Boletim especial: Militares e eleições 2022 no Brasil
Observatório da Defesa e Soberania
Como citar este informe
TRICONTINENTAL. Boletim especial: MILITARES E ELEIÇÕES 2022 NO BRASIL. Instituto Tricontinental de Pesquisa Social – Observatório sobre defesa e soberania. Set. 2022.
Introdução
Em nossos boletins mensais De olho na Caserna, o par militarização da política vs politização dos militares se faz sempre presente. Neste dossiê, analisamos o perfil das candidaturas militares cadastradas no Tribunal Superior Eleitoral (TSE) para as eleições gerais de 2022. Optamos por analisar tanto as candidaturas vinculadas ao Partido Militar [1] quanto aquelas que nascem do Partido Fardado, mais amplo que o primeiro (Penido; Kalil, 2021), abrangendo as candidaturas vinculadas às forças armadas, polícias militares e bombeiros militares. Dessa maneira, oferecemos uma abordagem complementar à produzida pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP, 2022), que agrega as candidaturas vinculadas às organizações armadas do Estado.
Para início de conversa, valem alguns comentários metodológicos. A base dos dados são as informações fornecidas pelo próprio TSE, em seu portal de estatísticas [2]. No momento de cadastrar a candidatura, cada postulante preenche o campo “ocupação”, ou seja, a profissão é autodeclarada. Neste informe, constam os políticos que declararam sua profissão como: bombeiros militares (BM), policiais militares (PM), membros das forças armadas (FA) e militares reformados (MR). Uma segunda questão é a possibilidade de impugnação de alguma candidatura pelo TSE por descumprimento à legislação eleitoral, ou por desistência dos/as candidatos/as. Mesmo que em 2022 tenham ocorrido impugnações com grande repercussão, como dos candidatos Daniel Silveira e Gabriel Monteiro, o impacto das impugnações não é numericamente relevante [3] se tomarmos em conta os dados do próprio TSE sobre eleições passadas. Para além disso, foram utilizados dados de portais da Transparência (União e estaduais), notícias da imprensa, redes sociais e processos judiciais em que o candidato constava como parte e onde era citada a vinculação corporativa, todos visando refinar os dados brutos do TSE, particularmente para especificar aqueles que se declaram militares reformados. Essa medida é relevante pois o grupo em questão congrega registros de candidaturas autodeclaradas de bombeiros, policiais militares e egressos das forças armadas, daí a necessidade de desagregar os dados nas três categorias. Foram excluídas seis candidaturas (0,4% do total) registradas como “militares reformados”, cujo comprovante de vínculo não foi encontrado [4].
De um universo de 28.862 registros, trabalhamos com 1.257 candidaturas (4,35%). Estas foram organizadas em sete categorias sócio-políticas: gênero, raça, faixas etárias, escolaridade, unidade federativa, cargo almejado (majoritário e proporcional) e partido. Qualitativamente, o recorte foram as candidaturas vinculadas diretamente às forças armadas, por sua importância histórica e recente protagonismo político-eleitoral. O TSE não disponibiliza informações específicas, tais como patentes, Força singular ou situação profissional, o que abriria novas veredas de pesquisa.
Gráfico I: Candidaturas por vinculação corporativa
Reclassificar aqueles que se declararam militares reformados nas categorias BM, FA e PM trouxe alterações aos dados apresentados pelo FBSP (2022). O Fórum agregou os MR ao montante geral da FA. Entretanto, apenas 39% dos MR são vinculados às FA, diante de 54% vinculados à PM e 7% aos BM. Uma vez que o efetivo de BM e PM somados é superior aos das FA, esperava-se um predomínio de candidaturas vinculadas ao Partido Fardado, e os dados analisados confirmam o padrão esperado. O efetivo na ativa das FA brasileiras são de 360 mil militares; dos BM são 63.644 militares; e das PM são 385.383, segundo dados do Anuário Brasileiro de Segurança Pública (2021).
Passemos, então, à análise quantitativa do perfil social dos candidatos segundo gênero, raça, faixa etária, escolaridade e unidade federativa. Manteve-se como filtro a organização militar de origem: BM, FA ou PM. Mesmo trabalhando com dados distintos do FBSP (2022), em virtude da reclassificação dos MR, quando possível, as médias encontradas serão comparadas às médias apresentadas pelo Fórum para o período de 2010-2018.
Perfil social
Nos dados analisados, 86% são candidaturas autodeclaradas masculinas e 14% femininas. Observa-se a permanência majoritária de candidaturas masculinas, amplamente desproporcionais às candidaturas em geral (33%) e ao eleitorado feminino (53%), segundo dados do TSE, e mesmo à distribuição de gênero das corporações militares (27%), segundo o FBSP. Por outro lado, a média entre 2010-2018 das candidaturas femininas das forças de segurança (que não distingue civis e militares, abrangendo, por exemplo, polícias civis) era de 5,5%. Dessa maneira, os dados de 2022 indicam um notável incremento nas candidaturas de mulheres.
Gráfico II: Distribuição por gênero segundo corporação militar
Quando os dados são divididos conforme a organização militar de origem, as FA se destacam negativamente: 96% de candidaturas masculinas diante de 4% femininas. É um valor superior aos 2% das candidaturas observadas entre 2010-2018 (FBSP, 2020), mas inferior ao efetivo de mulheres nas FA, 10% (Ministério da Defesa, 2022) [5]. Nas PM e nos BM, as mulheres representam 16% das candidatas. Se comparadas à média de 5,8% entre 2010-2018 de PM mulheres, nota-se um incremento significativo, superior inclusive ao percentual do efetivo: 11,2% (FBSP, 2020).
Conclui-se que a ação política organizada que reivindica a equidade de gênero produziu efeitos na fração politizada das diferentes organizações militares, levando à ampliação das candidaturas femininas. Por outro lado, o Partido Militar se destaca por ser mais resistente às candidaturas femininas que o Partido Fardado, o que é compatível com a presença das mulheres nas duas corporações: mais antiga na PM e no BM.
O cadastro do TSE trabalha com a categoria “cor”, dividida em “amarela”, “branca”, “indígena”, “parda”, “preta” e “não informada”. Os autodeclarados pardos representam 46% das candidaturas militares, seguidos de 40% de autodeclarados brancos. Se agregados pardos e pretos, representando os negros (IBGE, 2010), as candidaturas atingem 59% do total, superior aos 54% autodeclarados negros no país em 2010 (IBGE, 2010). Em suma, de cada 10 candidaturas militares, 6 são negras em 2022. Todavia, é importante ressaltar que a autodeclaração de raça tem sido manipulada por candidatos e partidos, muitas vezes como forma de fraudar as ações afirmativas sobre a distribuição interna do orçamento para campanhas e fugir da legislação. Exemplos recentes corroboram com a necessidade de cuidado ao analisar o tema: é o caso do general Hamilton Mourão, que em 2018 havia se autodeclarado indígena, e em 2022 se declarou branco; e o de ACM Neto, que em 2022 se declarou negro.
Gráfico III: Distribuição por raça segundo corporação militar
FA, BM e PM apresentam quantitativos semelhantes de candidaturas de pessoas pretas, embora as FA apresentem um quantitativo menor de candidaturas de pessoas pardas. Cerca de 60% das candidaturas das PM e dos BM são autodeclaradas pretas ou pardas. A média geral de candidaturas pretas e pardas na população cresceu quando comparada a 2018, 48,9%, mas é inferior à média entre as PM e BM.
A distribuição das candidaturas por faixa etária indica a inexpressividade dos mais jovens: 0,5% até 30 anos e 13% entre 30 e 39 anos, diante de 37% entre 40 e 49 anos e 40% entre 50 e 59 anos. O diferencial das candidaturas das FA está na faixa etária de 60 a 69 anos, perfazendo 26%, praticamente o mesmo percentual dos 40 a 49 anos. Vale destacar que as forças armadas, pela própria dinâmica de progressão na carreira e do serviço militar obrigatório, têm um efetivo ativo mais jovem que a população em geral. Por isso, as candidaturas em faixa etária mais elevada chama ainda mais atenção. Os candidatos com origem no Partido Militar são, dessa maneira, mais velhos em geral do que aqueles com origem no Partido Fardado.
Gráfico IV: Distribuição por faixa etária segundo corporação militar [6]
Pode-se aventar muitas hipóteses não excludentes para discutir o recorte etário entre as candidaturas das FA, mas não dispomos de dados suficientes para testá-las, como as patentes dos candidatos. Dessa maneira, sumarizamos aqui quatro delas.
1.Militares da ativa só podem se beneficiar da chamada porta-giratória Força-Parlamento após 10 anos de carreira. Isso porque, após 10 anos de serviço, o militar das FA pode concorrer mantendo-se agregado à Força. Se eleito, se afasta da carreira; se derrotado, retorna à força de origem e segue normalmente a vida funcional (CRFB, 1992, art.14). Aqueles com menos tempo de serviço precisam se desligar do efetivo (portanto abrir mão de uma carreira iniciada por meio de disputado concurso público) para seguir na carreira política;
2. Militares não contam com o incentivo à organização em movimentos de classe; pelo contrário, o protagonismo político é proibido, assim como a filiação partidária ou a sindicalização;
3. A hierarquia e a disciplina são cotidianamente reiteradas, o que por si só estimula a vinculação da liderança ao desempenho profissional na carreira;
4. A reforma, por vezes compulsória, dos militares de carreira na faixa de 50 a 59 anos que não foram promovidos ao generalato, o que corrobora o destaque dos coronéis no Partido Militar (Penido; Kalil, 2021, p. 70).
Quanto ao aspecto formal do nível de escolaridade das candidaturas militares, praticamente dois terços das candidaturas autodeclaram possuir ensino superior completo (65%), restando ainda 9% com ensino superior incompleto. O restante é majoritariamente composto por declarantes com ensino médio completo (23%).
Gráfico V: Distribuição por grau de ensino segundo corporação militar
Avaliando por organização, se destacam os BM com 76% com o ensino superior completo, seguidos pelas FA com 71% e os PM com 63%. Uma vez que é possível ter curso superior e, ainda assim, não pertencer à carreira dos oficiais, poucas conclusões podem ser extraídas desse dado, com exceção da constatação da alta escolaridade das candidaturas militares. Cumpre salientar apenas que, segundo os dados da Organização de Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE, 2021), apenas 21% dos jovens brasileiros entre 25 e 34 anos concluíram o ensino superior. Cabe ainda lembrar que apenas ingressam efetivamente no oficialato graduados nas academias militares ou policiais.
Por fim, analisamos o registro das candidaturas segundo as unidades federativas do território, agregadas por região [7]. As candidaturas militares se concentram na região Sudeste, com 35%. Embora significativo, esse percentual está abaixo da proporção do eleitorado sudestino, 42% (TSE, 2022) [8]. Entre as unidades federativas da região, se destaca o Rio de Janeiro, com 16% das candidaturas, seguido de São Paulo, com 11%.
Gráfico VI: Distribuição por Região segundo corporação
As FA são aquelas com maior concentração no Sudeste, com 41% das candidaturas militares. O número é proporcional ao eleitorado desta região, mas menor do que o efetivo militar concentrado no Sudeste: 49% (Poder 360, 2016). Tomados em conjunto, os números permitem aventar a hipótese de que a concentração de candidaturas militares na região reflete a concentração de unidades militares no Sudeste, remetendo à questão histórica de um desenho de força baseado na concentração das tropas. Se desagregados os dados por unidade federativa, 31% das candidaturas estão no Rio de Janeiro. O destaque carioca entre as candidaturas deve-se tanto a fenômenos externos à caserna, como o protagonismo da família Bolsonaro no estado, quanto a fatores internos aos quartéis, pois enquanto capital da República até 1961, os efetivos militares se concentravam no Rio de Janeiro e assim se mantiveram majoritariamente, mesmo com a criação de Brasília. Até os dias atuais, o Rio de Janeiro predomina enquanto unidade federativa de origem da maioria dos cadetes que ingressam para a oficialidade no Exército (Penido, 2015) e, aventa-se, na Marinha e na Aeronáutica.
Na sequência, estão as regiões Nordeste, com 22% de candidaturas contra 14% do efetivo; e a Norte, com 19% das candidaturas contra apenas 9% do efetivo. Embora a identidade gaúcha seja historicamente associada à militar, na política, a região Sul é a que menos apresenta candidaturas, com 10% contra 16% do efetivo, ultrapassada pela região Centro-Oeste, com 14% de candidaturas contra 11% do efetivo. Uma agenda de pesquisa posterior é comparar esses dados às eleições anteriores, o que permitiria discutir o impacto Bolsonaro nas candidaturas regionalmente.
Quanto às demais organizações, as PM apresentam uma distribuição equilibrada entre as regiões, com maioria na região Sudeste (34%). São Paulo, com 13%, ultrapassa o Rio de Janeiro, com 12%, como a UF com maior número de candidaturas. Porém, se considerado o eleitorado de cada estado, 22% e 8%, respectivamente (TSE, 2022), reforça-se a percepção média do estado do Rio de Janeiro como aquele em que as PM estão mais partidarizadas, efeito da atuação das milícias e do bolsonarismo.
Por outro lado, chama atenção que 24% das candidaturas de PM estejam na região Nordeste, muito próxima da proporção do eleitorado da região, de 27% (TSE, 2022). Diferente da região Norte, que concentra 20% das candidaturas, contra apenas 8% do eleitorado; e da região Centro-Oeste, com 12% de candidaturas em face de 7% do eleitorado. Já a região Sul apresenta 9% das candidaturas, contra 14% do eleitorado. O que esses dados indicam é que a grande maioria das candidaturas de PM está fora do eixo Sudeste, sendo as regiões Norte, Centro-Oeste e Nordeste mais engajadas em candidaturas, quando comparada à proporção do eleitorado. Quando comparados às candidaturas em geral, o Centro-Oeste se destaca com 5,4%, diante de 5,2% do Norte, 4,5% do Sudeste, 3,6% do Nordeste e 3% do Sul.
Perfil político
Nesta seção pretende-se observar como se distribuem ideologicamente as candidaturas autodeclaradas militares, conforme as variáveis “partido” e “cargo”. Além de classificar cada partido por sua ideologia, foram analisadas separadamente as candidaturas majoritárias (governo estadual e senado) e proporcionais (câmara federal e assembleia legislativa), em razão da densidade política distinta de cada cargo para estabelecer parâmetros gerais do perfil político.
Gráfico VII: Distribuição por partido político segundo corporação
Conforme dados do TSE, o Brasil tem 32 partidos registrados. Ao todo, as candidaturas autodeclaradas militares distribuíram-se em 29 partidos, ou seja, abrangendo cerca de 90% do espectro partidário. Considerando apenas as agremiações com representação na Câmara Federal (23 partidos), todos apresentaram candidaturas autodeclaradas militares.
As FA têm candidaturas por 23 partidos, 18 dos quais possuem representação na Câmara [9]. Apenas os partidos Novo, Cidadania, Partido Comunista do Brasil (PCdoB), Partido Socialista dos Trabalhadores Unificados (PSTU), Partido Verde (PV) e Rede Sustentabilidade (REDE) não registraram nenhuma candidatura vinculada às forças armadas. Quanto às demais organizações, os bombeiros militares também não possuem candidaturas em cinco dos 29 partidos com registro, sendo as polícias militares a única com candidaturas em todos os partidos com esse perfil.
Classificar partidos políticos por sua ideologia no Brasil é uma atividade limitada e bastante polêmica na ciência política, uma vez que as agremiações, via de regra, são pouco programáticas, e clivagens regionais acentuam a heterogeneidade de preferências políticas no interior de um mesmo partido. Para este trabalho, adaptou-se a categorização utilizada por Lima (2020). O autor não informa os critérios para classificação ideológica dos partidos com candidaturas “policiais”. Por isso, foram promovidas as seguintes adaptações: PT e PCdoB foram deslocados da esquerda para a centro-esquerda, em razão das experiências de governo estadual e federal dos últimos anos em composição de um amplo arco de alianças partidárias da centro-direita e direita. O PP foi deslocado da centro-direita para a direita, por compor junto ao PL a base de sustentação do atual governo federal. Para facilitar a agregação e a comparação, não trabalhou-se com a categoria de extrema-direita. Entretanto, alguns partidos propõem hoje programas que beiram ao fascismo no Brasil, como o PTB de Roberto Jefferson, e o Republicanos de Flávio Bolsonaro.
Quadro I – classificação ideológica dos partidos político
Desse quadro geral, o recorte ideológico confirma uma ampla presença das candidaturas militares no espectro ideológico da direita (80%) e centro-direita (16%), perfazendo 96% das candidaturas militares. No residual, estão as candidaturas de partidos de esquerda (1%) e centro-esquerda (3%).
Gráfico VIII: Distribuição por Espectro Ideológico do Partido Político de candidatura segundo corporação
Pelo recorte corporativo, as FA são a organização que mais concentra candidaturas em partidos de direita, com 92% de candidaturas, ante os 78% das PM e 76% dos BM. Por consequência, apresentam apenas 4% de candidaturas de centro-direita, abaixo dos 20% dos BM e 17% das PM. Por essa variável, é possível afirmar que as candidaturas das FA são as mais à direita das candidaturas militares. Concentram suas candidaturas no Partido Trabalhista Brasileiro (PTB) e no Patriota, ambos com 13%. Em termos de representação na Câmara, são dois partidos pequenos, com três e cinco cadeiras. Em sentido contrário, figuram o Partido Liberal (PL), 12%, e o Republicanos, 11%, estes com candidaturas de lideranças do atual governo, como o próprio presidente e os generais do Exército Braga Neto (PL) e Hamilton Mourão (Republicanos), assim como bancadas expressivas, com 77 e 44 cadeiras, respectivamente. Mas estas duas agremiações são exceção, fruto da articulação política de Bolsonaro e dos próprios militares que gravitam em torno do governo, uma vez que o restante volta ao padrão de partidos inexpressivos: Partido da Mulher Brasileira (PMB) com 11% [10]; Partido Renovador Trabalhista Brasileiro (PRTB) com 9%; Partido da Mobilização Nacional (PMN) com 6%. Ao todo, essas sete agremiações reúnem 3/4 das candidaturas com autodeclaração de ocupação vinculadas às FA. Já o Partido Progressista (PP), principal herdeiro histórico da antiga Aliança Renovadora Nacional (Arena) e com 58 cadeiras, figurou com apenas 5% das candidaturas. Essa informação ilustra uma hipótese anteriormente aventada por Penido e Kalil (2021), de que militantes do Partido Militar preferiram partidos pouco significativos e predominantemente fisiológicos para lançar suas candidaturas.
Quanto às demais corporações, nas Polícias Militares o PL lidera em número de candidaturas, reunindo 14%. Em seguida aparece o PTB (9%), Republicanos (8%), Patriota (8%) e Avante (7%). Já nos BM, o Republicanos e o PMN são os que mais reúnem candidaturas, com 11% cada. Em seguida, aparecem o Patriota (10%), PTB (9%) e PRTB (9%). Ao contrário das polícias militares, o PL representa apenas 5%, indicando uma influência menor do núcleo ligado aos candidatos da chapa militar à presidência. Dessa maneira, as candidaturas do Partido Militar são ideologicamente mais coesas e estão à direita do Partido Fardado.
No outro espectro, as candidaturas militares são inexpressivas nas agremiações de centro-esquerda (3%) e esquerda (1%): apresentaram apenas quatro nomes, no PSOL, PT, PSB e PDT. Todavia, é preciso destacar que mesmo se considerando-se o PDT um partido de centro-esquerda, a candidatura registrada na sigla tem perfil de extrema direita. Trata-se de Robisson Farinazzo, comandante da Marinha recentemente filiado ao PDT em processo internamente conturbado. As candidaturas vinculadas às PM e aos BM repetem o cenário. O PSOL é a única agremiação que possui candidaturas nas três organizações militares. Nesse sentido, fica evidente que a tática política de incentivar candidaturas à esquerda entre militares se defronta com altos níveis de coesão ideológica dentro da caserna. Por isso, um hipotético “pluralismo ideológico” entre as candidaturas militares exigiria, necessariamente, reformas profundas nas próprias corporações. Neste texto, não trataremos da desmilitarização da política, por nós já abordada em outras publicações.
Por fim, passa-se ao recorte dos cargos eletivos. Os deputados distritais (candidatos no Distrito Federal) foram agregados ao montante de “deputados estaduais”. Da mesma forma, somaram-se as candidaturas à suplência – primeira e segunda –, uma vez que juntas somam 1% do total. No plano geral, a ampla maioria das candidaturas militares postulam cargos no poder legislativo, via eleições proporcionais, configurando 97% do total de candidaturas. Nos cargos majoritários, são apenas oito candidaturas a governo de estado, nove a vice-governador(a), sete ao senado e duas à vice-presidência11.
Gráfico IX: Distribuição por cargo em disputa segundo corporação
Nas candidaturas proporcionais, em relação às FA, há um relativo equilíbrio entre candidaturas à Câmara Federal, com 51%, e às Assembleias Legislativas, com 47%. Esse equilíbrio, se considerado o número de cadeiras estaduais (1.035) e federais (513) em disputa, revela em verdade o dobro de candidaturas das FA à Câmara Federal quando comparadas às candidaturas para as Assembleias Legislativas estaduais. De um lado, pode indicar uma força de atração pela competência legislativa em relação à carreira federal; um desejo de incidência maior na política nacional, resultado de uma visão específica sobre e para o país; identificação com a pauta de defesa, também federal; ou mesmo baixa identificação com seus estados de nascença em virtude da grande mobilidade exigida pela carreira. De outro, pode ser apenas uma consequência do quadro geral das candidaturas em 2022, de diminuição das candidaturas à deputado estadual (-11%) e aumento dos candidatos à deputado federal (+20%) (TSE, 2022)12. Por sua vez, as PM estão acentuadamente voltadas para as Assembleias Legislativas, com 62% das candidaturas, contra 38% à Câmara Federal. Esse quadro é muito semelhante entre os BM, com 59% das candidaturas às assembleias e 40% à Câmera Federal.
Nas eleições majoritárias para o Executivo, observa-se que as candidaturas vinculadas às FA são poucas, mas relevantes: a vice-presidência e a candidatura do atual vice-presidente ao Senado. A PM é a única que figura com candidatos em todos os cargos majoritários, o mesmo ocorrendo nos cargos proporcionais: são cinco candidaturas ao governo de estado e quatro ao Senado. Num plano inferior, há seis candidatos a vice-governador. No BM, são dois candidaturas a governador e três a vice-governador, dados esses que corroboram o perfil estadual majoritário das candidaturas das corporações estaduais.
Considerações finais
1. Em um universo de 28.862 candidaturas em análise pelo TSE, bombeiros militares, policiais militares e membros das forças armadas representam 1.257 candidaturas, 4,35%. Isoladamente, aqueles que veem das forças armadas representam 0,54% dos candidatos;
2. Nos dados analisados, 86% são candidaturas autodeclaradas masculinas e 14% femininas, o que é desproporcional às candidaturas em geral (33%, segundo o TSE), ao eleitorado feminino (53%, segundo o TSE), e mesmo à distribuição de gênero das corporações militares (27%, segundo o FBSP, 2020). Por outro lado, os dados de 2022 indicam um notável incremento nas candidaturas de mulheres. A ação política organizada que reivindica a equidade de gênero produziu efeitos na fração politizada das diferentes organizações militares, levando à ampliação das candidaturas femininas. Por outro lado, o Partido Militar se destaca por ser mais resistente às candidaturas femininas que o Partido Fardado;
3. FA, BM e PM apresentam quantitativos semelhantes de candidaturas de pessoas pretas, embora as FA apresentem um quantitativo menor de candidaturas de pessoas pardas. Cerca de 60% das candidaturas das PM e dos BM são autodeclaradas pretas ou pardas, número superior à média das candidaturas em geral;
4. Os candidatos com origem no Partido Militar são mais velhos do que aqueles com origem no Partido Fardado, o que provavelmente tem explicação na própria estrutura da carreira militar ou policial;
5. As candidaturas militares apesentam alta escolaridade: em torno de 70% se autodeclara com ensino superior completo;
6. Há notável predomínio do Rio de Janeiro no conjunto das candidaturas policiais e militares. As regiões Norte e Centro-oeste se destacam pelo alto número de candidaturas diante de baixos efetivos militares, e pelas mais altas proporcionalidades de candidaturas militares diante de candidaturas civis. O Sul apresenta um baixo número de candidaturas;
7. 92% de candidaturas vinculadas às forças armadas são por partidos de direita, diante dos 78% das PM e 76% dos BM. As candidaturas do Partido Militar são mais coesas ideologicamente e estão à direita do Partido Fardado. Agremiações menores e mais fisiológicas reúnem ¾ das candidaturas. Os partidos do chamado Centrão (PL, PP, União e Republicanos), representam ao todo 27% das candidaturas das FA, 28% do BM e 29% das PM;
8. As candidaturas militares são inexpressivas nas agremiações de centro-esquerda (3%) e esquerda (1%);
9. Há uma propensão clara das candidaturas ao Legislativo, sendo o Partido Militar voltado para a Câmara Federal e o Partido Fardado para as Assembleias Legislativas;
10. Não há nenhum indicativo de desmilitarização da política. Ao contrário, os dados apontam não apenas para a permanência, mas também para o crescimento da militarização da política e o aprofundamento da politização (ou partidarização) dos quartéis.
Referências
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Notas de roadapé
[1] Os conceitos de Partido Militar e Partido Fardado já foram discutidos em diferentes publicações do Instituto Tricontinental como: https://dev.thetricontinental.org/pt-pt/brasil/o-partido-militar-e-as-ffaa-no-governo-bolsonaro-parte-iii/; https://dev.thetricontinental.org/pt-pt/brasil/o-partido-militar-no-governo-bolsonaro-em-numeros/?output=pdf
[2] Disponível em: https://www.tse.jus.br/eleicoes/estatisticas/estatisticas . Acesso em 28ago2022.
[3] Trabalhamos com a base de dados extraída do portal do TSE do dia 28 de agosto, às 13:06hs.
[4] Uma delas é a de Jorge Alberto Teles Prado, candidato a governador de Sergipe pelo Partido Republicano da Ordem Social (PROS), seria de médico. Embora haja oficiais-médicos nas FA, no caso específico, comprovou-se que o candidato não tem qualquer vínculo com organizações militares.
[5] Em 2022, o efetivo total das Forças Armadas é de 356.000 militares, sendo destes 35.109 são mulheres. Informe do Ministro da Defesa à Comissão de Relações Exteriores e Defesa Nacional.
[6] Devido à sua baixa expressão numérica, agregou-se os dados abaixo de 20 anos e acima de 70 anos.
[7] Excluíram-se os nomes do gen. WALTER SOUZA BRAGA NETTO (PL), das Forças Armadas, candidato à vice-presidente; e da cabo FATIMA APARECIDA SANTOS DE SOUZA (PROS), da Polícia Militar, candidata à vice de Pablo Marçal (PROS), que teve sua candidatura inicialmente indeferida pelo TSE. https://www.jornalopcao.com.br/eleicoes-2022/pablo-marcal-tem-candidatura-a-presidencia-da-republica-cancelada-pelo-tse-426445/ Candidaturas às cadeiras de presidente e vice não são classificadas pelo TSE segundo unidades federativas.
[8] Disponível em: <https://www.tse.jus.br/eleitor/estatisticas-de-eleitorado/consulta-quantitativo>. Acesso em 2021.
[9] Os cinco partidos que não têm candidaturas de militares das forças armadas são: Agir, Partido da Mulher Brasileira (PMB), Partido da Mobilização Nacional (PMN), Partido Renovador Trabalhista Brasileiro (PRTB) e Partido Social Cristão (PSC). Destes, apenas o PSC tem representação na atual legislatura. Partidos sem representação na Câmara, e sem candidaturas militares, como o Partido Comunista Brasileiro (PCB) não entraram na pesquisa.
[10] Destaque-se que embora chame-se Partido da Mulher Brasileira, das 16 candidaturas, apenas uma é de uma mulher.
[11] Além do general do Exército Braga Netto (PL), a policial militar Fatima Aparecida Santos de Souza (PROS).
[12] Disponível em: < https://www.cnnbrasil.com.br/politica/candidaturas-a-deputado-estadual-caem-em-20-estados-camara-federal-e-prioridade/>. Acesso em 12set2022.