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Capitalismo ContemporâneoObservatório Forças da Desigualdade

América Latina e o Caribe nos primeiros meses de 2022: guerra, crise econômica e possibilidades de mudanças

Observatório Forças da Desigualdade

 

Informe OBSAL #17 | 1 de janeiro a 15 de maio de 2022

Observatório da América Latina e Caribe

O Informe #17 do OBSAL é o primeiro do ano de 2022. Nele, foram analisadas as principais movimentações políticas, entre janeiro e início de maio, na região da América Latina e do Caribe. O destaque desses quatro meses ficou para os efeitos da Guerra da Ucrânia nos países da região. O conflito é entendido como uma das manifestações da transição da hegemonia do ocidente para o oriente e da nova estratégia estadunidense, levada a cabo pelo governo Biden, que se caracteriza pela tentativa de reconstrução de uma globalização unipolar, como temos analisado em vários de nossos informes anteriores.

Se, por um lado, os números da pandemia estão em queda e as infecções pelas novas cepas não estão evoluindo para casos graves – por conta da vacinação e da imunização comunitária -, por outro lado, os efeitos do conflito na Ucrânia potencializam os problemas socioeconômicos dos países da América Latina e do Caribe, que já se encontravam em situação fragilizada, diante dos estragos da crise da covid-19.

Rússia e Ucrânia são responsáveis por parte significativa da oferta global de matérias-primas, insumos para a produção, alimentos e combustíveis. O efeito imediato desse conflito foi a alta dos preços internacionais de produtos essenciais, como é o caso do petróleo e do gás natural, levando à aceleração inflacionária na região. Nesse contexto, a FAO alertou, em seu último relatório, sobre a possibilidade real de uma crise alimentar em ordem global. A Cepal diminuiu a projeção de crescimento da região para 1,8%. Os efeitos não param por aí. Os EUA, para frear a escalada dos preços em sua economia, adotaram um aumento da taxa de juros, o que tem como principal efeito a fuga de capitais dos países da América Latina e Caribe, deixando-os mais vulneráveis em relação a crises cambiais. Por fim, vale destacar a ingerência externa dos interesses de países e empresas extrativistas em torno das reservas minerais da Nuestra América, no contexto de guerra e busca por novas fontes de abastecimento.

Viajando pela conjuntura continental, encontramos uma região andina com possibilidades e esperanças de mudança, em meio a crises generalizadas. Na Colômbia, o destaque fica para o contexto eleitoral.  Em março, foram realizadas as eleições legislativas e a coalizão do Pacto Histórico (PH) se consolidou como a principal força política do país. As eleições presidenciais, por sua vez, aconteceram  no dia 29 de maio, e os comícios e campanhas ocorreram em um quadro de ampliação da violência. O segundo turno das eleições estão marcadas para o dia 19 de junho entre o candidato de esquerda Gustavo Petro (Pacto Histórico), que obteve 40,33% da votação, e Rodolfo Hernández (Liga Anticorrupção) que ficou com 28,14% da preferência. Hernández desbancou o favorito ao segundo lugar Federico Gutiérrez, o candidato do uribismo.

Na Venezuela, nesses primeiros meses de 2022, foram manifestados sinais de força da Revolução Bolivariana. Apesar da pandemia e da ingerência imperialista para desestabilizar o governo de Nicolás Maduro, as boas notícias são no campo econômico: a diminuição da dependência das importações de alimentos, o que teve um impacto positivo no controle da inflação e a perspectiva de crescimento, estimada pela Cepal, de 5,5%, com as janelas de oportunidades para exportação de petróleo. No campo das relações internacionais, a importância diplomática e econômica da Venezuela se manifestou, no contexto da guerra, no fato de que os Estados Unidos decidiram flexibilizar algumas das medidas do bloqueio impostas de forma unilateral contra o país.

A instabilidade política no Peru ganhou novos capítulos com os efeitos da guerra da Ucrânia. O aumento dos preços de combustíveis e de serviços levou inúmeras pessoas para as ruas para protestarem contra a situação socioeconômica do país. Diante do grave cenário social, as forças opositoras aprofundam a crise política, por meio de tentativas de colocar o cargo à presidência em vacância, com a justificativa de o presidente não ser capaz de liderar o país.

O cenário bélico na Europa abriu a possibilidade para se discutir a soberania energética na Bolívia. O país possui ricas jazidas de gás e uma das principais reservas de lítio. O Estado Plurinacional da Bolívia foi anfitrião, em abril, de um foro virtual para discutir o lítio na América Latina e no Caribe. O evento contou com a participação da Cepal e das máximas autoridades em matéria energética da Argentina, do Chile e do México.

O destaque do Equador fica para o aumento da violência urbana nesses primeiros meses de 2022. O país enfrenta uma crise humanitária dentro de suas penitenciárias e vê crescer o número de assassinatos . Ainda, a ausência de políticas por parte do governo Lasso para mitigar os efeitos da crise humanitária e a socioeconômica, diante do cenário de guerra, fez o custo de vida disparar.

Os principais fatos do Cone Sur se desenvolveram entre os efeitos da guerra da Ucrânia e as movimentações políticas eleitorais. No Brasil, a situação socioeconômica continua a castigar os mais pobres, com a escalada dos preços e manutenção da alta taxa de desemprego. O projeto de destruição colocado em prática pelo governo Bolsonaro segue com seus intentos. O alvo principal foi o meio ambiente e as terras indígenas. No plano eleitoral, Lula segue liderando as pesquisas. Bolsonaro cresceu na pontuação ao longo desses primeiros meses do ano, mas algumas pesquisas ainda apontam para a possibilidade de vitória do candidato petista no primeiro turno. No segundo turno, os números estão mostrando vitória de Lula em todos os cenários.

No Chile, a intensidade no cenário político continuou nos primeiros meses de 2022. O presidente Gabriel Bóric tomou posse em março e, segundo pesquisas, nessas poucas semanas de gestão sofreu uma queda na sua imagem, num panorama de certa direitização do cenário político. Nesse contexto, os debates sobre a nova Constituição dividem opiniões: nos últimos meses a rejeição cresceu e no momento está acima da aprovação. Na Argentina, a crise política está relacionada às diferentes abordagens da Frente de Todos à crise social e econômica – em um contexto de alta inflação – e ao acordo com o FMI em relação à dívida externa, deixada pelo governo neoliberal de Macri.

O Paraguai, que também está passando por crises econômica e social, tem seu cenário político atravessado, quase exclusivamente, pelos movimentos relacionados às eleições presidenciais de 2023. No Uruguai, em um contexto de crescimento da inflação e deterioração da renda, o destaque foi o referendo  pela “Ley de Urgente Consideración”, realizado em março, que culminou com o triunfo do “Não” (revogação) por uma pequena margem: 49,9% a 48,8% do Sim, com 1,3% dos votos em branco.

Na região da Mesoamérica, a questão migratória é uma das problemáticas mais importantes e urgentes. Nos primeiros meses de 2022, várias caravanas migratórias foram realizadas, registrando, em março, o maior número de fluxos migratórios na fronteira EUA-México desde 2000. Os desafios políticos que a chamada “quarta transformação” (4T) enfrenta potencializam a necessidade de promover a democracia participativa na população para minar as raízes neoliberais das instituições e da sociedade mexicana.

No dia 27 de janeiro Xiomara Castro assumiu a presidência de Honduras, deixando para trás 12 anos de regime do Partido Nacional imposto pelo golpe de Estado contra  Manuel Zelaya, no ano de 2009. A presidenta, em seu discurso de posse, prometeu uma série de medidas para melhorar a vida do povo hondurenho e mudanças na política internacional, reaproximando o país da Venezuela e da China. Costa Rica também tem um novo presidente. No dia 8 de maio, Rodrigo Chavez assumiu, após ganhar, em abril, as eleições no segundo turno. Ele  surgiu por fora das estruturas partidárias e construiu um perfil outsider da política. Durante 30  anos foi funcionário do Banco Mundial e ocupou o cargo de Ministro da Fazenda em  2019.

Episódios de violência marcaram os primeiros meses de 2022 em El Salvador. Essa violência vem sendo colocada em prática por grupos criminosos e pela própria política do governo de Nayib Bukele, que, em 27 de março, decretou Estado de exceção. Na Guatemala, grupos de camponeses e sindicalistas organizaram protestos contra o governo de Giammattei. As reivindicações giram em torno de condições de vida melhores, diante da escalada inflacionária e contra a corrupção. Em março, foi aprovada a Lei de proteção à vida e à família, que agrava as penas por aborto e define como única viável a família nuclear, constituída por pai, mãe e filhos. Finalmente, no caso da Nicarágua, o governo de Daniel Ortega anunciou em abril que o país deixará a OEA por conta de sua política intervencionista e excludente, alinhada com os Estados Unidos.

Em Cuba, entre fevereiro e abril, foi realizado um processo de consulta popular sobre o Novo Código da Família, que busca legalizar as uniões civis entre pessoas do mesmo sexo, e a possibilidade de adoção, que foi aprovada por maioria. No fechamento desta reportagem, no início de maio, houve uma explosão, devido a um vazamento de gás, no Hotel Saratoga, resultando na morte de 45 pessoas. O evento teve um forte impacto no povo de Havana, que deu novos sinais de solidariedade ao cuidar das dezenas de feridos e ajudar a resgatar sobreviventes. Também no início de maio, o governo Biden anunciou a eliminação do limite de remessas entre Cuba e os Estados Unidos, bem como a retomada de voos comerciais e privados.

O começo do ano de 2022, no Haiti, esteve marcado pela continuidade da violência, que vem aumentando nos últimos anos. Até o mês de março, se registraram 225 sequestros no país, o que representa 58% mais do que em 2021. A violência vem do establishment paramilitar e seu principal objetivo é paralisar a população, impedir o movimento popular, romper o tecido social e a resistência para que o governo possa continuar implementando políticas antidemocráticas.

Diante do cenário de aumento da violência no Haiti, o governo da República Dominicana vira as costas para os haitianos ao ratificar a construção de um muro fronteiriço entre os países. Por outro lado, na Jamaica, sopram ventos republicanos com o crescimento das ideias de deixar para trás a monarquia, como ocorreu em Barbados em novembro passado.

Em síntese, como referimos no início deste resumo, a situação continental foi marcada, nos primeiros meses de 2022, por um lado, pelo desenvolvimento da guerra na Ucrânia e seus efeitos econômicos, e, por outro lado, pelas intenções de reativação da integração regional. Em meio às diferentes particularidades, começa a se articular uma posição de soberania e integração, promovida por alguns países da região que levantam a necessidade de fortalecer a unidade latino-americana e caribenha, conforme evidenciado na posição comum contra a exclusão feita pelos Estados Unidos a Cuba, Venezuela e Nicarágua por não os convidar a participar da próxima edição da Cúpula das Américas.

Esta edição do Relatório de Conjuntura deixa a questão em aberto sobre as possibilidades de mudança e fortalecimento do projeto de soberania continental, no cenário de um mundo com tendências cada vez mais multipolares e onde as receitas de Washington são evidentemente antagônicas às necessidades dos povos da nossa região.

Clique aqui para ler o relatório na íntegra.