Skip to main content
FuturoPesquisa sobre os Evangélicos e a Política

As principais notícias do mundo evangélico – Setembro/2021

Pesquisa sobre os Evangélicos e a Política

Segundo pesquisa Datafolha, atualmente apenas 29% dos eleitores evangélicos aprovam a atuação do presidente; em janeiro esse percentual era de 40%. Foto: Rovena Rosa/Agencia Brasil.

 

 

N° 9/2021

 

Os arroubos antidemocráticos e golpistas de Bolsonaro afastaram alguns antigos aliados evangélicos do presidente. Dessa forma, tem prejudicado, ainda mais, a aprovação do pastor presbiteriano e “terrivelmente evangélico” André Mendonça como ministro do STF. Entidades religiosas se manifestaram contra o governo, demonstrando que sua base mais fiel não é tão estável assim. O campo progressista segue com a tarefa inadiável de vencer seus preconceitos e avançar no diálogo profundo e cotidiano com a classe trabalhadora evangélica. Seguem as notícias do último mês:

 

Fundamentalismo

No último mês a Agência Pública divulgou quem é o evangélico pentecostal Waldemar Herdt, membro do Parlamento Federal Alemão vinculado ao maior partido da extrema direita alemã – AfD (ligado inclusive a grupos neonazistas), que veio ao Brasil em plena pandemia (março de 2021) para se encontrar com políticos e pastores. A reportagem ajuda a refletir sobre as estratégias de poder em voga, em que a direita cristã de diversos países atuam estrategicamente para redefinir padrões de direitos humanos – principalmente contra as pautas referentes a gênero e sexualidade.

Mas não precisamos dos alemães da direita cristã  fundamentalista por nossas terras, já temos desses aos montes por aqui.  O mais influente pastor do atual governo, Silas Malafaia, continua destilando seu ódio, e chegou, inclusive, a pedir o impeachment de Alexandre de Moraes, ministro do Superior Tribunal Federal, além de apoiar a conhecida “intervenção militar”. No entanto, até para a Bancada Evangélica há um limite. O deputado governista e pastor da Assembleia de Deus Silas Câmara (PRB-AM), que até o ano passado presidia a Bancada, se manifestou defendendo a Democracia e a Constituição. Parece que a estratégia de “radicalizar” o discurso ultraconservador tem sido um tiro no pé para a direita cristã no poder.

Mas qual o limite do conservadorismo? Qual a força que os ultraconservadores têm em nossa sociedade? Pesquisa realizada pelo Instituto Locomotiva aponta que o equivalente a 6,5 milhões de eleitores (4%) defendem ideias consideradas ultraconservadoras. A pesquisa considerou o que pensam os eleitores sobre porte de armas, laicidade do Estado – “o Estado não deve ser laico, mas cristão” – e igualdade de gênero. Parece importante ampliarmos nosso olhar para além do baixo percentual e tentar perceber onde essas narrativas encontram ecos que, de alguma forma, podem influenciar a sociedade como um todo – ainda influenciam ou será que estão apenas falando entre eles?

E voltamos ao pode-não-pode dos cultos presenciais, que é sempre pauta por aqui: em Pernambuco, decreto exige que em todos os municípios do Estado os fiéis apresentem comprovante de vacinação das duas doses da vacina ou teste negativo de Covid-19 para frequentarem igrejas e templos com cultos ou eventos comportando mais de 300 pessoas. A Bancada Evangélica da Assembleia Legislativa de Pernambuco e a Associação Nacional dos Juristas Evangélicos (Anajure) se manifestaram contra o decreto. A Bancada protocolou um pedido para que o trecho sobre a obrigatoriedade da vacinação e teste fosse temporariamente suspenso. No  caso da Anajure, a manifestação parece no mínimo questionável, dado que estamos ainda enfrentando uma pandemia que matou em nosso país mais de 600 mil pessoas até o momento. Para os juristas, entre o direito à saúde e à liberdade religiosa, fica-se com a liberdade religiosa: “no caso em questão, a determinação de exigência dos comprovantes vacinais e/ou resultados negativos dos testes constitui restrição ao direito à liberdade religiosa, a fim de se resguardar o direito à saúde”. Como conciliação, a Anajure propõe que se mantenham os protocolos sanitários já utilizados: distanciamento social, obrigatoriedade do uso da máscara e álcool 70%. Lembrando mais uma vez que a vacina é um pacto coletivo e que apesar do número de infectados e mortos ter diminuído a pandemia não acabou.

 

Bolsonaro

Nem só de flores vive a relação de Bolsonaro com seus pastores governistas. Silas Malafaia e o pastor e deputado federal Marco Feliciano ameaçaram um rompimento com o presidente por conta da possível legalização de jogos de azar. Bolsonaro é favorável à legalização de cassinos no Brasil, mas terá que fazer o cálculo político para saber se vale a pena arriscar perder apoiadores de peso como os pastores que têm sido tão fiéis a ele.

Ainda sobre os espinhos entre Malafaia e o presidente, o pastor se manifestou em seu Twitter contrário à posição de Bolsonaro, que achou melhor colocar panos quentes em seu próprio discurso golpista contra Alexandre Moraes. Malafaia escreveu: “Continuo aliado, mas não alienado! Bolsonaro pode colocar a nota que quiser, Alexandre de Moraes continua a ser um ditador da toga que rasgou a constituição e prendeu gente inocente. Minhas convicções são inegociáveis!”.

Ainda que a base evangélica da classe trabalhadora possa não se identificar plenamente  com os discursos raivosos das grandes lideranças fundamentalistas, Malafaia ainda é um aliado importante para a relação do presidente com apoiadores mais radicais, e seus discursos podem inclusive ter um papel mobilizador nesse setor. Pelas notícias, é melhor Bolsonaro ajustar seu discurso, dado que a base evangélica tem se mostrado nem tão fiel assim e ele não pode se dar ao luxo de descartar aliados nesse momento em que sua popularidade segue caindo ladeira abaixo. Segundo pesquisa Datafolha, atualmente apenas 29% dos eleitores evangélicos aprovam a atuação do presidente; em janeiro esse percentual era de 40%.

Para não se afogar, ainda que Bolsonaro tenha abandonado o pastor presbiteriano e ex-ministro da Justiça André Mendonça para a corrida ao STF, como veremos mais adiante, o presidente afirmou que, caso Mendonça não seja aprovado, manterá o compromisso com a base, indicando outro evangélico para o cargo. 

 

7 de Setembro

O 07 de Setembro deste ano foi marcado por dúvidas, inseguranças, ataques à democracia e resistências. Bolsonaro, de fato, colocou muita gente nas ruas, mostrando que não está tão morto quanto parecia. Seus apoiadores parecem os mesmos de sempre, ou seja, não são novas narrativas de apoio, continuam os mesmos: homens, brancos de “classe média”, mais velhos. Dentre eles, não poderiam faltar as lideranças evangélicas. Essas lideranças mobilizaram os grupos de WhatsApp, chamando para o ato a favor do presidente. Vale citar quem são eles, segundo a Agência Estado: “São pastores televangelistas e influenciadores digitais. (…) Cláudio Duarte (Projeto Recomeçar), Renê Terra Nova (M12), Samuel Câmara (Assembleia de Deus em Belém), César Augusto (Fonte da Vida), Silas Malafaia (Vitória em Cristo) e Estevam Hernandes (Renascer em Cristo”. Também Magno Malta, cantor Gospel da Igreja Sara Nossa Terra.

Pela pátria, pela democracia e pela liberdade de expressão foram as bandeiras que as lideranças se utilizaram para justificar suas pautas  antidemocráticas e golpistas. O discurso das lideranças evangélicas nos atos é o de sempre: de que Bolsonaro é o homem escolhido por Deus para ocupar o maior cargo institucional do país, e prova disso é o espaço que as igrejas evangélicas estão tendo nesse governo. Silas Malafaia, como sempre, esteve à frente, chamando à participação no seu tom sensacionalista de sempre: “Dia sete de setembro só devem ficar em casa as pessoas que estão enfermas, que têm comorbidades sérias ou aqueles que querem ser escravizados vivendo sem liberdade”.

Para os apoiadores que colocaram seus rostos em defesa do Presidente o saldo não foi muito positivo. As cantoras gospel Jozyanne Oliveira e Eyshila Santos, principais nomes da igreja Assembleia de Deus Vitória em Cristo, de Silas Malafaia, perderam milhares de seguidores após a manifestação.

Alguns antigos apoiadores de Jair Bolsonaro se manifestaram dizendo que não sairiam às ruas. O deputado Toninho Wandscheer (Pros), que foi vice-líder do governo no Congresso afirmou: “Sou evangélico, mas não faço política com a igreja. Eu acho que a função da igreja é pregar o Evangelho, o amor de Deus. É isso aí [os atos de amanhã] está um pouco exagerado. Cada um tem sua escolha, mas a participação de evangélicos amanhã não representa a opinião de todos. Eu sou a favor da liberdade, mas não da liberdade sem responsabilidade”.

Grupos religiosos também se manifestaram contra o ato. O Movimento Batista por Princípios escreveu uma nota desconvocando para o ato, trazendo seu caráter antidemocrático e fazendo um balanço crítico ao atual governo, afirmando “com ênfase, que a convocação para tal manifestação pública, embora exiba como fachada a defesa da liberdade e da democracia, na verdade se revela como astuta tentativa do atual governo de provocar rupturas institucionais e criar ambiente favorável a instalação de um governo autoritário e personalista”.

Por fim, a jornalista e pesquisadora Magali Cunha publicou uma interessante análise sobre os cristãos que foram ao ato a favor de Bolsonaro, debatendo do ponto de vista da construção teológica, social e política o que representa este governo para as lideranças evangélicas que ainda o apoiam. Afirma que há uma moralidade ressentida “É um ressentimento branco e masculino, de indivíduos e grupos de classes sociais e formação educacional distintas, que se sentem enfraquecidos por elementos produzidos pela democracia, pela ascensão da visibilidade de mulheres e de LGBTI+ dos direito de gênero, por serem confrontados quando expõem posições machistas, homofóbicas ou racistas. Esse ressentimento se manifesta na rejeição, por vezes como ódio, em relação a associações e organizações sociais (partidos políticos, sindicatos, movimentos, ONGs), que buscam a igualdade, o respeito às diferenças e o direito das minorias sociais, e a lideranças que se destacam em ações desta natureza”.

 

Ministros evangélicos

Damares

Não é esquerda ou direita que vai transformar o Brasil, mas a Igreja”. Começamos com ela, a ministra da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos e pastora batista, Damares Alves. No evento online Jornada em defesa da Vida e da Família, a ministra fez uma avaliação positiva do governo, mencionando o caráter cristão e o papel da Igreja na atual gestão. Apesar de vivermos em um Estado (que deveria ser) laico, suas falas deslocam a responsabilidade do Estado como garantidor de direitos e de superação das desigualdades para a Igreja, e pela absorção dos valores cristãos (apesar de em seus discursos defender a liberdade religiosa, desconsidera em suas falas, por exemplo, as religiões de matriz africana, dado que a todo momento são os valores cristãos que são enaltecidos).

Dentro dessa narrativa, obviamente, compreende-se por direitos humanos aquilo que uma parte da Igreja cristã considera como direitos humanos. O direito ao aborto, portanto, não entra como pauta de políticas públicas, mas é avaliado do ponto de vista moral. Em agosto, o Conselho Nacional de Direitos Humanos publicou uma recomendação que “assegure às mulheres e meninas o acesso ao aborto legal, inclusive com recurso ao atendimento por telemedicina, através do Sistema Único de Saúde – SUS”. Damares Alves, como era de se esperar, repudiou a recomendação, afirmando que o aborto não é reconhecido como direito humano e que a recomendação do conselho “põe em risco a vida das mulheres”.  Sabe-se do elevado número de mortes sofridas pelas mulheres por conta da realização de abortos clandestinos, sendo essa uma questão de saúde pública que o governo, claramente, não vai enfrentar, se não, apenas, do ponto de vista moral, colocando, aí sim, em risco a vida das mulheres.

Sobre o futuro de Damares, há quem tenha apostado que seria um nome forte para a vice-presidência, mas parece que a aposta, segundo o ex-ministro do meio ambiente, Ricardo Sales, é que ela concorra ao Senado pelo estado do Pará. A ministra negou, afirmando que, depois de cumprir sua missão no ministério, quer voltar para a sua vida de antes.

Milton Ribeiro

O atual ministro da educação, o pastor presbiteriano Milton Ribeiro, segue lançando suas “pérolas”. Em agosto, afirmou que não adianta diploma se não há emprego. A fala repercutiu negativamente e diversas organizações se manifestaram enfatizando a necessidade de ampliação do número de jovens nas universidades que buscam além de um emprego, ampliar sua formação: “O Sindicato Nacional dos Docentes das Instituições de Ensino Superior repudia a fala do ministro e compreende que ela está conectada com o projeto de educação que esse governo tem, que é elitista, privatista e excludente. Nesse sentido, é mais um incentivo para que pessoas, principalmente os filhos e filhas da classe trabalhadora, não procurem o ensino superior porque, na concepção deles, tem que ser para poucos”.

A política elitista, privatista e excludente desse governo pode ser lida nos dados: este ano, o Enem (Exame Nacional do Ensino Médio) teve a menor proporção de inscritos pretos, pardos, indígenas e candidatos com renda familiar inferior e 1,5 salário mínimo dos últimos dez anos.

Nesse cenário, felizmente, o STF se manifestou decidindo reabrir o prazo de isenção da inscrição, dado que o Ministério da Educação não aceitou grande número de declarações de carência. A decisão pode atrasar a prova. Apesar da manifestação do STF, segundo o partido Rede e a Educafro, o Ministério da Educação (MEC) não cumpriu com a decisão integralmente, dado que só considerou os estudantes que tiveram o benefício em 2020 e se ausentaram da prova. O partido e a entidade se manifestaram e também solicitam que haja divulgação da decisão do STF. Para o MEC a decisão se refere somente ao recorte mencionado: “Assim, a reabertura do sistema de inscrição, portanto, seria para viabilizar a inscrição de 2.330.019 participantes isentos e ausentes na edição do Enem 2020 e que não se inscreveram (por quaisquer motivos) na edição do Enem 2021”. O caso ainda não foi resolvido.

Milton Ribeiro tem desagradado até a primeira dama, Michelle Bolsonaro, com suas declarações, ficando cada vez mais isolado no governo. Michelle, que apostou na bandeira da inclusão para cumprir seu papel neste governo, incomodou-se com a fala do ministro, que afirmou que crianças com deficiência atrapalham. Outros integrantes do governo têm pedido a cabeça do ministro. Cacifado ainda por Jair Bolsonaro, parece que o fato de o ministro ser um pastor evangélico tem sustentado sua permanência por conta da necessidade do presidente em se manter conectado à base evangélica.

Felizmente, essa tragédia, ou melhor, as falas absurdas do ministro podem não passar impunes. Erika Hilton (PSOL) e Maria Marighella (PT) enviaram uma representação ao Ministério Público Federal pedindo que Milton Ribeiro seja investigado e condenado pelo crime de improbidade administrativa por conta de falas como a que diz ter jogado “na lata do lixo”, 300 milhões de reais com a edição do Enem deste ano e que a suspensão da gratuidade na inscrição era para disciplinar estudantes faltosos.

Para resolver os déficits orçamentários, a aposta atual do ministro é, em meio a uma crise de conectividade, dado que não há internet de qualidade para grande parte dos estudantes, criar a primeira universidade federal digital do país  como forma de baratear o custo das universidades: “É isso que temos visto em grandes países que estão desenvolvendo essa ferramenta. Vamos começar com alguns cursos e todos vão poder ter acesso, pois com 400, 500 professores, eu posso atingir a milhões de alunos no país todo, obedecendo às premissas do PNE”. Esse tipo de proposta dialoga com a visão mercantilizada e tecnicista da educação, que enxerga a universidade como espaço de formação unicamente para o mercado de trabalho

André Mendonça

A grande novela do terrivelmente evangélico André Mendonça e a vaga no STF ainda não chegou ao final.

Ansioso pela sabatina para finalmente tornar-se o ministro do STF, o jeito é contar com aliados, já que o próprio Bolsonaro não tem dado lá muita atenção – inclusive no começo do mês passado se manifestou contrário a certa simpatia de André Mendonça à Operação Lava Jato. “Também não gostei”, disse o presidente. Silas Malafaia tem se manifestado contra a reeleição do senador Davi Alcolumbre (DEM-AP), responsável por marcar a sabatina. Ele afirma que Alcolumbre atua contra André Mendonça pelo fato de ele ser evangélico. As acusações chegaram aos ouvidos do senador, que disse que é judeu e atua contra a intolerância religiosa. A estratégia então foi sair um pouco da aba de Alcolumbre e tentar outro caminho. O escolhido foi o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG). Uma comissão formada por pastores se organizou para falar com Pacheco sobre Mendonça.

O 7 de setembro de Bolsonaro prejudicou ainda mais as aspirações do ex-ministro. Os arroubos antidemocráticos do presidente têm contribuído para que a espera para a sabatina de Mendonça alcance tempo recorde. Augusto Aras, procurador-geral da República é, atualmente, o nome defendido abertamente por parlamentares governistas.

Para a comentarista Natuza Neria, Mendonça está abandonado à própria sorte porque políticos poderosos envolvidos em corrupção, como o próprio presidente Jair Bolsonaro,  sabem que o nome de Aras é mais seguro para passar a mão na cabeça e proteger esses políticos contra investigações.

Nesse imbróglio, a saída para André Mendonça foi voltar a pregar nas Igrejas para aparecer “mais evangélico”. Pastor presbiteriano, foi pregar na Assembleia de Deus – Ministério Madureira junto ao líder da Bancada evangélica, deputado federal Cezinha de Madureira (PSD-SP). O local é frequentado por políticos como o próprio Bolsonaro e o ex-deputado Eduardo Cunha. Mendonça tem divulgado essas fotos e apostado cada vez mais nos apoiadores evangélicos para garantir a sonhada (e, parece, distante) vaga no STF.

Mas por que as lideranças evangélicas querem um ministro “deles” no Supremo? Afirmam que são 30% da população e nada mais justo ter um deles ali, mas o que querem na verdade é que a Justiça avance em pautas conservadoras, terreno onde têm obtido sucessivas derrotas, como o aval para prefeitos e governadores fecharem templos na pandemia, a permissão do aborto em caso de anencefalia, a legalização do casamento gay, criminalização da homofobia, proibição  da “escola sem partido” e aprovação do uso do nome social para transgêneros. As pautas morais são o carro chefe dos evangélicos que ocupam hoje espaços institucionais de poder, sendo assim, ter um evangélico como ministro do STF é importante para barrar pautas mais progressistas ou avançar nas pautas mais conservadoras que este grupo tem defendido.

 

Eleições 2022

Bolsonaro segue em suas artimanhas para manter seu eleitorado que era o mais fiel, mas não é mais. No entanto, não é só ele que percebeu a importância da aproximação com os evangélicos. Lula tem se concentrado na tarefa de aproximação, inclusive dentro do PT há um grupo de evangélicos organizados para esse diálogo. A estratégia é se aproximar de pastores e da base social nas periferias para avançar nas intenções de voto.

A pesquisa Datafolha traz alguns dados importantes para alimentar o debate. Atualmente há um empate técnico entre Bolsonaro e Lula no eleitorado evangélico. Ou seja, a popularidade do atual presidente é sentida também nesse setor.

Não só os candidatos à presidência têm compreendido a importância de acessar os evangélicos. Nas eleições para o governo do Rio de Janeiro, candidatos têm colocado em suas agendas essa aproximação. Cláudio Castro (PL), Marcelo Freixo (PSB) e Rodrigo Neves (PDT) seguem criando estratégias de diálogo com setores cristãos – católicos e evangélicos.

 

Teologia do domínio

A narrativa e cosmovisão de lideranças fundamentalistas do campo evangélico não está só nas instituições oficiais de poder, tem ocupado espaço em toda a sociedade a partir de um projeto – está na política, na economia e também na arte, na cultura, educação e lazer.  O líder da Igreja Universal do Reino de Deus Edir Macedo, que tem milhões de exemplares vendidos de suas obras pelo mundo todo, lançou seu mais novo livro: “Eis-me aqui, Senhor”. Segundo reportagem, o livro aborda qual deve ser a conduta de um fiel: comportamento, caráter, escolhas, lutas, fé e salvação. 

Edir Macedo, como sabemos, não dissemina suas ideias somente pelos livros, dado que sua Igreja é dona de uma das maiores redes de televisão do Brasil. A Rede Record tem ido além e quer que sua dramaturgia seja ocupada por atores evangélicos e para isso tem apostado na formação de atores e atrizes de suas igrejas para atuarem nas novelas. A IURD já tem diversos grupos de teatro amador, mas acredita que não é suficiente “A ideia, que está sendo orçada, é criar uma escola de teatro nos moldes de Wolf Maya, mas exclusivamente voltada para os membros da Igreja Universal, que bancaria o projeto. Este grupo teria aulas de interpretação, mesmo com professores não evangélicos, para se profissionalizar como atores e atrizes. A emissora e a igreja buscam a forma jurídica para que o curso entregue até a DRT, que é a carteira profissional de ator”.

Está em debate ainda o projeto do governo do Distrito Federal que quer construir em Brasília o Museu da Bíblia. Não houve consulta popular para a construção e sabe-se que parte da população tem se manifestado de forma contrária ao projeto. O edital para as obras foi suspenso em agosto. Para a pastora e secretária geral do Conselho Nacional de Igrejas Cristãs do Brasil (Conic), Romi Bencke, a construção de um museu que aposta em uma única tradição religiosa realizada com dinheiro público deve causar desconforto “inclusive em nós, pessoas cristãs, por desconsiderar totalmente as outras expressões sagradas”.

O criminalista Alexandre Barroso tem se articulado em 18 estados brasileiros para incentivar a participação de evangélicos nas chapas no processo eleitoral das seccionais da OAB de 2021. Segundo reportagem, “o advogado argumenta que os evangélicos são subrepresentados não apenas na OAB, mas também no Poder Judiciário, e cita como exemplo a resistência em torno de André Mendonça ao Supremo Tribunal Federal pelo presidente Jair Bolsonaro”.

É também no cotidiano da vida dos trabalhadores periféricos que a narrativa crente aparece, reconfigurando os territórios com uma estética gospel. Em Salvador, cidade tão reconhecida por respirar tradições das religiões de matriz africana, os muros seguem trazendo uma outra narrativa. Pichadores evangélicos têm encontrado nos muros de sua cidade a forma de manifestar sua fé, ainda que a pichação seja enquadrada na lei de crimes ambientais. Os grafiteiros e pichadores entendem que o ato é uma forma de “rejuvenescer a palavra de Deus” a partir da cultura das ruas. Afirmam também que buscam superar preconceitos: “Em uma cidade como Salvador, onde os cultos afro-brasileiros estão intimamente ligados à cultura de rua, o desafio de conciliar fé, respeito e companheirismo entre os grafiteiros é ainda maior. Cala [um dos pichadores entrevistados] já discutiu com uma irmã em Cristo que tinha decidido fazer pichações com mensagens pejorativas sobre imagens de orixás”.

 

Teologia da prosperidade

Interessante pensarmos como muitas Igrejas se transformaram – e assumem isso aparentemente sem nenhum pudor – em uma marca que vende produtos. Pode causar um certo estranhamento quando se pensa historicamente no papel das igrejas cristãs de resistência em nosso continente, ao nos depararmos com uma matéria sobre uma startup que quer digitalizar as igrejas evangélicas. A inChurch é a startup gospel fundada em 2017 que quer profissionalizar os serviços da igreja. Vale ler como a marca se apresenta: “Somos a tecnologia por trás do app da marca de cada igreja”. A startup oferece “aplicativos, sites, tótens e maquininhas de pagamento com pacotes que vão de R$ 49 a R$ 20 mil, dependendo do nível de personalização para o público-alvo de igrejas com 250”. Trágico.

As grandes denominações religiosas seguem sendo coerentes com sua teologia, prosperando. O ex-pastor da Igreja Universal do Reino de Deus, Glaidson Acácio dos Santos, de 38 anos, dono da GAS Consultoria foi denunciado pela Polícia Federal por crime contra o sistema financeiro nacional, lavagem de dinheiro e gestão temerária ou fraudulenta. A polícia descobriu que o ex-pastor doou grandes quantias para a IURD. A Igreja afirma que recebeu de Glaidson R$ 72,3 milhões. A Universal entrou na Justiça para se prevenir, exigindo que o ex-pastor comprovasse de onde veio esse dinheiro, dado que teme ser envolvida no crime pelo fato de ter recebido a vultuosa quantia. A Justiça negou o pedido, alegando que não há esse risco.

Os cofres das grandes denominações seguem inchando, à custa de dinheiro público. Segundo reportagem da revista Fórum, 16 entidades religiosas devem R$ 1,6 bilhão em impostos, de acordo com a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN). Os maiores devedores são os pastores aliados ao governo Bolsonaro, dado que o presidente tem atuado a favor do perdão das dívidas tributárias, são eles: Valdemiro Santiago, Bispa Sônia, Apóstolo Estevam Hernandes e R.R Soares.

 

Internacional

A série da Netflix “Nosso Reino” tem gerado debates muito interessantes junto aos nossos hermanos, que de alguma forma respingam por aqui. Evangélicos progressistas que se colocam no hercúleo desafio de desconstruir uma visão estereotipada e generalizada dos evangélicos têm se pronunciado incomodados, publicando diversas análises sobre a série, que, em suas visões, têm contribuído para essa estereotipação. Os responsáveis pela série têm se defendido. O diretor Marcel Pineyro diz: “Nossa crítica de modo nenhum tem a ver com os fiéis evangélicos nem com os de qualquer outra religião. Inclusive na série há evangélicos que sinceramente creem e atuam fazendo caridade, distribuindo comida, como sabemos que ocorre de verdade. Hoje há milhares de lugares carentes da Argentina em que o Estado não chega, mas o religioso, o padre católico ou o pastor evangélico, sim, chega. Fazem trabalhos nas favelas e nas prisões. A esses, nós tiramos o chapéu e agradecemos de coração”. Não é um debate fácil e a série pode ser um termômetro para que novas produções avancem em um diálogo e um olhar honesto para os evangélicos como um todo no sentido de não dar brechas para que a direita cristã se sinta como efetivamente a única representante do segmento.

 

Intolerância religiosa

O vereador evangélico Edvaldo Lima tem feito declarações na Câmara dos Vereadores de Feira de Santana, na Bahia, contra as religiões de matriz africana. Em tom pejorativo, o vereador disse que a cidade está “infestada de macumbeiros” e que ele foi vítima de um “bozó”. Além disso, afirma que religiões não-cristãs são “malignas” e “uma imundice”. A Rede Mulheres de Axé está se articulando para tomar as devidas providências contra a intolerância religiosa do vereador.

Em Ananindeua, no Pará, houve um culto evangélico na Igreja cedida para a vacinação. Uma mulher umbandista que, junto a sua companheira, aguardava a vacina, teve que acompanhar o culto, enquanto esperava na fila, que atrasou em 10 minutos o começo da vacinação. A mulher publicou o vídeo, que mostra inclusive falas de intolerância religiosa – é citado algo referente à “macumbaria” com o intuito de ofender as religiões de matriz africana. O caso está sendo apurado.

A comemoração do Cosme e Damião também tem gerado polêmicas. A data, presente na memória afetiva de muitas crianças, tem sido alvo de intolerâncias. Famílias evangélicas têm pedido para que as crianças joguem no lixo os doces que ganharam em comemoração ao dia e pastores afirmam que caso as crianças comam os doces irão adoecer. A “demonização” de Cosme e Damião pode ser compreendida como traço da intolerância religiosa principalmente contra a umbanda e o candomblé. O pai de santo Marcos Lima de Duque de Caxias, no Rio de Janeiro, conta que a festa era muito comemorada em seu terreiro e que hoje está limitada aos membros da casa.

Jovem de 21 anos que tinha um quadro de duas mulheres negras em sua casa teve sua obra furtada, segundo ela,  por missionárias evangélicas que dizem que o quadro era uma obra “endemoniada”. Para a artista da obra, esse é um ato de racismo e intolerância religiosa que deve ser investigado.

 

LGBTQI+

Pastora trans celebra o primeiro culto em uma igreja evangélica no centro de São Paulo. Jacque Chanel, de 56 anos, nasceu em berço evangélico no estado do Pará, foi expulsa de diversas igrejas e há 8 anos passou a promover encontro de pessoas trans em uma igreja inclusiva. Sobre a experiência de celebrar um culto, ela diz: “Foi um dia muito especial porque não imaginava que meu comprometimento com Deus tivesse caminhado de tal forma que me levasse a abrir uma igreja trans numa sociedade que só quer me matar e excluir”.

 

Trabalho de base

Até o final de 2021 a Igreja Presbiteriana de Curitiba se comprometeu a receber 92 refugiados do Afeganistão que sofrem perseguição religiosa após o Talibã tomar o poder no país. As famílias receberão por quatro meses moradia, roupas, aulas de português e orientação para emissão de documentos, como carteira de trabalho.

No mês que marca a luta pela prevenção do suicídio o programa da Igreja Universal do Reino de Deus “Depressão Tem Cura” intensifica sua campanha nas ruas, levando apoio emocional e espiritual para pessoas que sofrem de depressão. Atualmente o programa atua em diversas partes do mundo e conta com 10 mil voluntários.

A Igreja Presbiteriana Independente de Andradas desenvolve projeto de apoio pedagógico aos alunos de ensino híbrido da rede pública. O projeto surge no meio da pandemia, a partir de um olhar do pastor que percebeu a necessidade de crianças que pediam um computador para fazer os deveres de casa. O apoio funciona como um contraturno e atende crianças que não estavam indo às escolas, pois não tinham acesso às tecnologias necessárias. Os estudantes ficam 3 horas no espaço cedido pela igreja, recebem lanche, têm acesso à internet e computadores, além de caderno, lápis e borracha. O foco principal é ajudar os alunos a fazerem as atividades que estão sendo dadas na escola. “Não vamos dar só um apoio pedagógico, vamos dar um apoio emocional também”, afirma uma professora voluntária.

 

Contra-narrtavias da fé

Para quem nos acompanha aqui, sabe que todo mês há um sopro de esperança e a certeza de que no mundo evangélico, ainda que nas matérias de jornais, revistas e redes sociais predomine a narrativa fundamentalista e conservadora, há espaços para resistências, as quais não nos furtaremos de tornar evidentes.

A Igreja Betesda (Ceará) divulgou no mês passado uma carta em defesa da democracia. O manifesto classifica as atitudes golpistas de Bolsonaro no 7 de setembro como negacionistas e que distorcem a realidade. Por anos a Igreja Betesda optou por um distanciamento dos posicionamentos políticos, no entanto a conjuntura a chama para se posicionar: “O Evangelho não se sujeita a um projeto institucional de poder, mas não deixa de se traduzir em consciência política e indignação frente à injustiça e às ameaças ao Estado democrático de direito. Condenamos a evidente aliança entre pastores, pastoras e igrejas evangélicas com o projeto político que levou ao poder o atual Presidente da República”.

A pesquisadora Angélica Tostes, em sua coluna na Carta Capital, trouxe uma importante reflexão sobre o papel da Bíblia para a classe trabalhadora, dado que esse instrumento está no cotidiano de homens e mulheres crentes. Ela defende que a esquerda que busca um diálogo mais profundo nas periferias não pode abdicar desse livro, a qual ela chama de “livro da classe trabalhadora. A Bíblia foi e é instrumento que a classe dominante tem utilizado e se não soubermos como nos apropriar de suas leituras, aniquilamos um dos mais importantes canais de diálogo com a nossa classe.

Em setembro, o rapper Mano Brown recebeu  o pastor Henrique Vieira para uma entrevista em seu podcast Mano a Mano, disponível no Spotify. Em conversa pautada por reflexões e poesias sobre a vida e a fé, o líder do Racionais dividiu experiências com o Pastor Henrique, que fez parte da criação da Igreja Batista do Caminho no Rio de Janeiro. Pastor Henrique tem sido uma importante voz de resistência, mostrando que o rosto evangélico vai muito além dos homens brancos engravatados que seguem destilando seus ódios ao lado de Bolsonaro.

Uma boa notícia contra as fake news! O Tribunal  Superior Eleitoral (TSE) bloqueou a monetização de propagadores de mensagens falsas. Segundo levantamento do coletivo Bereia, que checa informações e notícias de grupos religiosos, oito desses canais têm identidade religiosa e contam, somados, com 6,37 milhões de seguidores no YouTube. Todas as páginas bloqueadas são de apoiadores de Jair Bolsonaro e são investigadas pela Polícia Federal.

No mês em que se comemorou o centenário do grande educador Paulo Freire, é necessário lembrar que, apesar de vivermos um momento de resistência por parte da esquerda por conta das alianças das lideranças evangélicas a este governo, Paulo Freire foi, antes de tudo, um cristão. Magali Cunha aponta como compreensível essa resistência que enxergamos por parte de nosso campo, mas afirma: compreensível, mas nada sábia. É fundamental olharmos para nossa história e trazermos as sábias palavras do educador que trocou Harvard pelo Conselho Mundial das Igrejas. Paulo Freire diz: “Eu preferia vir para o Conselho, porque o problema de ser professor para mim não se coloca. Eu me acho professor numa esquina de rua. Eu não preciso do contexto da universidade para ser um educador. Não é o título que a universidade vai me dar que me interessa, mas a possibilidade de trabalho. E naquela época eu sabia que o Conselho ia me dar a margem que a universidade não me daria. Eu temia, ao deixar a América Latina, perder o contato com o concreto e começar a me meter dentro de bibliotecas e começar a operar sobre livros, o que não me satisfaria e me levaria à alienação total. Não me interessa passar um ano estudando um livro, mas um ano estudando uma prática diretamente. O Conselho me dava esta oportunidade” (“Paulo Freire, no exílio, ficou mais brasileiro ainda”, entrevista a Claudius Ceccon e Miguel Darcy de Oliveira).

O desafio hoje se coloca para todos que acreditam em práticas libertadoras para a transformação de estar onde o povo está, no diálogo concreto e cotidiano, respeitando esse povo em todas as suas dimensões, inclusive em sua fé. Acreditando, como nos ensinou Paulo Freire, na capacidade de todos sermos mais.