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FuturoPesquisa sobre os Evangélicos e a Política

Quando a Fé encontra a Luta: As vozes das mulheres evangélicas do MST – Parte 3

Pesquisa sobre os Evangélicos e a Política

Encontro das Mulheres Sem Terra, organizado pelo MST no ano de 2019, em Brasília. Foto: Janine Moraes

 

Por Delana Corazza e Angelica Tostes

 

Como já trouxemos nas duas partes anteriores a este texto, as vozes das mulheres Sem Terra seguem ecoando desde o nascimento do MST. São entonações misturadas de distintas histórias, trajetórias que se confundem e, muitas vezes, se contradizem, mas se unem na busca de uma única voz que possa traduzir esse sentimento comum que as identificam: serem mulheres, serem Sem Terras. As vozes dessas mulheres que aqui trazemos soma mais um elemento a essas duas identidades: a fé. “Tão simples o ajuntamento da palavra fé, apenas duas letrinhas, entretanto fé é uma palavra polissêmica e polifônica, com tantas variações de sentido e tantas vozes que a disputam” (TOSTES, 2021). A fé é elemento de todo militante revolucionário, dado que a transformação radical da sociedade parte de uma realidade inicialmente pouco favorável aos anseios de nossa classe. Acreditar nesse novo mundo, ainda que baseado em análises científicas da realidade, é também um ato de fé. Nas palavras do peruano José Carlos Mariátegui: “O proletariado tem um mito: a revolução social. Em direção a esse mito move-se com uma fé veemente e ativa” (MARIÁTEGUI, 1925, p.3).

Nesta terceira parte do nosso texto traremos a fé em disputa por meio da reflexão do que é ser crente e estar em um movimento social, o papel dessa espiritualidade para as mulheres e como elas conseguem, a partir de sua religião e de sua identidade Sem Terra, construir ações e intervenções no MST.

Nos textos anteriores demonstramos como o MST segue como força propulsora de uma transformação radical na sociedade, enxergando o protagonismo das mulheres em luta como parte essencial desse processo de transformação. Ampliar os espaços de decisão e atuar a partir da base contra as opressões de gênero são desafios em curso enfrentados a partir de diversas estratégias. O Encontro Nacional das Mulheres Sem Terra, de onde saíram as tantas vozes para nosso texto, foi uma dessas estratégias, fruto de um longo trabalho que não começa no dia 05 de Março de 2020, assim como não termina no dia 09 do mesmo mês e mesmo ano. Começaremos essa reflexão por ele!

 

O Encontro: “É gostoso cantar a vida no MST”

 

Sim, nós somos Marias e sim, nós vamos com as outras apesar de nos chamarem de loucas e vadias a coragem não nos falta como não nos faltam amor e rebeldia (Rosa Negra)

 

O Encontro Nacional das Mulheres Sem Terra foi marcado fundamentalmente pelos processos de formação atravessados antes de sua realização. Em todos os Estados presentes no Encontro houveram momentos de debate que incluíram temas diversos que abarcaram a luta pela igualdade de gênero das mulheres trabalhadoras. Esses processos contínuos de formação foram fundamentais para que o Encontro fosse um momento de ampliação e qualificação dos debates firmados nos territórios. A percepção sobre a importância de um espaço de discussão, arte, cultura, cuidado e formação para as Mulheres Sem Terra proporcionou uma maior participação para a realização do Encontro, fazendo com que de fato as mulheres se sentissem parte dessa construção em todos os sentidos, inclusive em ações para arrecadação de dinheiro para o Encontro.

Nesses espaços de debate nos territórios foram trabalhados temas como feminismo e agroecologia a partir da história das mulheres do MST na luta pela Reforma Agrária.  Outro tema abordado foi o do cuidado como um saber ancestral, buscando a transformação da concepção mercadológica da saúde, ou seja, saúde não como um produto individual, mas como fruto de um saber coletivo e compartilhado. Um dos focos do momento preparatório foi tratar temas fundamentais para a luta pela Reforma Agrária, como a denúncia contra a Medida Provisória (MP) 910, que aprovada traria como consequência a apropriação de grileiros e grandes proprietários das terras públicas de nosso país. As mulheres também debateram conjuntura política, capitalismo, patriarcado, violência, entre tantos temas no objetivo de se fortalecerem como mulheres Sem Terra construindo um momento histórico para a luta do MST.

Trouxemos na primeira parte do nosso texto como foi o Encontro, agora queremos contá-lo a partir das mulheres crentes que ali estavam e refletir como se deu na prática a vivência dessas mulheres que lá estiveram.

Quando conversamos com as mulheres crentes no Encontro sobre o louvor e as sensações vividas neste momento do culto, pudemos perceber uma certa semelhança entre aquilo que viviam nas igrejas e os momentos de mística do MST, como traz a companheira Cleide, da direção regional das brigadas do acampamento em Alagoas, que já foi da Igreja Universal do reino de Deus e hoje é da Assembleia de Deus:

 

Muito importante também, nossos cantos, nossas músicas. Gosto muito, dá uma energia. Não tem muita diferença, porque se você tá na luta, gosta do movimento, não tem diferença da musiquinha do MST para o louvor, é só você conectar que vai dar certo (Cleide, MST-AL).

 

Sem buscar aqui uma comparação forçada ou mesmo supor que a mística nos espaços do movimento substituiria esse momento religioso,  mesmo que muitas vezes sejam semelhantes, a espiritualidade e a crença militante são questões diferentes a serem analisadas. Porém, queremos trazer o quanto esse espaço de fruição estética é fundamental para a classe trabalhadora e faz parte do trabalho de base realizado nas igrejas, se tornando essencial nos espaços de luta:

 

É gostoso cantar a vida no MST, cantar o que a gente vive. Faz parte e nos alegramos com todo mundo. Cantar faz bem. Não precisa cantar para si só, ou para Deus, é cantar para o mundo. Na igreja a gente costuma falar que cantar é duas orações, a gente gosta de cantar. (Paula MST-MG)

 

A mística atravessou todo o Encontro, havia uma equipe responsável por essa tarefa, que envolvia os Estados a partir desse coletivo, e que foi vivida concretamente pelas mulheres presentes. Eliza, evangélica da Assembleia de Deus, acampada em Goiás, nos conta: “Eu acho lindo. Eu choro, eu sinto alegria, dá vontade de dançar. Gostei muito, que é também música, né? Acho que a primeira vez que eu vi, eu me apaixonei. É muito lindo”.

Não são todas as companheiras que têm uma atuação cotidiana fora de seu acampamento ou assentamento, estar no Movimento não significa, necessariamente, militar pelo Movimento, por isso a necessidade do trabalho de base constante e contínuo, como as dirigentes entrevistadas têm nos falado. Nas Igrejas, o trabalho de base é realizado cotidianamente, os valores, os símbolos e as referências da identidade crente estão com as mulheres e elas seguem fazendo suas negociações:

 

Eu tô no movimento, mas antes de eu levantar eu oro, oro às 4h da madrugada. Me entrego para Deus, entrego todo esse povo aqui para Deus, e eu vejo que não é só eu de evangélica aqui, ainda agora as meninas estavam falando: eu não vou participar de dança, eu digo, eu também não, eu vou participar de tudo, mas de dança não, de festa não, a minha festa é na igreja. É com o Senhor Jesus. (Fátima, MST-MA)

 

Muitas vezes, são os grandes Encontros, os momentos coletivos que auxiliam nessa construção da identidade militante das mulheres acampadas / assentadas. Podemos mais uma vez perceber as identidades em disputas e as potencialidades de que essas identidades têm em se unir e não, necessariamente, concorrer entre si.

 

Eu gostei (do Encontro de Mulheres), primeiro porque não teve muitas coisas assim de mal, por que a gente vê pela televisão, polícia, muita coisa feia, né? Mas graças a Deus até agora não aconteceu nada e nem vai acontecer por que a gente tá orando. (Fátima, MST-MA)

 

O Encontro foi, para muitas dessas mulheres, a oportunidade de ampliar as suas visões sobre o próprio movimento que estão inseridas e perceberem que além de serem mulheres, de serem crentes, são Sem Terras. Interiorizar a identidade Sem Terra, implica, portanto, ir além do espaço físico que essas mulheres vivem, mas que compreendam que sua luta cotidiana faz parte de um projeto de sociedade. Não é simples trazer essa reflexão para a totalidade da base, de desconstruir cotidianamente essa identidade, mas o Encontro seguramente foi um passo fundamental. Sônia, da Assembleia de Deus Nova Dimensão e do MST de Alagoas nos conta:

 

Antes eu era contra algumas coisas, porque eu via coisas que não me agradavam. Ai fazia viagem, ai só deixava as roupas sujas e pegava outra. Fazia as tarefas, né? Ai ficava meia enrolada e não achava de acordo. Mas aí depois fui me adaptando, acostumando, e hoje até eu faço viagens. Já fui para Caruaru, já fui para São Paulo, mas aqui mesmo nunca tinha vindo (Sônia, MST-AL).

 

E complementa:

 

Pegar firme na mão no outro, ser companheiro… Não ser companheiro para derrotar o outro, ser companheiro para ajudar, quando um cair pegar na mão e levantar. Então, até agora, antes eu não gostava e de uns tempos pra cá, eu tenho gostado cada vez mais. Não sou muito de sair, mas tô gostando (Sônia, MST-AL).

 

“Terra não é para fazer ninguém de escravo, é para libertar!”: a questão da terra

 

A luta pela terra é boa, por que Deus não deixou a terra para fazendeiro, para presidente, quando ele fez o mundo, ele deixou a terra para nós plantar e colher, então, não foi para eles tomarem conta, e deixar nós sem, então essa parte aí, nós estamos certo, as pessoas que estão lutando estão certas, eles estão errados por que se tomam conta das terras todas, como é que pobre vai trabalhar? (Conceição MST-MA)

 

Em nossas reflexões, diálogos e leituras temos trazido algumas questões para o debate sobre os evangélicos em nosso país. Defendemos, por exemplo, que, ainda que os temas como gênero sejam fundamentais nas disputas de narrativas, algumas palavras devem ser evitadas em um primeiro momento. A pesquisa “Conservadorismo e Questões Sociais”, publicada em 2019 pela Fundação Tide Setubal e Plano CDE, nos traz importantes reflexões sobre a questão. Palavras como direitos humanos, feminismo, esquerda / movimentos sociais são termos que inicialmente criam resistência a um grupo de pessoas de perfil mais popular e conservador, sendo grande parte delas fiéis evangélicos.

A esquerda tem se debruçado na necessidade desse diálogo com a classe trabalhadora evangélica.  Entretanto, como foi abordado na parte 2 de nosso texto, mesmo dentro do MST, algumas pautas não estão resolvidas ou absorvidas por toda base, como, por exemplo, o debate sobre igualdade de gênero. Essa é uma pauta importantíssima que ainda está em disputa e a leitura da Bíblia, ao mesmo tempo que pode fortalecer discursos opressores, é um elemento fundamental para trabalharmos no avanço pela igualdade de gênero junto às mulheres crentes do MST, abordaremos acerca da disputa hermenêutica (interpretação) na última parte deste estudo.

A luta pela terra segue sendo uma bandeira que une a fé e a luta de forma mais direta e inquestionável para as mulheres que conversamos, diferente de temas mais espinhosos e em disputa, com narrativas cheias de contradições e negociações.

Setores progressistas das igrejas, católica e protestantes, fizeram parte da história pela luta por terra, do nascimento do MST, como trouxemos na primeira parte de nosso estudo, e essa contribuição teológica-exegética, ainda que de maneira popular, se mantém na narrativa das mulheres crentes que hoje estão no Movimento:

 

… eu sempre busquei a direção de Deus sobre a questão da terra. Porque naquela época já existia luta pela terra, existia, e eu mostro dentro da bíblia que já existia a questão política, as pessoas acham que não, mas lógico que existia. No tempo deles, na época deles, no tempo dos Romanos, tudo era questão política para sobreviver também. Mas agora, continua, nos nossos dias também ainda continua. Então eu busquei essa questão sobre a terra, e a gente sabia que era certo o que a gente tava fazendo. Fui buscar na bíblia essa resposta, e lá tem! (Rosa Maria, MST-SP)

 

O Brasil é marcado historicamente pela concentração de terras e pelo seu uso indevido, como o latifúndio e a monocultura, principais pilares para a escravidão e destruição dos territórios indígenas. Homens e mulheres que nascem com a marca da exploração, da tortura e da desigualdade. Nos  reproduzimos como uma terra gigante, de poucos donos, onde as cercas seguem violentando nossos povos, nossa classe, mas não sem resistências e muito, muito sangue: toda tentativa de resistência popular organizada e radical virou sinônimo de massacre e genocídio, para posteriormente serem apagadas dos livros de história” (TRICONTINENTAL, 2020, p.8) Os quilombos, territórios organizados pelos negros escravizados fugidos,  foram parte fundamental desse processo de resistência, de luta pela terra, de recriação de espaços onde enfim puderam viver em liberdade. Dentro do MST, Rosa Maria, mulher negra e evangélica da Assembleia de Deus entende a terra como espaço fundamental para a produção e reprodução da vida dos trabalhadores, assim como para sua libertação: “Terra não é para fazer ninguém de escravo, é para libertar! Tem que ter liberdade de trabalhar, de ser feliz, criar família, ver seus filhos crescerem, se formarem, ser o que eles querem ser.”

Negros, caboclos, indígenas são parte fundamental de resistência contra a exploração de nossas terras e também são sangue que as regaram e que constituíram quem somos, a nossa classe.

Não é de se espantar, portanto, que um dos mais importantes movimentos sociais de nosso país nasça justamente da luta pela terra. João Pedro Stédile, ao falar da gênese do MST, atribui como principal fator, o socioeconômico. A exploração histórica da terra e dos povos que nela viviam teve novos contornos dolorosos, intensificados pelo processo de mecanização da lavoura na década de 70, expulsando o trabalhador do campo ou para outros territórios sem vocação para a agricultura familiar.

 

Do ponto de vista socioeconômico, os camponeses expulsos pela modernização da agricultura tiveram fechadas essas duas portas de saída – o êxodo para as cidades e para as fronteiras agrícolas. Isso os obrigou a tomar duas decisões: tentar resistir no campo e buscar outras formas de luta pela terra nas próprias regiões onde viviam. É essa base social que gerou o MST (STÉDILE, MANÇANO, 2012, p. 19).

 

Permanecer no campo foi a escolha corajosa de um povo trabalhador que vive e sobrevive com a marca da exploração e do racismo, fruto da usurpação das tantas terras de nosso país, mas principalmente com a marca da fé – não somente no sentido religioso, embora também seja, mas fé no sentido amplo, de acreditar, ainda que pareça utópico, inalcançável, como nos ensinou Fernando Birri, na voz de Eduardo Galeano, acreditar, “para que eu não deixe de caminhar”. Essa mística de fé que acompanha o MST desde seu nascimento é força propulsora da luta do nosso povo, como nos ensina Mariátegui “A história, fazem-na os homens possuídos e iluminados por uma crença superior, por uma esperança sobre-humana; os demais constituem o coro anônimo do drama”. (MARIATÉGUI, 1925, p.1)

Recuperar aquilo que é do povo trabalhador aparece na mística e nas necessidades concretas do nosso povo, a fé e a luta, que temos insistido tanto em nossos textos, se unem quase que umbilicalmente no caminho pela Reforma Agrária e Urbana, é hoje tarefa do campo e da cidade e, para muitas mulheres, tarefa divina.

 

Por isso que falo para você, existe questão de luta pela terra, não é apenas uma luta material, é uma luta espiritual. Porque já vem desde o tempo do Senhor, e essa luta não acaba. Vai ser uma luta constante. Vamos supor, mesmo que esse governo aí não libere essas terras aí agora, mas vai entrar um governo que pode entender e liberar as terra, porque é bíblico! A luta pela terra! Porque já teve aquelas lutas, bíblico que eu falo é assim: pessoas que lutaram para conquistar as suas terras, e hoje a gente continua a luta para conquistar mais terra, a nossa terra. (Rosa Maria, MST-SP)

 

Ao atribuir o fator socioeconômico como gênese do MST, Stédile aponta um outro elemento importante nessa construção, o papel ideológico da Igreja Católica e Luterana nos processos de resistência contra as opressões. Retomar a historicidade desses elementos se faz uma tarefa necessária.

Em fevereiro de 1980, a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil, CNBB, aprovou em sua 18a assembleia, um documento intitulado “Igreja e problemas da terra”. Esse documento resgata o papel da Igreja Católica em sua missão pela vida em comunhão e a superação de todas as formas de exploração. Valoriza, então, prioritariamente a experiência concreta dos que são explorados nos campos de nosso país, seja diretamente ou indiretamente, E os que pela exploração no campo, migraram para as cidades, vivendo na pobreza e na aflição. Este mesmo documento traz também a conjuntura daquela época e o histórico de concentração de terras no Brasil, denunciando a violência no campo. “A responsabilidade não cabe a Deus” (CNBB, 2012, p. 284), afirma o documento, dado que “não é vontade de Deus que o povo sofra e viva na miséria” (CNBB, 2012, p.284). A luta por justiça faz parte da narrativa e fé cristã, ela é muitas vezes mais forte que os discursos de culpa:

 

Às vezes, as pessoas agem de uma forma achando que Deus é carrasco, mas Deus não é carrasco, Deus é amor, mas ele também é justiça. Você acha que Deus gosta de estar vendo o povo sofrendo humilhação, vergonha, fome? Não! Lógico que não, gente (Rosa Maria MST-SP)

 

A CNBB, naquele momento, foi de encontro com os avanços promovidos pela Teologia da Libertação, no sentido de desconstruir a visão mágica da vontade de Deus. Além disso, defendeu que os valores cristãos são irreconciliáveis com o desenvolvimento social e econômico em curso que o capitalismo impõe. Dialogou, também, com o protagonismo da população que sofre, colocando como tarefa para o povo, se organizar e se unir contra as mazelas que o atingem. O texto considera, no entanto, que, apesar da necessidade de organização do povo, o regime civil-militar da época criava impedimentos concretos para isso. Mas o povo se organizou e as mulheres também se organizaram, se calar não era uma opção.

Assim como a luta pela terra é histórica, a invisibilidade da luta das mulheres também. As mulheres camponesas estiveram sempre em marcha e, especialmente na década de 80, a participação dessas mulheres foi fundamental para a conquista de diversos direitos que chegaram anos depois.

Foi nesse momento da história de nosso país que, por meio de diversas formas de organização, seja em movimentos sociais, sindicatos ou autonomamente, as mulheres camponesas reivindicaram o reconhecimento de sua profissão como trabalhadoras rurais, um passo fundamental para a conquista de novos direitos, como o direito a uma aposentadoria digna (MUNARINI, CINELLI, CORDEIRO, 2020).

Nessa luta, percebeu-se que muitas das mulheres camponesas não tinham sequer a carteira de identidade. Ter um documento comprovando sua existência como pessoa e como trabalhadora, possibilitou o acesso a outros direitos, como a titularidade de suas terras, fruto de suas infindáveis lutas. O reconhecimento enquanto profissionais do campo para as mulheres trabalhadoras aconteceu somente na Constituição Federal de 1988, momento crucial de conquistas dos direitos dos trabalhadores em luta:

 

Na década de 1980, o povo brasileiro se reorganizava em decorrência de vários fatores. Mas, no campo, a forte presença, principalmente, da Igreja Católica e da Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil (IECLB) que se orientavam pela Teologia da Libertação, as Comunidades Eclesiais de Base (CEBs), a Comissão Pastoral da Terra (CPT), entre outros movimentos, investiram num amplo processo de formação e organização do povo. (MUNARINI, CINELLI, CORDEIRO, 2020, p.35)

 

Em 2004, o governo Lula, a partir da continuidade incansável da luta das mulheres camponesas, instituiu o Programa Nacional de Documentação da Trabalhadora Rural (PNDTR), assegurando alguns direitos básicos para as mulheres como a emissão gratuita de documentos.

A luta das mulheres faz parte do MST. A ocupação de uma terra realizada pelo Movimento e sua posterior organização prevê a participação de todos seus integrantes, homens, mulheres, jovens e crianças. Cada setor, de acordo com suas potencialidades e direitos, terá tarefas a serem cumpridas nas diversas comissões. Rosana, assentada em Rio Negrinhos, Santa Catarina, membra da Assembleia de Deus, chegou no MST, segundo ela, com a tarefa divina de levar a palavra, orar pelos e junto com seus companheiros, a fé foi a porta de entrada e a luta a conquistou:

 

A luta é muito bonita, sabe? Você vê as crianças, os jovens, os adolescentes, um povo que luta e luta com carinho, com sangue daquilo que querem, o sangue, né? Estão lutando pela terra porque é um direito, aí as pessoas tentam tirar esse direito e outros direitos da gente como agricultor, como trabalhador (Rosana, MST-SC).

 

Viver e conquistar a terra tem um valor concreto e simbólico muito forte para as mulheres que conversamos: a terra é fonte de vida; é a manutenção da relação orgânica com a natureza, de resgate de suas histórias, é também o questionamento sólido, material das injustiças; é muito palpável compreender que quem planta e cuida da terra para viver e sobreviver tem o direito sobre ela, de estar, cuidar e permanecer nela. Plantar e colher o próprio alimento cultivado na terra que se conquistou é a mística cotidiana da mulher Sem Terra.

 

Você aprende a valorizar dentro do MST essa conquista, colocar uma família lá para ter uma vida saudável, ter uma casa. Eu não tenho casa, eu morava de aluguel, então quando eu fui para lá, eu deito lá e sei que aquilo lá é meu, eu tô ali, mas eu sei que em determinado tempo vai ter aquele que vai fazer uma casa boa, vai estar ali, então é uma questão de luta, nada vem tão fácil, mesmo se fosse para comprar eu teria que nascer de novo. A gente está lutando para conquistar o lote e eu acredito que em nome de Jesus a gente vai conseguir porque se Deus falou, tá falado. Em uma assembleia eu disse para as pessoas, eu só vou sair daqui quando Deus disser que é para eu sair, por que eu acho que quando Deus determina uma coisa não é para a gente fracassar, é para a gente ter esperança. (Rosana, MST-SC)

 

Como vimos, as instituições religiosas cristãs tiveram papel fundamental na luta pela terra e na constituição do MST, hoje, as mulheres evangélicas fazem parte dessa luta, estão nas igrejas orando, louvando, conectadas às suas espiritualidades, no meio do caminho algumas vezes entre o direito de serem livres e os fundamentalismos religiosos que atravessam muitas denominações evangélicas. Essas mulheres seguem se formando e unindo a fé e a luta, a jovem Helena, nascida e criada em berço pentecostal, filha de pastor, na época da entrevista estava há menos de um ano no Movimento e nos contou como tem vivido essa experiência:

 

Até hoje é meio assim, não sei nem explicar total, porque é novo, mas é muito legal, porque eles lutam pela reforma agrária, pela transformação social, pela igualdade. Isso é uma coisa que me chama muita atenção. Eu lá no acampamento sou coordenadora da educação geral, e é um setor que eu me identifiquei muito bem, porque eu gosto de ler. Ai lá, quando terminar a escolinha, porque a gente tem escola, eu vou ser a professora. Estou lendo bastante para me aprofundar mais, para ter mais conhecimento. Estou lendo sobre o MST, sobre o Che, Paulo Freire, são vários livros para obter um conhecimento melhor. (E a Bíblia?) A bíblia é o livro que eu mais leio HELENA, MST-GO).

 

Para a companheira Bete, diaconisa da Assembleia de Deus, acampada no estado de Goiás, a luta pela Reforma Agrária deve ser tarefa também da Igreja:

 

A igreja precisa ter um diálogo maior com a sociedade por que muitas vezes ela se fecha nos membros, ela precisa colocar, apresentar para a sociedade, principalmente nós enquanto movimento, estando na área, ela precisa transmitir também tudo sobre esse processo da reforma agrária, essa parte tão chamativa né? Precisaria ajudar, contribuir através da sua pregação, através da sua organicidade, de estar trazendo mais as pessoas, esse processo de transformação, esse processo de sociedade como um todo, de igualdade, ela deveria usar as mesmas ferramentas do MST (Bete, MST-GO).

 

As mulheres evangélicas do MST não podem ser caladas em nenhuma de suas identidades, nem como mulheres, nem como Sem Terras, nem pela sua religião. O diálogo entre a esquerda e o protestantismo, nas suas tantas denominações, não pode ser aniquilado por conta de seu viés fundamentalista que tem, de fato, dominado as igrejas. Quando Bete diz que a Igreja precisa dialogar com a sociedade, nos salta aos olhos o fato de muitos de nós, progressistas, não compreendermos a importância desse diálogo com a igreja para que ela possa olhar a realidade, expandindo de leituras fundamentalistas a leituras libertárias. Os espaços vazios não existem, eles seguem ocupados e, se não por nós, é nossa tarefa disputá-los.

 

Nós somos muitos e muitas, estamos lá no nosso canto, se tem uma Eliane lá dentro, tento dialogar o que é a fé dentro do movimento sem terra, mas isso não é comum, a gente tem buscado nos nossos eventos do MST uma metodologia de espaços onde se consegue discutir a fé. Culto ecumênico é uma forma de resistir o que a sociedade impõe. (Eliane, dirigente evangélica do MST-BA)

 

Esse passo fundamental de debate dentro do Movimento sobre a fé tem sido muito importante para as disputas e desafios colocados para nossa classe e a questão da terra é um ponto de partida imprescindível para o avanço desse diálogo. Atiliana, dirigente em Mato Grosso do Sul, traz uma reflexão muito importante:

 

Quando um evangélico assume a luta pela terra, é por que ele já ultrapassou alguns limites que a religião coloca. Todo mundo tem a ideia que estamos tomando a terra de alguém, quando o evangélico vai para a luta pela terra, ele avançou nessa compreensão. (Atiliana, dirigente do MST-MS)

 

No extremo sul da Bahia, o MST tem colocado essa importante tarefa de diálogo dentro e fora do Movimento:

 

Estou travando debate do enfrentamento do governo contra o MST, preciso levar esse debate para os meus irmãos das igrejas, nos assentamentos e também para a cidade, essa é a tarefa que me foi dada. Iremos iniciar algumas reuniões de buscas com essa relação com as igrejas, universidade e sociedade, falar não só da fé, mas sobre o momento que estamos vivendo. Ele precisa sair daqui, não pode ser só o que a mídia está falando. Não vai ser fácil, não vai ser simples, falar com os pastores das diversas igrejas, das diversas denominações, falar sobre o que os assentamentos do extremo sul estão passando. A cidade não sabe da nossa luta, da nossa história, mas estão reproduzindo o que a mídia fascista tem falado (Eliane, MST-BA).

 

Não vai ser fácil, não vai ser simples, mas o evangelismo progressista nunca se calou, a base evangélica que está tão fortemente nas periferias de nosso país, e também no MST, pode, através da própria história de sua religião, encontrar caminhos para uma vida livre das tantas opressões. Resgatar essa história é tarefa urgente que não podemos negligenciar. Lucineia, dirigente do MST nos auxilia nessa reflexão:

 

Outra coisa que a gente demorou a perceber foi a (falsa) dicotomia entre os católicos e evangélicos, porque acho que inclusive a igreja católica perdeu a base progressista dela e a gente inclusive tem a tendência de enxergar a igreja católica como progressista e a evangélica como conservadora. E eu acho que hoje isso é uma leitura que não condiz, tem área que não tem igreja evangélica, e a igreja católica é muito mais complexa, por que os padres são muito mais fechados pro diálogo do que a (igreja) evangélica. Esse é um ponto que a gente tem dificuldade, porque a gente tem mais referências de bispos e padres (progressistas) a nível nacional. Vi um cartaz que dizia assim: se Edir Macedo é pastor, Martin Luther King também era (Lucineia, MST-RJ).

 

Protestantismo da libertação latino-americano: conhecendo os caminhos…

 

Muito do que se fala da Teologia da Libertação foca nas experiências católicas de resistência, entretanto, os protestantes também fizeram parte dessa trajetória de luta na América Latina. Relembrar, brevemente, alguns nomes e pontos de um protestantismo da libertação se faz uma tarefa necessária para quem ainda se espanta com evangélicos nas lutas populares, como diz Rubem Alves, a memória traz sempre algo de subversão.

Traremos aqui figuras importantes nessa busca pela origem protestante da Teologia da Libertação e sua continuidade: Richard Shaull (1919-2002), teólogo presbiteriano norte-americano que viveu muitas décadas no Brasil, e dedicou seus estudos no diálogo entre o cristianismo e categorias marxistas, relacionando temas sociais com a fé evangélica, sendo nomeado de “teólogo da revolução”. Rubem Alves (1933-2014), aluno de Shaull, e que em tese de doutorado traz pela primeira vez o termo “Teologia da Libertação”, as contribuições de Alves são imensas, pois traz a dimensão do corpo e da subjetividade no contexto da luta de classes.  Ainda na reflexão teológica nomes como a mexicana Elsa Tamez (1951 – ); a  argentina Marcella Althaus-Reid (1952-2009), e a brasileira Nancy Cardoso (1959 – ) aprofundaram a dimensão do corpo  e da sexualidade a partir da teologia feminista e queer, trazendo algumas críticas à Teologia da Libertação que por inúmeras vezes excluiu mulheres e dissidentes de gêneros e sexualidades das abordagens e práxis teológicas.

Além desses nomes, importantes organizações protestantes surgiram criando um ecumenismo evangélico de resistência, como a ISAL (Iglesia y Sociedade en América Latina – Igreja e sociedade na América Latina), em um desdobramento da assembleia em Huampani, perto de Lima, Peru, resultado das Conferências Evangélicas Latino-americanas (CELAS). Para Michael Löwy, a ISAL foi “talvez, a iniciativa mais importante na criação de um movimento de libertação entre os protestantes latino-americanos” (LÖWY, 2000, p. 179). Outras organizações foram se formando, como o Conselho Latino-americano de Igrejas (CLAI), Departamento Ecumênico de Informação (DEI) na Costa Rica, o Centro Ecumênico para a Evangelização e Educação Popular (CESEP), em São Paulo, ou o Centro Ecumênico para Documentação e Informação (CEDI) no Rio de Janeiro, hoje KOINONIA Presença Ecumênica e Serviço, e ações dessas instituições no Conselho Mundial de Igrejas.

A atuação protestante dentro do MST também aconteceu através das ações pastorais da Igreja Luterana, que por ser uma igreja de imigração, seus membros trabalhavam muito no meio rural. Alguns nomes podem ser destacados por seu envolvimento em ações de politização, como Leonildo Gaede, Roberto Zwesth, Silvio Meinke, Carlos Arthur Dreher, Milton Schwantes e Gunter Wolff (PY;PEDLOWSKI,2018).

 

Portanto, é possível afirmar que, a partir da CPT, a Igreja Católica teve grande importância na formação do MST. Contudo, também é correto observar que houve participação direta de intelectuais protestantes, entre eles luteranos da IECLB, no processo de organização da resistência política dos camponeses. (PY, PEDLOWSKI, 2018)

 

Hoje em dia há inúmeros movimentos religiosos evangélicos engajados em pautas sociais e de luta. Como foi visto, brevemente, não é um fenômeno novo, evangélicos e evangélicas estão há muito tempo na luta. O que aconteceu foi um processo de invisibilidade e silenciamento dessas vozes de resistência, tornando a imagem do movimento evangélico homogêneo de caráter fundamentalista, mas não é bem assim. Isso tem, ainda que a passos lentos, mudado.

Há atualmente uma maior articulação e visibilidade das pautas progressistas evangélicas por conta do avanço tecnológico, embora ainda minoritário nas grandes manchetes sobre evangélicos brasileiros. Entretanto, hoje, os movimentos progressistas evangélicos têm caráter mais orgânico e menos institucional, movimentos que se articulam apenas nas redes, ou pontualmente, outros se dedicam a práticas pastorais transformadoras de caráter político-social, ambos constroem nas margens disputas de narrativas contra fundamentalismos religiosos presentes no movimento evangélico latino-americano.

 

Crente no movimento popular?: “é até melhor estar, porque a gente tem a força maior que é Deus”

 

Retomar alguns passos do protestantismo na luta é importante para pensar o cotidiano dessas mulheres evangélicas que atuam no MST. Magali Cunha, na coluna Diálogos da Fé, da revista Carta Capital trouxe a história do companheiro pentecostal do MST, Manoel da Conceição (1935 – ), que encontrou na fé um ímpeto ainda maior na luta popular e na solidariedade. A trajetória das perseguições e torturas por ele sofridas e de toda resistência e força que o auxiliar do pastor da Assembleia de Deus construiu segue como inspiração para os dias de hoje.

Ao rememorar essas trajetórias conseguimos compreender um pouco os passos dessas mulheres evangélicas que se engajaram na luta pela terra e reforma agrária. Muitas delas conheceram o MST através da igreja ou de parentes próximos. Como é o caso da Rosana: “Tenho tias que são assentadas no Paraná, mas eu nunca tinha tido esse conhecimento e eu cheguei no assentamento e as pessoas começaram a dar os nomes para mim, para eu levar para a casa, para eu orar, foi aí que fui conhecendo o que era o MST”.  Outras companheiras entrevistadas relataram que chegaram ao movimento através de irmãos e irmãs, maridos, e outros parentes.

Rosa Maria contou sua história de chegada ao movimento: ainda com os filhos pequenos ela começou a visitar um acampamento na sua cidade aos finais de semana. Depois de uns anos, com os filhos grandes, já separada do marido, se envolveu no MST, participando de reuniões de coordenação, conhecendo e se envolvendo nas atividades, o que culminou na participação do Encontro Nacional das Mulheres. Depois de 6 anos de árduas lutas, conseguiu ser assentada, como também sua filha.

Para ela, a participação na luta é muito importante: “Tudo é um processo, né? Mas aí tem várias pessoas na família que são assentadas através da reforma agrária pelo MST. Então, eu entendo que isso foi uma luta, uma conquista muito grande, então tem que valorizar isso daí”. E ainda fez uma crítica ao atual (des)governo: “A reforma agrária tá travada por causa desse governo, […] muita gente foi assentada por causa dos movimentos sociais. E hoje eles têm sua terra, através do movimento MST que lutou por essas pessoas, junto com as famílias”.

As mulheres evangélicas do MST vão criando suas próprias visões acerca da fé e da luta política, muitas vezes através da linguagem mítico-religiosa, buscam saídas bíblicas para os problemas cotidianos. E ainda protestam e respondem com voracidade questionamentos sobre a participação dos evangélicos no MST, como a Sônia, que diz:

 

Tem pessoas que criticam: “coisas de sem terra, quem é evangélico não pode” e mais outras coisas, mas eu falo assim: a gente não tá tomando nada de ninguém, a gente tá numa luta, que tá batalhando, a Terra Prometida não foi né? Então, a gente tá na luta e a gente só vence com Deus, ele deu a vida por nós, dá nossa saúde, dá nossa capacidade, ele está nos ajudando e a gente tá fazendo nossa parte (Sônia, MST-AL).

 

Quando conversamos com as mulheres entrevistadas encontramos não apenas participantes do MST, mas sim militantes, dirigentes, educadoras, mulheres engajadas não apenas nas igrejinhas e seus ministérios, mas também com tarefas concretas e articulando a luta do MST em seus territórios. As imagens pré-concebidas das mulheres evangélicas passivas devem ser desfeitas, encontramos mulheres fortes, curiosas, questionadoras e que têm colocado seu corpo e vida pela luta. Eliza contou que logo quando conheceu o MST se apaixonou, principalmente por conta do protagonismo da mulher nos espaços do movimento.

 

Eu me apaixonei! Porque bate as ideias, que eu sou um pouco daquelas assim, principalmente no espaço da mulher, que a mulher tem direito, que a mulher pode sim, mesmo estando né, em qualquer função, religião, política, o que for. Aí eu gostei, comecei a pegar cargo lá, já até como coordenadora de NB (núcleo de base) me colocaram. Aí eu tô indo. Vim para cá também. Eu sou uma pessoa que gosta de conhecer as coisas, sabe? Conhecer de tudo. Porque tudo tem um porquê e para quê. Não é só aquilo que a gente pensa, né? (Eliza, MST-GO)

 

Para Sônia, se alguém lhe perguntar sobre o MST na igreja ela já tem a resposta na ponta da língua e compartilhou conosco:

 

Se um dia na igreja eu tiver que responder eu vou dizer assim: olha, eu fui para uma luta, tô lutando, se vocês pregam o evangelho não é só para pregar em quatro paredes, na igreja, tem que pregar nos lugares também, muita gente que pensa que vai para o céu, tem que se pregar o evangelho em todas as nações e confins da terra. Eles julgam por que eles não sabem a necessidade de alguém em ouvir a palavra, por que eu já vi pessoas doentes curadas, já vi pessoas assim, pessoas paralíticas levantar, na igreja, já vi ser curada do câncer, da Aids. Você luta e vai abrir caminhos, o MST é uma conquista para mim, muito lindo. A gente tá aqui e está participando de uma festa maravilhosa!!! (Sônia, MST-AL)

 

O relato da Bete, também vai de encontro com essa fala. Vinda de tradição católica, começou, aos 16 anos, a participar da Igreja Cristã do Brasil, conhecendo outras igrejas como a Deus é Amor, até que se identificou, morando na roça, com a Assembleia de Deus Ministério Madureira, atuando em diversas frentes na igreja como “dirigente de círculo de oração, reunindo grupo de mulheres, distribuindo a tarefa entre elas nas visitas à comunidade, visitando as pessoas carentes, doentes, fazendo orações, cestas básicas, nessa parte da área social”. Dentro desse contexto conheceu o Movimento Camponês Popular, se engajando com as mulheres camponesas. Ficou 4 anos no MCP e conheceu, através dele, o MST. “No MST eu já estou há 4 anos também, já passando para 5 anos, acampados, mas agora em uma construção do assentamento popular no município de Ipameri, Goiás, onde eu estou residindo agora”. Nesse engajamento entre fé e a luta do MST, ela nos diz:

 

quando eu conheci a organicidade do MST, quando foi lido o estatuto que faz parte dessa organicidade, eu encarei como se fosse uma igreja, como se fosse a organicidade de uma própria igreja evangélica levando as pessoas a essa unidade e ser tudo comum, essa apresentação de igualdade de uma igualdade social que é o trabalho da igreja, embora isso tenha mudado muito, esse é o trabalho da igreja, de estar levando as pessoas a uma igualdade, sem fazer distinção de raça, de cor, de gẽnero, mas ter essa  igualdade (Bete, MST-GO).

 

A companheira Paula, do Quilombo Campo Grande (MG) e da Assembleia de Deus do Brasil, encontrou um equilíbrio nas missões dessa relação:

 

Eu conciliei uma coisa com a outra, porque eu sempre quis ser missionária, e ser militante é ser praticamente um missionário, que é fazer missão, trabalhar com o povo, discutir politicamente o que é nosso país, o que buscamos, nossos objetivos. […] O movimento trabalha a questão material e a igreja a questão espiritual, uma coisa complementa a outra (Paula MST-MG).

A companheira Cleide, encontra em Deus “a força maior para conduzir as tarefas do movimento”. Para ela “O que tá fazendo um crente no movimento sem-terra? Muitos não entendem… só porque é crente e não pode estar lá? Muito pelo contrário, é até melhor estar, porque a gente tem a força maior que é Deus”. Mas nem sempre foi assim, Cleide compartilhou que antes de conhecer o MST via os atos e protestos com estranhamento, e ainda confessou “chamava tudo de imundiça e bagunceiro”.  Mas deixou claro: “Antes, né?”. Com dificuldades de pagar o aluguel, mesmo não tendo famílias no movimento, ela e seu marido ouviram que no MST “era para lutar por uma terra, para você plantar, sobreviver, aí eu falei: mas será que é mesmo?”. E em diálogos com seu marido, foi decidido:

 

E meu marido veio e falou: a gente vai pro sem-terra! Ai eu: ai meu Deus, meu marido endoidou? O que a gente vai fazer nos sem-terra? E ele: vamos, é bom, a gente faz um barro e mora lá. E eu disse: valha-me deus!  Mas aí eu olhei para a situação em que nós estávamos, o aluguel muito caro, e a possibilidade de conquistar a própria terra para plantar e sobreviver… aí eu digo: bom, então vamos tentar (Cleide, MST-AL).

 

Cleide foi se achegando aos poucos, ainda desconfiada, mas logo sentiu-se acolhida e começou com amizades e engajamento na luta. Processos importantes de desconstrução e abertura para algo novo, e que é alvo de inúmeras falácias por parte da grande mídia em relação ao MST e movimentos sociais no geral:

 

Eu não fui de primeira, porque fiquei meio cabreira do que o povo comentava da nossa luta. Ai eu: Jesus, e agora o que eu faço? Aí comecei a orar e disse: senhor, se for da tua vontade, eu vou! E peguei as coisas tudo e fui direto para o acampamento, aí como a gente sempre foi evangélico, tem um pouquinho de diferença, do povo que é e do povo que não é, porque tem outra visão. Ai ficava no nosso cantinho, quietinho, e o povo achava que a gente era metido. E aí comecei a orar e as coisas foram amenizando, comecei a fazer amizade com todo mundo (Cleide, MST-AL).

 

É necessário ressaltar, como já mencionamos, que há inúmeros processos e negociações nessas mulheres que se engajam na luta e são evangélicas. Muitas vezes, elas podem ser progressistas na luta política e não na fé. A pesquisa dos Evangélicos na Política, do Instituto Tricontinental, considera esse perfil uma categoria de evangélico/evangélica em disputa, pessoas que vivem o cotidiano da igreja, reproduzem de alguma forma alguns conservadorismos, mas são sensíveis a algumas pautas sociais quando não abordadas por termos controversos para eles, como gênero, feminismo, direitos humanos, pautas LGBTIQA+.

Cristina, do acampamento Marielle Vive em Valinhos- SP e da Assembleia de Deus desabafa: “No movimento sem-terra eu vejo uma dificuldade, porque ali eles não se encaixam muito com a igreja, eu vejo uma dificuldade”. A dificuldade apontada pela companheira é sobre a questão de gênero e sexualidade, pauta permeada de fake news, desinformação e leitura fundamentalista da Bíblia: “Eles apoiam muito o homossexualismo, o lesbianismo e isso a Palavra do Senhor não aceita”.

Ao mesmo tempo que Cristina diz isso, ela relembra passagens bíblicas que Jesus não fez acepção de pessoas, como a mulher adúltera a ser apedrejada (João 8:1-11), a mulher samaritana no poço (João 4:7-26): “Ele não fez a acepção delas e eram prostitutas, então eu também não faço acepção, eu não concordo com o erro dele, mas também não faço acepção. Se precisar de meu abraço eu estou disposta a dar”.

Eliza, relembra passagens que, possivelmente, são difíceis para ela. Quando conversávamos sobre a emancipação plena das mulheres e seu sonho de libertação, ela disse que se incomodava com o papel da mãe apenas atrás do fogão, e se portava de uma maneira distinta das outras mulheres da sua família. Rememorando a infância disse:

 

… minhas brincadeiras eram, assim, mais masculinas, no dizer das pessoas, porque eu acho que brincadeiras são para todos. Mas eu sempre gostei de soltar pipa, de jogar biloca, mas eu gostava de brincar de boneca também. Tudo isso, e achavam eu diferente de outras pessoas. Minha mãe achava que eu ia virar “sapatão”, lésbica. Mas eu não tenho preconceito contra nenhuma, jamais, eu não tenho! E aqui tô aprendendo muita coisa sobre isso. E tive até um debate, mas foi com a parte de homens, porque homens já é mais complicado na minha cabeça, porque eu fui desde criança ensinada de uma forma. E quando você é desde criança ensinada de um jeito, sua tendência é… o bom é que eu tenho mente aberta, mas e quem não tem? (Eliza, MST-GO)

 

A sexualidade é uma temática tabu no contexto evangélico, principalmente se tratando das mulheres, que são oprimidas e exiladas de si mesmas em seus desejos e prazeres por conta da tradição religiosa cristã. Teólogas feministas e queer, como as já mencionadas acima, Marcella Althaus-Reid e Nancy Cardoso, trabalham esse resgate da sexualidade das mulheres evangélicas da classe trabalhadora empobrecida. É necessário, como diz Nancy Cardoso (1999), de uma reforma agrária dos corpos, do próprio chão.

Uma das  críticas que Marcella Althaus-Reid faz da Teologia da Libertação é essa: “O corpo concreto, que se relaciona com o prazer e as experiências sexuais foi esquecido, escondido, negado, desprezado, visto como impróprio, desnecessário e meramente acessório tanto para a prática quanto para o discurso teológicos” (2016, p. 61). As abordagens sobre sexualidade com as companheiras evangélicas do MST devem ser realizadas com cuidados, porém é uma tarefa mais que necessária.

 

A coragem das mulheres: “eu era crente medrosa”

 

O gênero é uma categoria de análise social e na luta de classes de fundamental importância, assim como raça. Os estudos de gênero visam indicar os modos que as “construções sociais” são feitas a partir desse recorte de diferenciação, pensando os papéis dados aos homens e às mulheres em sociedade. Para Joan Scott, “O gênero é, segundo essa definição, uma categoria social imposta sobre um corpo sexuado” (1995, p. 7).  Podemos dizer que as mulheres são socializadas, nessa construção, a partir de um “ideal doméstico”, ou seja, como Heleieth Saffioti pontuou

 

a socialização da mulher se orienta por valores que a definem como a mantenedora da ordem estabelecida, como defensora da organização familiar e da ordem moral nas quais a criança deve aprender a ser um adulto semelhante ao pai quando menino, semelhante à mãe quando menina, como aquela, enfim, cuja existência deve ser inteiramente, ou quase, dedicada à vida da família e, às vezes, a atividades que visam ao estreitamento dos laços comunitários (SAFFIOTI, 1976, p. 85)

 

Analisar apenas a relação gênero-classe, não é suficiente para compreender como as mulheres brasileiras, na sua pluralidade, são constituídas perante a sociedade. Para isso é preciso falar das dores e violências que as mulheres negras vivenciaram em sua ancestralidade e continuam a viver em um Brasil alicerçado em um racismo estrutural. Por essa razão é preciso pensar a interseccionalidade para compreender as relações e dinâmicas de poder na sociedade. Joana Ortega diz que “Nós, mulheres, temos sido tratadas nessa sociedade como seres inferiores, submissos e dependentes, sem nenhum direito e respeito por nossa identidade de gênero” (2005, p. 94).

Com toda essa construção de domesticalização, sem espaços de poder nas relações sociais, a fé cristã também vem como mais um elemento dessa inferiorização da mulher:

 

Assim a violência contra elas está presente por todas as partes e se ergue em múltiplas maneiras. Mulheres de todas as condições – crianças, jovens e anciãs, da cidade e do campo, crentes e não crentes – sofrem violência por sua condição de gênero. E mais, essa violência aparece muitas vezes justificadas, incentivada e sustentada religiosamente, e, o que é pior, frequentemente as próprias vítimas se desculpam e defendem o violador porque está internalizado os sentimentos de inferioridade e culpabilidade (ALLIONE, 2004, p. 153)

 

Entretanto, há mulheres que se rebelam e conseguem encontrar a voz silenciada por essas instituições sociais. A participação das mulheres nos movimentos populares oferece oportunidades de uma superação desses conceitos que as inferiorizam, mas antes as colocam como protagonistas de suas próprias trajetórias e lutas. Para Célia Pinto há três situações em destaques quando as mulheres iniciam a luta nos movimentos: i) as mulheres transcendem os limites impostos do privado, atuando e provocando novas relações; ii) mulheres que se articulam em lutas distintas em relação aos homens; iii) mulheres que, a partir desses encontros com outras perspectivas, questionam os papéis tradicionais de gênero. “A compreensão da subalternização e a reelaboração da visão de mundo têm sido fundantes para que as mulheres protagonizassem, dentro da luta pela terra, a luta de gênero” (SCHWENDLER, 2015, p. 104).

Acima lemos um pouco da história de Cleide, que rompeu seus preconceitos e foi se adentrando na luta com timidez até compreender e encontrar sua força e voz, ela partilhou esse processo:

 

Eu não participava de luta nenhuma porque eu tinha medo de ir pra luta. Aí tinha uma senhora, e ela: vamo, pro evento do dia 08 de março. Aí fui uma vez e tomei gosto pela luta. Fui em um fechamento de pista, comecei criando coragem, Deus foi me dando força e me mostrando que era esse o caminho. Antes, eu tinha medo e achava que sem-terra era bandido e desordeiro, mas depois que entrei, e como to agora, eu sou quase acampada, quase assentada. Não tem mais perigo de despejo. […] Essa luta, para mim, vale a pena.  Então, enquanto Deus me der força e me levantar, eu estarei na luta! MST para mim é tudo! (Cleide, MST-AL)

 

Romper o silenciamento, o medo e encontrar as potencialidades é algo precioso para as mulheres que, por inúmeras vezes, são silenciadas e subalternizadas em suas subjetividades, desejos e questionadas em seus saberes e força. A atuação do MST e do Setor de Gênero tem surtido efeitos em mulheres evangélicas que sofrem com uma cruz imposta, como diria a teóloga Ivone Gebara. O relato de Rosana também traz a superação do medo.

 

Eu fiquei mais determinada dentro do MST, eu era crente, mas eu era crente medrosa, para mim era tudo tão fácil, eu via as coisas perto e sem dificuldade, lá não, quando eu fui para o acampamento em 2017 eu comecei a aprender muita coisa porque aí eu tive que ser mais determinada, eu vou ter que fazer conforme eles dizem aqui, a seguir as regras (Rosana, MST-SC).

 

Encontrar a voz é adquirir a ousadia do sonhar, a ousadia de construir utopias concretas e lutas de emancipação das opressões de gênero, raça e classe e de tantas outras identidades marginais que cruzam as mulheres. A imaginação como ação concreta de resistência perante políticas e ações de morte e violência contra as mulheres.

No próximo texto, a última parte desta reflexão sobre as evangélicas entrevistadas no Primeiro Encontro Nacional das Mulheres Sem Terra, falaremos como o trabalho de base e a Bíblia podem ser um encontro potente, por vezes doloroso e outras vezes libertador, para as mulheres que seguem em luta.  Eliza sonha, e partilhamos desse sonho com ela:

 

Meu sonho é que a mulher conseguisse ter a liberdade dela. Sabe, a mulher é muito sofrida, muito… em geral, muita opressão, que ela tem que nascer para isso, que o serviço dela é esse. Ia ser lindo que eu conseguisse ver todas as mulheres terem voz, de dizer: “hoje eu não vou fazer comida”. Da mulher ser independente. Tem tanta mulher que está em casamento que não se amam mais, mas ela não tem coragem de trabalhar ou às vezes nem é coragem, mas é que desde criança colocaram na cabeça dela que era assim, daquela forma, que não pode sair do casamento, principalmente quando se está na igreja, que falam que é pecado, que fala na Bíblia… mas sempre sobra para o lado das mulheres, nunca dos homens. Os homens são “perfeitos”, podem fazer o que querem, mas as mulheres não podem, não tem direito… então, meu maior sonho é que todas, TODAS, se unissem de um jeito só, em uma voz só. Porque elas têm capacidade e podem se libertar dessa mente tão… que se esquece de olhar amplo e fica só aqui ó, e ver as outras possibilidades. Estou emotiva… (Eliza, MST-GO)

 

Referência bibliográfica

 

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