Skip to main content
Artigos

A estratégia estadunidense para isolar a China

Incapaz de competir com a China monetariamente, Washignton usa retórica para isolar país asiático – Departamento de Defesa dos EUA

Por Vijay Prashad

Desde 2017, o governo dos Estados Unidos vem divulgando alguns relatórios e informativos sobre sua nova Estratégia Indo-Pacífico. É impossível analisar esse material e as declarações de oficiais de alto escalão de Washington, pois são em grande parte apenas frases vazias. Por exemplo, o que querem dizer quando falam que a Estratégia Indo-Pacífico vai promover “o comércio livre, justo e recíproco”? Cada um desses termos – livre, justo e recíproco – necessita elaboração. Mesmo assim, entre as centenas de páginas, não há explicação para nenhuma dessas afirmações.

O tamanho do investimento Chinês

O governo dos EUA já deixou claro que sua maior preocupação é a iniciativa chinesa chamada “Um cinturão, Uma Rota (BRI)”, que já inclui mais de 70 países mundo afora. Adotada em 2013, a BRI é vista como um mecanismo para acabar com a dependência da China em mercados ocidentais e gerar novas oportunidades em outros continentes.

A iniciativa também pretende usar as enormes reservas chinesas para construir infraestrutura em partes importantes da África, Ásia e América Latina. Até 2027, segundo estimativas da Morgan Stanley, Pequim vai gastar 1,3 trilhões de dólares nesse projeto ambicioso. Até mesmo a Arábia Saudita, forte aliada dos Estados Unidos, tornou o BRI um dos focos centrais de seu plano econômico Visão Saudita 2030.

Enquanto a China gastou 68 bilhões de dólares na construção do Corredor Econômico China-Paquistão, de Xinjang até Gwadar, a Arábia Saudita investiu 10 bilhões no porto da cidade paquistanesa.

O tamanho do investimento chinês e a quantidade de países com diferentes identidades políticas participando da BRI são impressionantes. No Fórum Comercial Indo-Pacífico, em julho de 2018, sediado pelo governo norte-americano em Washington, os Estados Unidos se gabaram de ter gasto 2,9 bilhões de dólares em projetos através do Departamento de Estado e a USAID (Agência Americana de Desenvolvimento Internacional). Disseram também, ter centenas de milhões em investimentos a serem feitos pela Millenium Challenge Corporation (MCC) e a Overseas Private Investment Corporation (programas estatais com incentivo privado).

A soma de tudo que os Estados Unidos pretendem gastar em projetos econômicos não chega a uma fração da quantia que a China já gastou. Com sua atitude “América em primeiro lugar”, não existe o apetite em Washington para investir nas regiões sendo beneficiadas pelo projeto chinês BRI.

Revindicações Militares

Aparentemente, investimentos norte-americanos só virão com revindicações militares. O Nepal debate gastar ou não 500 milhões de dólares de doações da MCC. Esse dinheiro obrigará o Nepal a permitir a presença de militares estadunidenses ou até uma base no país? Isso seria contraditório para o governo comunista de Kathmandu.

Alguns anos atrás, o Nepal descobriu uma enorme reserva de urânio em Mustang, perto da fronteira com a China; com certeza despertando um maior interesse dos EUA na economia nepalesa. Se o dinheiro de Washington necessariamente vier em conjunto com uma presença militar, isso seguramente criará serias tensões nos Himalaias.

Incapaz de concorrer com a China monetariamente, o governo estadunidense está usando o argumento retórico de que respeita mais a “transparência, os direitos humanos e valores democráticos” do que Pequim, que pratica “a repressão dentro e fora do país” (trecho do documento ‘O Indo-Pacífico Livre e Aberto’, novembro de 2019).

Documentos como esse são pura retórica. É difícil imaginar os Estados Unidos sendo “transparentes” sobre seus acordos comerciais. É também difícil de imaginar Washington argumentando que não deixará países endividados.

Existem inúmeros documentos provando que o governo norte-americano criou uma crise de endividamento em massa para países de terceiro mundo nos anos 1980. Isso foi aproveitado pelo Fundo Monetário Internacional (FMI) – liderado pelos EUA – e seu programa de Reajustes Estruturais, para estrangular países na África, Ásia e América Latina. Essa história ainda é viva e faz piada sobre as tentativas estadunidenses de dizer que seus métodos são superiores aos da China.

Além de tudo isso, os Estados Unidos já indicaram que não estão interessados em acordos multilaterais, já que se retiraram da Parceria Transpacífica em 2017, por exemplo. A Austrália e o Japão reclamaram, porém, logo depois, entraram na Parceria Econômica Regional Abrangente, que exclui os norte-americanos.

Em maio de 2018, Washington mudou o nome do seu comando militar no Pacífico para Comando Militar Indo-Pacífico, um gesto simbólico que dá um aspecto militar à Estratégia Indo-Pacífico. O governo de Trump deixou claro que apesar de toda sua fala sobre um “Indo-Pacífico livre e aberto”, o que realmente quer é o Indo-Pacífico com menos navios chineses e mais navios de guerra americanos.

Em 2017, pouco antes dessa mudança de nomeclatura, a Agência de Segurança Nacional disse que “a China pretende remover os Estados Unidos da região”, logo, a Estratégia Indo-Pacífico pretende lutar pelo domínio estadunidense no Oceano Índico, Pacífico e continente Asiático.

Distanciamento

Com o crescimento do aspecto militar da Estratégia Indo-Pacífico, Japão e Austrália se distanciaram de uma adesão completa ao projeto estadunidense. O Japão começou a usar o termo “Indo-Pacífico” sem se referir à “Estratégia”, enquanto a Austrália assinou uma “parceria estratégica compreensiva” com a China.

Apenas a Índia permanece fiel à agenda do presidente Donald Trump, que chega aqui com nada mais que um monte de truques. Em nenhum dos documentos publicados pelo governo americano, ou depoimentos de oficiais, discute-se a estratégia de conter a China. Existe apenas a retórica que beira territórios beligerantes.

A Índia seria sábia em estudar o projeto de Washington antes de aderir a ele com tanto entusiasmo. O espaço para uma política externa indiana independente já é pequeno e a abertura para uma política comercial independente está igualmente sufocado.

Continuar como um aliado subordinado aos Estados Unidos sugere que a Índia vai perder a oportunidade de fazer parte de uma Ásia reformulada.

*Vijay Prashad é Diretor do Tricontinental do Instituto de Pesquisa Social. Artigo publicado originalmente em The Hindu.