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FuturoPesquisa sobre os Evangélicos e a Política

Principais notícias do mundo evangélico – Janeiro/2021

Infelizmente, o fundamentalismo religioso não ficou preso ao fatídico ano de 2020. Crédito: Claudia Calderón/OjoPúblico

 

 

 

N° 1/2021

 

As notícias deste janeiro de 2021 trazem também as notícias do final do ano passado, já que parece que 2020 não acabou!

Começamos com um breve relato do que tem acontecido para além do nosso país, uma vez que essas reportagens ecoam direta ou indiretamente por aqui:

Internacional

A direita cristã estadunidense, decepcionada com as eleições presidenciais nos EUA, constrói narrativas de consolo para seus fiéis: ‘Biden será presidente dos EUA, mas é Deus quem continua no controle de tudo’, diz pastor. Mesmo assim, há uma previsão de possíveis atritos com o governo eleito, principalmente no que diz respeito a temas como gênero e direitos LGBTQI+.

Alguns grupos cristãos fundamentalistas foram além das críticas e seguem contestando o resultado das eleições. A invasão ao Capitólio no dia 6 de janeiro deste ano contou não só com extremistas da direita, mas também com grupos de brancos evangélicos. O discurso fomentado tem base no pânico moral, ao construírem narrativas de que são oprimidos, perseguidos e apontam o governo Biden como o fim dos valores cristãos.

Mas voltemos ao Brasil.

 

Fundamentalismo

O final do ano passado nos “presenteou” com uma retomada da ascensão dos casos de Covid-19 e, consequentemente, de mortes. Na televisão e nas ruas, pudemos perceber as aglomerações nas igrejas e a falta de um controle rígido das regras sanitárias de segurança nesses espaços. Mesmo com o retorno do pico de contágio, cristãos, católicos e evangélicos querem igrejas abertas e dividem-se entre o poder divino da proteção e a necessidade de proteção coletiva. O debate entre abrir ou não as igrejas nunca cessou durante a pandemia, alimentado pelo fundamentalismo religioso e o negacionismo de Bolsonaro. Muitas igrejas seguem se reivindicando como atendimento essencial, mesmo expondo seus fiéis a maior risco de contágio.

Ainda no ano passado, o pastor e teólogo Ed René Kivitz trouxe a importância de compreender a Bíblia em seus dois momentos: antigo e novo testamento. A análise dessas duas leituras – e da interpretação sobre Deus nesses dois momentos – dialoga intimamente com a realidade que vivemos. Portanto, não diz respeito só aos Teólogos e aos cientistas da religião, mas a todos que querem compreender as disputas entre conservadores e progressistas na Igreja evangélica, além das narrativas passíveis de fissuras e novos diálogos, como costumamos apontar. É possível avançar para uma leitura progressista da Bíblia? Como?

Infelizmente, o fundamentalismo religioso não ficou preso ao fatídico ano de 2020. No caos em que vivemos, o pastor Josué Valandro, também conhecido como pastor da primeira dama Michelle Bolsonaro, fez uma postagem em seu Instagram questionando a eficácia da vacina com informações tendenciosas, que promovem a desinformação. “Vende-se paraquedas com 50,3% de eficácia”, disse. Já foi esclarecido em diversos meios de comunicação o significado do percentual de eficácia das vacinas no combate à doença: elas não são para garantir que seguramente as pessoas não vão contrair o vírus, mas, principalmente, que não desenvolvam suas formas graves da doença. A ironia do pastor com a (des)informação foi questionada pelos seus seguidores, felizmente.

Ainda sobre a vacina, Ronilso Pacheco, pelo portal Uol, trouxe a reflexão sobre o movimento anti-vacina no Brasil. Para ele, mesmo não sendo um grupo forte, ele tem ganhado espaço com o negacionismo do Presidente, principalmente nas igrejas. A desconfiança na eficácia da vacina pode ter raízes em um caminho assustador levado por boa parte dos pastores midiáticos que seguem apoiando Bolsonaro: primeiro com a ação de cristãos para jejuarem contra o vírus em um momento que a fome passou a ser uma real ameaça para o povo, maior inclusive que o vírus; depois não houve nenhuma manifestação pública desses pastores sobre as primeiras 100 mil mortes causadas pelo vírus em nosso país, enquanto seguiam pressionando para a abertura das Igrejas; em paralelo, as curas milagrosas estão muito mais divulgadas do que a vacina, gerando desconfiança no povo que segue frequentando as igrejas presencial ou virtualmente. Nós apostamos que a bandeira da vacina é uma luta importante na disputa de narrativas contra o fundamentalismo religioso e temos o papel de criar formas de diálogo com as igrejas a partir da defesa da vacina pública, universal e gratuita.

Mesmo a Record, emissora da Igreja Universal do Reino de Deus e defensora de Bolsonaro, tem criticado a postura do presidente no que diz respeito à vacina. O Jornal da Record questionou a falta de entusiasmo do presidente frente à aprovação da Anvisa e lembrou que suas ações atrapalharam a negociação para a compra dos insumos em outubro do ano passado. 

A pesquisadora Christina Vital deu uma entrevista muito interessante sobre a relação das igrejas com os traficantes nos territórios periféricos, e como esses traficantes ampliam ainda mais seus poderes por estarem inseridos nas igrejas evangélicas locais. “A religião, seus códigos, imagens e repertórios constituem hoje um símbolo de dominação de alguns grupos armados nos territórios. Ou seja, não se trata de pensarmos esta relação, esta aproximação entre criminosos e redes e códigos evangélicos a partir da ótica da conversão, de uma transformação da vida do indivíduo, mas de uma composição específica que envolve expectativas de transformação, apelos morais, conexão com narrativas locais e uso de uma religião como ícone de dominação”, comentou Vital.

As notícias e reflexões sobre o mundo evangélico tem trazido elementos fundamentais para nossas análises. A reportagem Os efeitos da política de “Deus acima de todos” traz as consequências da narrativa fundamentalista orquestrada por Bolsonaro, ao corroborar com a visão do outro como inimigo, sendo o outro, o não-cristão. O resultado desastroso para a democracia vai desde o aprofundamento da violência velada no cotidiano até a explícita e física, como o caso dos traficantes evangélicos que continuam destruindo terreiros nas periferias. O Cristofascismo segue se fortalecendo, apoiado na narrativa falaciosa da cristofobia e colocando os agressores como vítimas. 

 

Bolsonaro

Ainda no final do ano passado, Bolsonaro manteve suas narrativas e ações em diálogo com seu público mais fiel, os evangélicos. Mantendo sua identidade como o pior exemplo mundial contra a pandemia, o presidente participou da Convenção Estadual das Assembleias de Deus da Bahia (CEADEB), em Salvador (BA). Aglomerado e, como de costume, sem máscara, colocando em risco sua própria base, não falou com a imprensa.

Nesse mesmo evento, falou o que o público presente queria ouvir: “Batem muito na tecla de sermos um Estado laico, mas com muito orgulho, eu digo que seu presidente é cristão. Acima da nossa Constituição está a nossa fé, está aquele livro conhecido como Bíblia Sagrada. Nós temos a nossa cultura judaico-cristã, nós preservamos a família, queremos o bem do próximo, queremos um país grande, queremos aproveitar todo esse potencial que Deus nos deu para o bem de nossa nação”.

Já neste ano, Bolsonaro continuou a manifestar sua preferência religiosa em clima de campanha. Mesmo em um Estado laico, ele afirmou durante o evento de comemoração dos 160 anos da Caixa Econômica Federal que “é bom estar à frente de uma nação que é mais de 90% é cristã”.

Nem só de flores convive Bolsonaro com grupos cristãos. Como temos defendido aqui, a face conservadora e fundamentalista dos evangélicos é apenas uma das inúmeras fases dos crentes de nosso país. No início desse ano, líderes evangélicos e católicos protocolaram um pedido de impeachment contra Bolsonaro. Representando pastores, padres e Bispos, a pastora Romi Bencke, secretária-geral do Conselho Nacional de Igrejas Cristãs, e Daniel Seidel, secretário-geral da Comissão Brasileira de Justiça e Paz da Confederação Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), estiveram na Câmara para oficializar o pedido.

A ação não ocorreu sem ruídos, obviamente. Menos de 24 horas após o pedido ser protocolado, houve manifestação dos setores mais conservadores das igrejas sensíveis ao Bolsonaro, mas não às mais de 200 mil mortes, muitas delas, vítimas do negacionismo do presidente. O pastor Zé Barbosa Jr, inconformado com as manifestações contra o pedido de impeachment, disse que “o mais curioso, no entanto, é que imediatamente após o ato, no dia seguinte, a cúpula de duas das principais denominações evangélicas do país tratou de se manifestar, tirando o corpo fora, e dizendo não têm nada a ver com o documento. Sim, a reação foi mais que imediata, em notas dos presidentes da Igreja Presbiteriana do Brasil (IPB) e da Convenção Batista Brasileira (CBB). Curioso, sim, porque não me lembro de nenhuma nota das referidas instituições, por exemplo, sobre a eficácia da vacinação, isto sim, pertinente ao princípio evangélico “para que todos tenham vida”. Isso pra não falar de outras omissões…”

Ainda que haja um grupo forte do ponto de vista numérico e político que apoia o governo, há outras perspectivas que seguem crescendo e ampliando sua visibilidade. A ação desses cristãos parece fundamental para a desconstrução dessa visão estanque que muitos têm sobre os evangélicos. Nesse sentido, a Pastora Romi Bencke afirma que “a gente sabe que Bolsonaro tem uma boa base de apoio entre as bases conservadoras das igrejas. Então, a gente avaliou que seria muito importante fazer esse contraponto e dizer ‘tem um conjunto de cristãos que não apoiam e condenam esse tipo de iniciativa do governo Bolsonaro’”. (…) “Se vacinar não é uma decisão única e exclusivamente individual, mas sim uma responsabilidade coletiva, de amor ao próximo, porque, se eu tenho como princípio de fé, o cuidado, o respeito à vida, o amor ao próximo, eu preciso concretizar isso de forma prática. Não posso transformar o amor em retórica, e um gesto de amor hoje é o gesto da vacinação”.

Não contente com o avanço do conservadorismo, a base bolsonarista articula a criação de uma bancada conservadora mirando a reeleição. Parlamentares bolsonaristas avaliam que pautas morais devem ser colocadas em prática a partir de uma “agenda de costumes” que dê respostas aos eleitores mais conservadores. Para isso, Bolsonaro precisa indicar alguém terrivelmente evangélico para o cargo de presidente do STF.

Ainda sobre as pautas morais, os parlamentares evangélicos conservadores não avaliam com bons olhos o viés pró-cassino do Ministro Interino do Turismo, Gilson Machado.

O mais novo presidente da Câmara, Arthur Lira, contou com forte apoio da bancada evangélica, dado que o deputado tem um compromisso com a pauta tributária das entidades religiosas.

 

Ministros evangélicos

No final do ano passado, o “ponderado” presbiteriano Ministro da Justiça, André Mendonça, relevou as declarações homofóbicas da cantora gospel Ana Paula Valadão, publicando em seu Twitter a seguinte mensagem: “Contudo, isso não significa que o cristão deva concordar ou não possa questionar o homossexualismo com base em suas convicções religiosas. O próprio STF assim reconheceu. Os direitos às liberdades de expressão e religiosa são inalienáveis!!!”. O Ministro esqueceu de dizer que homofobia é crime em nosso país e o Estado é laico; sendo assim, manifestações com conteúdos homofóbicos, independente das convicções religiosas, devem ser punidas de acordo com a lei.

André Mendonça também tem ameaçado jornalistas. O ministro publicou em sua conta no Twitter que iria abrir um inquérito policial contra o jornalista Ruy Castro, alegando que este estaria incitando o suicídio do atual presidente. O autor da matéria reflete, a partir do ponto de vista jurídico, se esse tipo de ação do ministro não poderia ser considerado crime de responsabilidade. “Segundo visão dominante no direito penal, a instigação ao suicídio pressupõe que o autor tenha a vontade deliberada de criar na vítima a ideia de suicidar-se – o que logicamente não existe em uma coluna irônica. (…) Promover a instauração de um inquérito assim descabido contra uma coluna jornalística crítica a uma autoridade pública atenta contra o exercício de direitos fundamentais, como a liberdade de expressão e de imprensa. Faz uso da estrutura do ministério da Justiça para atingir fins contrários à Constituição, na medida em que mobiliza o aparato estatal para perseguição de jornalista que manifesta sua oposição ao presidente da República”.

O ministro tem aparecido bastante nos últimos tempos. Com seu perfil aparentemente moderado, o presbiteriano tem atuado para conseguir sua tão sonhada vaga no STF. André Mendonça não é o único evangélico a pleitear a vaga, que será deixada após a aposentadoria de Marco Aurélio Mello. Outros dois evangélicos disputam o lugar nos bastidores. André Mendonça tem se mostrado fiel ao Bolsonaro abrindo inquéritos contra críticos ao presidente, como vimos acima, e atacando adversários do presidente, além de não ter rejeição por parte do STF. Veremos…

O Ministro da educação, Milton Ribeiro, apareceu em um vídeo afirmando que seu trabalho é mais espiritual do que político. A fala se deu por conta de declarações homofóbicas do Ministro, em uma entrevista ao jornal O Estado de São Paulo, onde ele afirma que a homossexualidade é “fruto de famílias desajustadas”. A fala rendeu uma possível abertura de inquérito. A Procuradoria-Geral da República, que pediu a abertura para o Supremo, chegou a oferecer um acordo recusado pelo ministro, em que ele teria que admitir que cometeu um crime ao defender a tal afirmação.

Sobre o fato, como pastor presbiteriano, ele declarou em sua igreja: “Nós queremos tirar o Brasil de um rumo de desastre, em que valores como família, como criação de filhos, o que é certo, o que é errado, pudessem ser novamente restabelecidos. A Bíblia diz que haveria um tempo em que as pessoas iriam chamar o que é errado de certo, e o que é certo de errado”.

O governo continua fazendo o que quer de acordo com sua própria vontade. Em setembro do ano passado, a Folha de São Paulo, em reportagem, mostrou recebimento irregular por parte do governo de dinheiro vindo de instituições privadas de cunho religioso. Em dezembro, a ministra Damares Alves se defendeu dizendo que “Estado é laico, mas não é laicista (…) A maior crítica à Pátria Voluntária é que nós usamos, aproveitamos toda a logística de instituições religiosas. Instituições que estão há anos cuidando do nosso povo. Vamos continuar fazendo parcerias, queiram vocês ou não. Ai do Brasil se não fossem instituições religiosas”.

Parece que a atuação dos ministros contra o Estado laico segue de vento em popa… Damares criou cadastro para “fomentar o diálogo do Estado com organizações religiosas”. Vale lembrar que fomentar não é o melhor termo; talvez consolidar, aprofundar, manter dialogue mais com a realidade, já que desde o início deste governo as comunidades terapêuticas cristãs tem tido prioridade no repasse de verbas públicas. “De acordo com levantamento da Agência Pública, pelo menos R$ 41 milhões da verba do Ministério da Cidadania foram para grupos evangélicos e R$ 44 milhões para católicos. Ao todo, mais de 60% das comunidades terapêuticas contratadas em 2019 têm ligações diretas com grupos religiosos”. Seguimos de olho.

 

LGBTQI+

Deixamos aqui a indicação de uma série de reportagens que a Agência Pública construiu olhando para a atuação das Igrejas contra a população LGBTI+.

Vale lembrar, porém, que há pastores e igrejas de viés progressista que tem atuado contra o discurso homofóbico; é fundamental compreendermos como esse discurso se dá na prática para poder combatê-lo.

 

Intolerância religiosa

A Promotora de Justiça, Livia Vaz, trouxe uma importante reflexão sobre o racismo religioso: “o histórico de discriminação religiosa centrada na inferiorização dos povos negros escravizados reflete-se até os dias de hoje em restrições a direitos fundamentais dos adeptos de religiões afro-brasileiras, afetando o gozo de seus direitos e estabelecendo desigualdades de tratamento em várias dimensões de suas vidas pública e privada. Essa realidade pode ser constatada na cotidiana recusa de atendimento em unidades de saúde, no constrangimento no uso de transporte público – em que o proselitismo religioso tem sido veículo de discurso de ódio às/aos religiosas/os de matriz africana -, e até mesmo na restrição de acesso a órgãos públicos com indumentárias próprias da religiosidade.” Vale a reflexão sobre como esse racismo pode se transmutar, uma vez que a face evangélica predominante é de uma mulher negra e periférica. Sabemos também que setores brancos de classe média têm migrado, ainda que numericamente não significativo, para as religiões de matriz africana. O que essas mudanças tem a nos dizer sobre a intolerância religiosa, enraizada tão fortemente no racismo estrutural de nosso país?

 

Teologia do domínio

O Projeto de poder dos evangélicos segue em curso, mas não sem contradições e derrotas. Crivella sofreu uma derrota mesmo insistindo e reforçando sua identidade evangélica e sua aliança com Bolsonaro. Para o professor da USP e pesquisador do tema, Ricardo Mariano, Crivella não deixou de ser bispo enquanto prefeito. “Foi extremamente reacionário nas questões de costumes. Optou literalmente por uma guerra cultural de viés homofóbico e antifeminista contra o Carnaval e as minorias. Isso teve repercussão ao longo de quatro anos de seu governo”

Apesar da derrota do sobrinho de Edir Macedo no Rio de Janeiro, o partido da IURD (Republicanos) cresceu nas eleições de 2020. Mesmo assim, a Universal insiste no discurso oficial de que não participa do processo eleitoral enquanto instituição religiosa. “(…) todo membro do corpo eclesiástico que decide ingressar na carreira política licencia-se de suas funções na Igreja, passando a se ocupar exclusivamente da atividade pública”, disse a Universal em nota. Na prática, sabemos que esse distanciamento não existe, dado que os evangélicos conservadores que têm ocupado cargos públicos de poder mantém em seus discursos e práticas valores e interesses do grupo religioso a qual pertencem.

Essa ocupação nos espaços de poder não é um privilégio apenas dos evangélicos. Sabemos que a grande parte de nossa população tem uma religião, mas a questão colocada é como a identidade cristã no Congresso tem defendido valores e propostas que diferem da Constituição, e como essa identidade tem sido construída nas periferias. Para a pesquisadora Ana Carolina Evangelista, “na política brasileira hoje, a religião acaba sendo também um recurso discursivo de pertencimento e recuperação da ordem utilizado pelos conservadores, ou neoconservadores, para fazer avançar suas pautas nos espaços institucionais”. É papel da esquerda estar nos territórios disputando essas narrativas.

O campo progressista tem tido a tarefa de olhar para os territórios e pensar como avançar no trabalho de base. Um exemplo disso são os conselhos tutelares, espaços importantes não só pela função que exercem na sociedade na tarefa de defesa das crianças e dos adolescentes, mas também por ser um espaço de visibilidade política para novos cargos, como vereadores. A igreja Universal sabe disso e já tem colhido frutos, como pudemos perceber. Segundo reportagem do El País, “no site da Igreja, uma página estimula os fiéis a votar ‘em pessoas de bem’. Por vezes essa campanha acaba sendo mais ostensiva: fontes do Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente de São Paulo, que organiza o pleito, informaram ao EL PAÍS que candidatos tiveram suas candidaturas impugnadas quando se descobriu que pastores estavam orientando voto para eles durante os cultos, o que é vedado. Além disso, alguns aspirantes a conselheiro estavam usando o CNPJ da Universal para comprovar a periodicidade e o termo de voluntariado, uma exigência do edital. Na prática, afirmavam que haviam cumprido o pré-requisito de trabalho voluntário em atividades ligadas aos templos do bispo Edir Macedo. Isso só poderia ser feito caso a igreja fosse cadastrada no Conselho da Criança como entidade de atendimento, algo que não ocorre tendo em vista o caráter religioso da instituição”.

Nem só de avanços vive o projeto de poder dos fundamentalistas cristãos. A aprovação do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica (Fundeb) sem os“penduricalhos” para beneficiar as escolas das igrejas evangélicas foi comemorada pelo campo progressista e por aqueles que ainda acreditam em uma educação laica, princípio da nossa Constituição.

 

Teologia da prosperidade

Parece que ser próspero para Edir Macedo é ir além do esforço pessoal nos moldes, digamos, “tradicionais”. Não é novidade as acusações contra o Bispo da Universal que envolvem diversos crimes. A última se refere a crimes fiscais. Quem faz a acusação por meio de um vídeo é o Bispo Romualdo, ex-braço direito de Edir Macedo.

 

Ambiguidades/disputas/fissuras

A preservação da Natureza é um tema urgente debatido por diversos setores da sociedade, ainda que o discurso e a prática muitas vezes sejam contraditórias. No campo evangélico, esse tema tem ganhado algum destaque. Um levantamento realizado pela agência Purpose revelou que 85% dos evangélicos brasileiros consideram pecado atacar a natureza. Essa pesquisa motivou a criação da coalizão Evangélicos pelo Clima, com cerca de 30 nomes e organizações. O objetivo da coalizão é atuar em prol do meio ambiente, entendendo o papel do cristão evangélico nessa tarefa de preservação.

 

Evangélicos progressistas

Ainda que o avanço do conservadorismo siga ocupando espaços de poder e nos territórios periféricos, isso não se dá sem resistências. O Pastor Ariovaldo Ramos, importante voz do evangelismo progressista, tem trazido a importância do combate ao racismo como bandeira de luta pela democracia. Ariovaldo é enfático: “Há vários tipos de racismo no Brasil. Mas o desfecho é um só: crise da sociedade, impossibilidade de construir uma nação, inviabilização da democracia”.

Sobre esse mesmo tema, foi realizado em dezembro do ano passado o ato inter-religioso e ecumênico, celebrando a importância da fé antirracista em defesa das vidas negras. O ato contou com membros de diversas religiões e marcou um mês do assassinato de José Alberto Freitas por seguranças do supermercado Carrefour, em Porto Alegre (RS).

Também em defesa de pautas mais progressistas, o Pastor Hermes Fernandes criticou o fundamentalismo religioso: “A descriminalização das drogas, o aborto, os direitos dos homossexuais e prostitutas não podem ser mantidos na penumbra, varridos para debaixo do tapete dos falsos escrúpulos e da religiosidade de fachada. Enquanto mantemos nosso discurso anacrônico, as clínicas clandestinas de aborto se multiplicam, o narcotráfico fica cada vez mais poderoso, a prostituição segue galopante e os homossexuais se distanciam cada vez mais da mensagem do evangelho por nos considerarem seus arqui-inimigos”. Hermes Fernandes é pastor, psicólogo, escritor e atua na Igreja Comunidade Reina, em Engenho Novo, no Rio de Janeiro. Defende que a igreja não é espaço de campanha política, mas afirma que é lugar de fazer política em seu sentido mais amplo.

Por fim, uma boa notícia. Bruno Carazza, colunista do Valor Econômico, divulgou dados da pesquisa XP/pespe em que mostra que a avaliação positiva de Bolsonaro entre os evangélicos caiu de 53% para 40% entre dezembro e janeiro. Vale pensarmos os motivos. Seria por conta do fim do auxílio emergencial? Quais outras fissuras que podemos evidenciar para aumentar o índice de rejeição dos evangélicos contra Bolsonaro?