Eles começaram a guerra para matar nossas esperanças, mas não deixaremos isso acontecer
O artista de Gaza Ibraheem Mohana usa a pintura como resistência, ensinando crianças a expressarem esperança em meio à tragédia. Este mês, destacamos seu trabalho e também a luta de Cuba contra o bloqueio dos EUA, exibindo solidariedade global por meio da arte e do ativismo.
Ouça “Li Fairouz” de Nai Barghouti. A cantora palestina dedicou esta música ao povo de seu país e do Líbano.
Alguns dias atrás, encontrei um e-mail não lido enviado em 28 de outubro, que se perdeu na minha caixa de entrada. Era de Ibraheem Mohana, um artista de 18 anos que vive no norte de Gaza. “Tudo o que quero é compartilhar minha arte com o mundo antes de morrer”, escreveu, e assim começou nossa troca. Ele compartilhou alguns de seus esboços e pinturas feitos em diferentes mídias – lápis, pastéis a óleo, tinta acrílica e caneta e tinta. São, em sua maioria, retratos: a Estátua da Liberdade, um pescoço envolto em arame farpado e um rosto cheio de lágrimas; uma pessoa vestida com um keffiyeh, uma bandeira palestina e rosas; três figuras fantasmagóricas, envoltas em um pano branco manchado com impressões digitais vermelhas.
Essas são as imagens que você pode imaginar que um jovem de 18 anos que vive em Gaza criaria, chegando à idade adulta em meio a um genocídio que já dura mais de um ano. Em todo o mundo, bem longe de Gaza, temos visto repetidamente imagens de mais de 40 mil palestinos, a maioria mulheres e crianças, assassinados impunemente por Israel.
“Eles começaram a guerra para matar nossas esperanças, mas não deixaremos isso acontecer”, diz uma das postagens de Ibraheem nas redes sociais. Para ele, pintar, desenhar e esboçar é um ato de resistência, defendendo a esperança de seu povo. “O artista é aquele que usa seus olhos, sua mente e sua criatividade para fazer algo útil, para transmitir sua mensagem”. A mensagem de Ibraheem não é apenas pessoal, mas coletiva, elaborada com as crianças de seu bairro, para as quais ele ensina arte. Não muito tempo atrás, quando criança, Ibraheem aprendeu a fazer arte em aulas organizadas por seu professor Mohammed Sami. “Abu-Sami” os ensinou a fazer arte a partir da natureza, do lixo e “de tudo o que estivesse ao redor”.
Em 17 de outubro de 2023, Mohammed Sami foi morto nos primeiros dias do último ataque genocida de Israel contra Gaza. “Ele era uma pessoa maravilhosa”, Ibraheem me disse, “mas não quero usar a palavra ‘era’ — sua alma ainda está viva”. Quase adulto, Ibraheem está seguindo o caminho de seu professor. “Arte é a maneira como falamos quando as palavras não vêm facilmente. Com uma caneta, um pedaço de papel ou até mesmo uma lata de comida vazia, mostro às crianças aqui em Gaza que a arte está em todo lugar. É uma forma de contar nossas histórias, de deixar sair o que sentimos por dentro”. Ele tenta dar aulas de uma “maneira divertida e entretida, para que eles possam entender um pouco de arte e se orgulhar de si mesmos” — afinal, as crianças em Gaza ainda são apenas crianças.
Minha pintura favorita de Ibraheem é o retrato de um homem cujos olhos são marcados por olheiras, linhas densas que envelhecem prematuramente o rosto que, de outra forma, seria jovem. Um keffiyeh é colocado em um ombro, enquanto dois cactos verdes brotam do outro. Ele me enviou um esboço da imagem original, que foi desenhada com giz branco em um quadro verde na Escola Asmaa. Ibraheem lembrou a data de sua criação — 21 de agosto. No mês passado, os israelenses bombardearam a escola. Em tempos de genocídio, uma escola pode ser destruída tão rápida e descuidadamente quanto linhas de giz apagadas de um quadro-negro.
Na reprodução digital do original, Ibraheem escreveu em árabe: “Somos tão pacientes que até cactos crescem em nossos ombros”. Das ruínas e escombros, a resistência palestina continua a brotar, as papoulas e os cactos inevitavelmente retornarão. Para o Dia Internacional de Solidariedade com o Povo Palestino em 29 de novembro, nós do Instituto Tricontinental de Pesquisa Social estamos lançando uma exposição das obras de arte de Ibraheem e seus alunos, que você pode ver aqui.
Para que o mundo renascesse em sua vez
Filha das águas marinas
dormindo em suas entranhas,
Renasço da pólvora
que um rifle guerrilheiro
espalhou na montanha
para que o mundo renascesse em sua vez,
que renascesse todo o mar,
todo o pó,
todo o pó de Cuba.– “Renascimento” de Nancy Morejón
Em 30 de outubro de 2024, pelo 32º ano consecutivo, 187 países nas Nações Unidas votaram para condenar o bloqueio desumano contra Cuba. Os mesmos dois países responsáveis pelo genocídio em Gaza votaram a favor: Israel e os EUA.
A exposição #CubaIsNotAlone, um ato de solidariedade internacional que coincide com essa votação, foi organizada pelo movimento Artistas vs Bloqueio, reunindo 50 obras de 15 países. As exibições nas ruas da cidade de Nova York são uma celebração coletiva da resiliência cubana diante do bloqueio econômico, comercial e financeiro imposto pelos EUA por mais de seis décadas. Esse bloqueio tem sido mortal, e seus efeitos foram sentidos de forma especialmente intensa nas últimas semanas. Os furacões Oscar e Rafael atingiram a ilha caribenha, deixando milhões de pessoas sem energia, piorando uma rede elétrica já frágil. Seguidos por um terremoto de magnitude 6,8, os desastres destruíram pelo menos 34 mil casas e infraestrutura essencial em todo o país. A mídia ocidental rapidamente atribui o desastre às incapacidades do Estado cubano, como se a destruição fosse prova do fracasso do socialismo. O bloqueio, muito convenientemente, nunca é mencionado.
Como parte da exposição, Artistas vs Bloqueio publicou um panfleto quantificando o custo real do bloqueio. Dezoito dias de bloqueio equivalem ao custo anual de manutenção (excluindo combustível e investimentos) do sistema elétrico nacional. Ou seja, o mesmo sistema de energia que ficou obsoleto devido ao bloqueio e é destruído durante as tempestades anuais. Vinte e uma horas, nem mesmo um dia inteiro de bloqueio, equivalem ao custo de compra da demanda de insulina do país por um ano. Nos últimos 60 anos, o bloqueio custou a Cuba mais de 164 bilhões de dólares em danos, e esse número continua crescendo. Eletricidade, combustível, alimentos, remédios, a lista de danos do bloqueio continua — não deixando nenhum aspecto da vida cubana ileso.
“É extremamente importante destacar o fato de que a luta contra o bloqueio é uma causa de toda a humanidade”, disse-nos Kael Abello, membro do departamento de arte da Utopix e do Tricontinental, sobre sua participação na exposição. “A solidariedade internacional com as lutas populares em todo o mundo tem sido um aspecto fundamental da Revolução Cubana. Isso teve um resultado prolífico em termos de produção gráfica. Artistas cubanos se uniram às causas mais urgentes do Sul Global. É justo que artistas do mundo todo também se juntem à luta do povo cubano”. Você pode ver a exposição online aqui e se unir aos artistas que exigem o fim do bloqueio dos EUA e a remoção de Cuba da lista de terrorismo patrocinado pelo Estado.
Apesar desses tempos extremamente difíceis, o povo cubano continua praticando o internacionalismo. Iniciada pela Casa de las Américas, de 4 a 8 de novembro, a Casa Tomada em Havana sediou um encontro de jovens das Américas sobre o tema “identidade e resistência”. Nesse contexto, a Utopix e a Tiempos Modernos organizaram a exposição Cartografia da Memória e da Luta, com 30 cartazes de artistas internacionais que ajudaram a construir uma linha do tempo das lutas populares na América Latina — incluindo Ingrid Neves, do Tricontinental.
Em outras notícias…
No mês passado, a exposição MST 40 Anos, organizada em conjunto pelo Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) e outros parceiros, incluindo o Tricontinental, foi exibida na Escola Nacional Florestan Fernandes. Você pode ver todas as obras de mais de 150 artistas e muito mais no novo e-book, MST 40 anos, por terra, arte e pão.
Como parte do cinquentenário das relações diplomáticas entre o Brasil e a República Popular da China, participamos de dois eventos culturais, de Xangai a São Paulo. Houve o evento cinematográfico Cinema da Terra, que incluiu a exibição do premiado documentário de Camila Freitas sobre o MST, Chão . Os debates foram organizados pela Escola de Comunicação da Universidade Normal da China Oriental, destacando a luta pela terra e a reforma agrária como um elo entre os povos do Brasil e da China.
No Brasil, o evento O outro lado do mundo foi realizado em 7 de novembro na Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo, celebrando décadas de intercâmbio cultural por meio do teatro, cinema e literatura entre Brasil e China. Lá, também exibimos ilustrações de duas de nossas publicações, Vamos a Ya’nan: cultura e libertação nacional e Servir o Povo: A erradicação da pobreza extrema na China. Leia mais sobre a longa conexão cultural e política entre os povos brasileiro e chinês no meu artigo, “Sete décadas de amizade China-Brasil: Diplomacia Cultural, Reforma Agrária e a Guerra Fria”, recentemente publicado na Monthly Review.
Por fim, estamos lançando o cartaz final da série que celebra o Dia do Livro Vermelho todo mês. A arte deste mês é inspirada em Merebut Ruang Kota, do escritor indonésio Purnawan Basundoro: Aksi Rakyat Miskin Kota Surabaya 1900-1960 [Assumindo o controle do espaço da cidade: Ação dos Pobres em Surabaya 1900-1960]. Juntamente com a União Internacional de Editores de Esquerda, apresentaremos a série completa no calendário do Dia dos Livros Vermelhos de 2025, disponível aqui.
Cordialmente,
Tings Chak
Diretora de arte do Instituto Tricontinental de Pesquisa Social