, assim, vai sendo disputada. Em nossa pesquisa no Instituto Tricontinental de Pesquisa Social, nos deparamos com um “jovem” MC de mais de 40 anos, que, após uma jornada de vida que envolveu encarceramento e experiências de adicção, contou-nos que agora se sente jovem por poder se expressar artisticamente, organizar-se politicamente e ousar sonhar e viver de seu sonho.

A partir dos anos 2000, a juventude, ao lado dos trabalhadores e dos imigrantes, torna-se uma importante protagonista de protestos contra o imperialismo e os grandes blocos econômicos europeus, no que ficou conhecido como movimento antiglobalização na Europa e nos Estados Unidos. No Brasil, são marcantes as ocupações de escolas secundaristas por estudantes contrários às políticas governamentais de reorganizações de suas escolas, e os grandes protestos de rua organizados pelo Movimento Passe Livre contra o aumento nas tarifas de transporte público.

8. Culturas juvenis

Além de classe, gênero e raça, outros operadores sociais de diferença e de desigualdade têm emergido para expressar a pluralidade da juventude brasileira. Nos centros urbanos, destacamos a atuação dos MCs, os saraus e slams. Temos visto o surgimento do rap indígena. Destacamos também as experiências fundamentais dos cursinhos populares pré-vestibular, que funcionam como local de encontro privilegiado da juventude, estimulados por políticas de democratização do acesso ao ensino superior.

PARTE 2

II. A pesquisa “Participação da juventude em periferias urbanas no Brasil”

A seguir, apresentaremos de forma sintética os resultados da primeira parte da pesquisa exploratória Participação da juventude em periferias urbanas no Brasil, desenvolvida pelo escritório Brasil do Instituto Tricontinental de Pesquisa Social.

O objetivo principal da pesquisa é mapear e analisar as metodologias de trabalho de grupos de jovens que permitam subsidiar o debate sobre juventude e periferias urbanas, e que sirva para trabalho de base nas periferias. Entendemos que há uma conjugação entre diversos tipos de participação, e a pesquisa visa qualificá-los: entender como são construídos; quais as dificuldades para a organização da juventude; e indicar metodologia de organização a partir das experiências de participação encontradas nas periferias.

Partimos do pressuposto de que as juventudes se organizam em vários espaços, com níveis maiores ou menores de participação enquanto coletivo e política. As periferias tem se organizado, mas não tem priorizado formas organizativas clássicas da esquerda. Portanto, como tem se dado essa organização? Quais têm sido os métodos das organizações para manter a participação e o engajamento dos jovens? Neste texto, apresentamos pistas para trilharmos esse caminho de compreender a juventude e os métodos para organizá-la.

Dessa forma, a questão não é a participação ou não da juventude, mas o que leva-os à participarem e se engajarem em coletivos e grupos religiosos e culturais em detrimento de coletivos políticos tradicionais. O aprendizado que podemos reter a partir da observação da participação nesses coletivos religiosos e culturais diz respeito à metodologia para atrair e manter o engajamento da juventude nos coletivos políticos, o que poderá nos inspirar para desenvolver a metodologia de atuação envolvendo instituição de pesquisa e movimento popular.

A pesquisa foi dividida em dois momentos. O primeiro, chamado de pesquisa exploratória, teve o objetivo de construir e testar ferramentas de investigação nessa relação entre um instituto de pesquisa vinculado aos movimentos populares e o trabalho de base. Os resultados aqui apresentados nascem dessa primeira experiência, que envolveu entrevistas exploratórias, atividades de grupos focais e mapeamento colaborativo e observação participando de grupos de jovens. Em um segundo momento, executaremos a pesquisa completa proposta, que também deverá incluir entrevistas em profundidade.

A primeira fase da pesquisa durou seis meses, e ocorreu em três periferias de grandes cidades: Vila Cruzeiro, em Porto Alegre (RS); Heliópolis, em São Paulo (SP); e Serrinha, em Fortaleza (CE). Desenvolvemos observação de coletivos de jovens nos três estados, além do mapeamento colaborativo e grupos focais com jovens que participavam de coletivos em Porto Alegre (jovens de escolas profissionalizantes) e em São Paulo (jovens de coletivo de MCs e participantes de associação de moradores). Apresentamos a seguir a metodologia da pesquisa e os primeiros resultados.

1. Metodologia

Nossa metodologia de pesquisa enfatiza aspectos qualitativos, embora também trabalhe com a dimensão quantitativa. Fizemos uso das seguintes técnicas de pesquisa: entrevistas exploratórias, oficinas de mapeamento colaborativo, observação participante, grupos focais e entrevistas em profundidade. A seguir, apresentamos um pouco sobre cada uma dessas técnicas de pesquisa. Encerramos com algumas considerações sobre ética na pesquisa.

1.1. Entrevistas exploratórias

Em nossa pesquisa, buscamos fazer dois tipos de entrevistas: as entrevistas exploratórias e as entrevistas em profundidade. As entrevistas exploratórias são feitas no início da pesquisa; as em profundidade, em um segundo momento.

As entrevistas exploratórias ajudarão os pesquisadores a se situar no campo de pesquisa. Seu objetivo é mapear e conhecer um pouco os jovens que participam dos grupos e espaços que estamos pesquisando, bem como obter contatos de pessoas que estejam dispostas a participar do grupo focal e de possíveis entrevistas em profundidade – as etapas subsequentes da pesquisa. Assim, as entrevistas exploratórias são um primeiro contato. Com elas, buscaremos saber informações básicas sobre quem é esse jovem, como ele está participando, de qual grupo participa, qual sua trajetória na participação e o que o motiva ou não a participar. Isso possibilita que tenhamos alguns elementos para formulação das questões orientadoras do grupo focal e das entrevistas em profundidade.

Com quem fazer as entrevistas exploratórias? Com qualquer pessoa que se demonstre aberta para tanto. É importante ter alguns cuidados: apresentar-se como pesquisador, apresentar os objetivos da pesquisa e aceitar caso o entrevistado não queira participar das etapas seguintes da pesquisa.

1.2. Oficinas de mapeamento colaborativo

São realizadas, a princípio, uma oficina de mapeamento colaborativo em cada território de pesquisa. As oficinas serão inspiradas nas práticas de cartografia social, e têm como objetivo aproximar a pesquisa e os pesquisadores do território e fornecer subsídios para compreender as principais questões e envolvimento das pessoas com o território. Por meio delas, desejamos estabelecer uma relação com o território e vínculos com as pessoas, bem como territorializar a pesquisa. Nossa pesquisa não olha para qualquer juventude, mas as das periferias, por isso as oficinas de mapeamento são o momento privilegiado para territorializar a pesquisa e atentar a essa dimensão territorial. Além disso, o produto final da oficina será o resultado do mapeamento colaborativo do território: um material que deverá servir para a juventude daquele local.

Como funciona uma oficina de mapeamento colaborativo? Trata-se do primeiro momento coletivo da pesquisa. A partir dos contatos feitos nas entrevistas exploratórias, convidaremos cerca de 20 pessoas para a oficina, onde teremos um mapa da região impresso em A3, a partir de uma imagem de satélite. Num primeiro momento, as pessoas se debruçarão sobre esse mapa para marcarem locais que reconhecem: suas casas, pontos de referência (uma escola, um posto de saúde, uma rua importante, um mercado etc).

Num segundo momento, após o reconhecimento do mapa, elas serão orientadas a marcar pontos que julgam importantes de estar num mapeamento do território. Podem marcar, por exemplo, a rua onde acontecem as principais festas à noite, a quadra onde se realiza um campeonato de futebol, a casa de uma liderança importante. Podem também marcar locais que sediaram eventos que consideram marcantes para o território: uma praça porque foi lá que aconteceu uma manifestação em defesa da comunidade; ou um semáforo que foi inaugurado depois de reivindicação dos moradores. Pontos que muitas vezes não apareceriam num mapa dos equipamentos públicos, de escolas, de estabelecimentos comerciais ou mesmo num mapa político oficial. A ideia é registrar aquilo que os participantes julgam fundamental ter num mapa que simbolize o retrato do território onde vivem.

No terceiro momento da oficina, os participantes serão convidados a discutir e marcar no mapa coisas que eles gostariam que tivesse naquele território. É o momento de registrar as reivindicações: um posto de saúde, uma melhoria numa quadra, um cinema, uma horta comunitária.

Após a oficina, os mapas serão recolhidos e levados pela coordenação para o Instituto Tricontinental. Lá, produziremos uma cartilha final, com os mapas produzidos e uma breve história do território a partir do que foi registrado na oficina.

1.3. Observação participante

A observação participante é uma técnica de pesquisa qualitativa que implica em, como o próprio nome diz, participar e observar o que se deseja pesquisar. Em nossa pesquisa, a observação participante se dará nos espaços de sociabilidade da juventude nos territórios de pesquisa. Cada um dos militantes-pesquisadores deverá ser responsável por acompanhar as reuniões de pelo menos dois grupos ou coletivos que atuem no espaço e que tenham participação da juventude: grupos de jovens de igrejas, coletivos de culturas, associações de bairro. Também deverão acompanhar eventos dos quais a juventude participa, sejam eles festas comunitárias, partidas de futebol, atividades culturais.

A observação desses espaços deve ser continuamente registrada no caderno de campo de cada pesquisador, sob a forma de um relato. Semanalmente, os relatos devem ser enviados para a coordenação e avaliados mensalmente.

A definição de qual espaço deverá ser acompanhado por cada pesquisador acontecerá após as primeiras semanas de pesquisa e participação exploratória em espaços variados. Essa decisão deverá ser realizada em conjunto com a coordenação da pesquisa.

1.4. Grupos focais

O segundo momento coletivo de pesquisa, após as oficinas de mapeamento colaborativo, são os grupos focais. O grupo focal é um grupo de discussão informal e de tamanho reduzido, com o propósito de obter informações de caráter qualitativo em profundidade. Ou seja, o grupo focal é uma técnica que visa uma maior interação ente os pesquisadores e os jovens que convidaremos para participar.

Organizado em pequenos grupos (aproximadamente 10 pessoas), coloca-se a discussão (que durará cerca de 2 horas), a partir de tópicos ou questões norteadoras, dentro do tema da participação. Essa técnica possibilita respostas mais completas e relacionadas, diferente de um levantamento feito por questionário. Ela também possibilita a obtenção de respostas relacionais, ou seja, opiniões que derivam de respostas e posições dos outros jovens no grupo.

Como funciona o grupo focal? Iremos selecionar jovens de cada grupo ou coletivo que estaremos acompanhando nas observações participantes e, se for o caso, jovens que não estão organizados. Formaremos um grupo plural, com jovens que participam de distintos espaços para uma roda de conversa. Nosso papel é apenas mediar os diálogos. Não devemos intervir ou tensionar para nossas posições. A proposta de nossa atuação é escutar de maneira qualificada e colocar a conversa dentro dos trilhos que queremos (como a trajetória dos jovens, como eles participam, o que os motiva) ao notarmos que ela está se desviando muito dos nossos objetivos.

Uma desvantagem do grupo focal é que ele pode não responder com profundidade alguns temas que queremos desenvolver, ou não apontar para opiniões verdadeiras (visto que os jovens podem querer dar outra impressão na frente dos colegas). Por isso, na hora de formar o grupo e de pensar nas questões norteadoras, devemos pensar nestes pontos. Para buscar maior profundidade em temas que aparecerão, desenvolveremos, após os grupos focais, entrevistas em profundidade com jovens selecionados a partir de sua atuação nos grupos focais.

1.5. Entrevistas em profundidade

As entrevistas em profundidade acontecerão num momento mais avançado da pesquisa. Elas consistem em entrevistar os jovens de forma individual, numa entrevista mais longa e detalhada do que a entrevista exploratória. O objetivo da entrevista em profundidade é aprofundar temas que apareceram nas entrevistas exploratórias e nos grupos focais e oficinas. O roteiro das entrevistas em profundidade é mais longo do que o das entrevistas exploratórias. Ele é também um roteiro semi-estruturado, isto é, busca trabalhar as questões que interessam à pesquisa com mais profundidade e, ao mesmo tempo, dá espaço para quem está sendo entrevistado trazer temas e desdobramentos que não estavam previstos no roteiro.

Com quem fazer as entrevistas em profundidade? Com as pessoas que se destacarem nos grupos focais e que podem ter níveis distintos de participação; com lideranças de grupos ou lideranças de coletivos de jovens. Devemos ter cuidado na escolha dos jovens a serem entrevistados: ele deve apresentar elementos representativos dos temas pesquisados. Também temos de atentar para o local da entrevista, que deve ser calmo e garantir privacidade ao entrevistado, e ao roteiro, que deve expressar com clareza os objetivos que buscamos.

1.6. Ética na pesquisa

É fundamental que tenhamos uma postura ética na pesquisa. Nesse caso, a ética, além do respeito ao entrevistado, se expressa em alguns elementos fundamentais:

– No diálogo, é preciso deixar claro para o entrevistado de que todas as informações que ele nos fornecer e que forem utilizadas na pesquisa serão anônimas nos resultados publicados;

– Nos grupos focais e nas oficinas de mapeamento, é fundamental que todos os participantes assinem um termo de autorização de uso de imagem (pois faremos registros fotográficos);

– Nos grupos focais, nas oficinas de mapeamento e nas entrevistas em profundidade, é fundamental que todos os participantes assinem um termo de consentimento livre e esclarecido de participação. Esse é um termo em que a pessoa afirma estar ciente de que está participando da pesquisa e de que os resultados serão publicados de forma anônima. Esse documento será elaborado pela coordenação da pesquisa.

2. Indicadores da primeira etapa da pesquisa

2.1. A influência da ideologia neoliberal

1. A concepção individualista, muito marcante da ideologia neoliberal, está no cotidiano dos jovens. O discurso do “indivíduo empresa” predominou no imaginário juvenil. Foi comum encontrarmos o discurso empreendedor na fala dos jovens.

2. Os problemas enfrentados no cotidiano dos jovens moradores das periferias são encarados de forma individual. Sob influência do pensamento neoliberal, o empreendedorismo aparece como forma de resposta individual aos problemas concretos.

3. O esvaziamento do Estado, como resultado das políticas neoliberais, faz as políticas públicas e equipamentos públicos serem coisas distantes no cotidiano dos jovens, no que se refere à proposição de soluções às suas questões.

2.2. O mundo do trabalho e a educação

4. A educação como caminho para mudança de vida individual não se colocou de forma tão destacada. Para além das características dos grupos estudados, foi marcante o empreendedorismo se mostrando presente junto à ideia de buscar por uma carreira profissional por meio da educação.

5. O trabalho e a renda ainda são um divisor de águas na vida dos jovens. A própria ideia do que é ser jovem passa pelo eixo família, se tem filhos ou dependentes, e pelo trabalho, se já está buscando emprego.

6. Quando se fala em trabalho, o desejo por uma carteira assinada ainda está presente. Porém, isso aparentemente não se contradiz com o discurso empreendedor dos jovens, na medida em que seria uma responsabilidade do indivíduo, dos “ seus corres”, a resposta para o tipo de emprego que ele venha a ter.

7. A carreira militar se destaca como uma das mais pretendidas pelos jovens, contrastando com o fato de boa parte deles já terem sofrido algum tipo de abuso policial.

2.3. A violência, os sonhos no cotidiano e a cultura como alternativa

8. A pesquisa comprovou o que as estatísticas já demostravam quanto à presença marcante da violência na vida dos jovens. Muitos jovens já sofreram violência policial, possuem parentes ou amigos que estão ou foram presos, assim como parentes ou amigos que estão ou foram envolvidos com o crime, que ainda se apresenta como alternativa para vida.

9. Existe uma grande dificuldade de projetar os sonhos coletivos dos jovens. Em grande medida, quando deparados com demandas coletivas elas se prendem ao imediatismo ou a planos que são projetados aspectos individuais.

10. A cultura se apresenta como um elemento mobilizador das juventudes. Seja para criar ou usufruir dela. Ou seja, desde os que querem construir bandas, MCs, dança, teatro, aos que querem ir ao baile funk, ver uma batalha ou em um show, os jovens se mobilizam em torno das manifestações culturais. Isso se apresentou, em grande medida, por esse espaço canalizar o sentimento de pertença a um grupo, espaço de criação, de socialização.

2.4. A coletividade como suporte à juventude

11. De forma geral, as organizações analisadas presentes nas periferias constroem espaços de sociabilidade, que propõem contribuir no desenvolvimento do aspecto individual dos jovens. Elas não rompem com a lógica individualista, mas sim, criam o senso coletivo a partir do pressuposto da otimização do indivíduo. Em outras palavras: os coletivos se propõem a ser um suporte do desenvolvimento individual dos jovens, na sua busca de melhora pessoal para enfrentar o mundo.

12. Muitos veem os coletivos como formas de conseguirem uma melhoria direta de vida. Por meio de indicação de emprego, composição de renda, espaço de formação.

13. As organizações escolhem um setor entre os jovens que querem organizar. Elas definem, de forma consciente (ou não), um perfil de jovem que busca organizar na periferia. Exemplos mais claros são as organizações que mobilizam jovens com menor vulnerabilidade (como as que estudamos), que tem algum parente trabalhando, com organização familiar minimamente estruturada. Estes, por apresentarem mais estrutura, conseguem postergar demandas como trabalho e responsabilidade familiar.

Estes são os primeiros passos encontrados por essa pesquisa, que busca contribuir nessa difícil tarefa de organizar os moradores das grandes periferias brasileiras. Ela se soma a várias iniciativas recentes de repensar a atuação dos movimentos populares na organização do povo.

Muitas trilhas apontadas em nossos resultados devem ser encaradas de forma provocativa, que confirmarão teses já existentes e/ou provocar novas reflexões sobre esses sujeitos que compõem a juventude e que nos colocam tantos desafios. Um deles é olhar para o jovem e entendê-lo como expressão histórica do presente com vias à construção do futuro. Olhar para a juventude é nos convocar a manter os pés firmes no caminho e a mente aberta para o futuro.

Equipe Tricontinental