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Geopolítica e soberaniaObservatório da Defesa e Soberania

Boletim mensal |Principais acontecimentos sobre a Defesa Nacional

OBSERVATÓRIO DE DEFESA E SOBERANIA 

As Forças Armadas serão a única categoria salarial a receber reajuste em 2021. Foto: José Cruz/EBC.

 

 

Março
N° 01/21   

 

Por Ana Penido, Jorge Rodrigues e Suzeley Kalil 

 

Este boletim mensal tem como objetivo acompanhar os temas relacionados à Defesa do Brasil, em especial à soberania nacional. Nossas fontes são as notícias oficiais publicadas no Diário Oficial da União, Câmara dos Deputados e nas agendas dos ministros militares. Como fontes secundárias, são utilizadas matérias publicadas na imprensa e portais especializados.

 

Questões Gerais

1. Para iniciarmos este boletim, indicamos alguns resumos de grandes temas em relação à Defesa. O primeiro, refere-se às 10 teses e 10 mitos sobre as Forças Armadas (FFAA) no governo Bolsonaro. O segundo, trata da inverdade de que na ditadura não acontecia corrupção. A terceira dica é sobre o papel das Forças Armadas, abordando suas múltiplas funções. O quarto debate os problemas que a militarização traz à democracia. Por fim, a super reportagem da Reuters sobre o fracasso militar em conter o desmatamento na Amazônia.

2. Inegavelmente, há uma mudança no comportamento do Supremo Tribunal Federal (STF) em relação à 2020. O STF já havia retomado algum protagonismo, reagindo às revelações quanto à pressão militar sobre a cúpula do Judiciário. Até Joaquim Barbosa voltou à cena, ao afirmar que Villas Boas delirou ao pensar que contava com o apoio do ex-ministro do STF. Contudo, o mais contundente é não termos visto nenhum tuíte da ativa em relação à suspeição do ex-juiz Sérgio Moro e a volta do ex-presidente Lula ao jogo eleitoral, ambas decisões concedidas pela Suprema Corte. Quem se manifestou foi o Clube Militar (com suas ameaças de ruptura institucional), os generais da reserva Santos Cruz (ao defender a união do centro contra Lula e Bolsonaro) e Sérgio Etchegoyen (com críticas ao STF, tendo sido questionado prontamente por juristas). Etchegoyen esqueceu-se apenas de que a Lava Jato criou tese para incriminar Lula na compra de caças Saab/Gripen. Já Lula, em sua primeira fala pública após a decisão do STF, passou mensagens para os militares. Por fim, recomenda-se a comparação com os EUA produzida por Lucas Rezende para o The Intercept.

3. A saída do general Eduardo Pazuello da coordenação do Ministério da Saúde foi bastante discutida. Tentou-se buscar alternativas que evitassem a desmoralização do ministro, como uma promoção à quarta estrela (inexistente na carreira de oficial intendente), a criação de um novo ministério da Amazônia, espaços na área econômica ou na de assuntos estratégicos. Porém, a real preocupação era com a manutenção do foro privilegiado; assim que o ministro foi exonerado, o STF enviou à primeira instância do Distrito Federal o inquérito que investiga indícios de omissão no colapso em Manaus (AM). A saída do general da pasta foi um alívio para militares, uma vez que ele representava uma exposição permanente da Instituição e desconstruia “patrimônios” militares, como a “capacidade administrativa“. Pazzuelo, entretanto, segue na ativa e será realocado dentro do Exército. Vale destacar a história do enriquecimento da sua família na Amazônia, que veio à público no portal “De olho nos ruralistas“. Em paralelo aos desdobramentos da novela Pazuello, os militares tentam descolar as ações da Operação Covid-19 do desastre da condução militar da pandemia, como o artigo do ex-ministro da Defesa, o General Fernando Azevedo. No entanto, não será uma tarefa fácil; o próprio vice-presidente Hamilton Mourão já se colocou contrário à imposição de medidas nacionais de controle da pandemia, como o toque de recolher, embora critique o governo por não recomendar o uso da máscara. Bolsonaro também já declarou: “meu Exército não vai obrigar o povo a ficar em casa”. Todo esse processo de desgaste foi relatado por Marcelo Godoy. Em meio a tudo isso, metade da população considera positiva a participação dos militares na vida pública; em 2019, 45% dos entrevistados diziam confiar muito nas FFAA.

4. As Forças Armadas serão a única categoria salarial a receber reajuste em 2021; na mesma toada, o Ministério da Defesa, diferente da maioria, contou com aumento de seu orçamento e receberá 1/5 dos investimentos do governo federal. As receitas militares foram preservadas, inclusive, diante da PEC do Auxílio Emergencial. A mini reforma ministerial não anulou novas nomeações, como a do tenete-coronel da Força Aérea Brasileira (FAB) para comandar a diretoria do Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM) e a escolha do Almirante Rocha para a Secretaria Especial de Comunicação Social (Secom); ao todo, os militares já controlam 30% das empresas públicas, com 123 cargos em estatais. Diante disso, parece ter pouca viabilidade a construção de uma terceira via com militares para as eleições de 2022.

5. Tornou-se notório denúncias de crimes e privilégios de militares nas páginas da imprensa. No rol dos crimes, destaca-se a participação de membros do Gabinete de Segurança Institucional (GSI) no tráfico de drogas em aviões da FAB. No que tange os privilégios, vale ressaltar o salário que o general Augusto Heleno (GSI) acumulou ao longo de seis anos no Comitê Olímpico Brasileiro (COB) e os salários de até R$ 106 mil de militares que comandam 16 estatais. As matérias sobre o orçamento militar continuam ativas, como a denúncia da compra de 80 mil em bonecos do Rambo e o gasto com cervejas Stella e Heineken em um só pregão, valor suficiente para pagar as refeições de um soldado por 10 anos.

6. O Clube Militar realizou almoço comemorativo do 31 de março e o Ministério da Defesa divulgou nota elogiando o golpe de 1964. Muito preocupante é o crescimento em 285% dos inquéritos da Polícia Federal com base na Lei de Segurança Nacional sob o governo Bolsonaro. No ímpeto de criminalizar, o presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP), pretende acelerar o Projeto de Lei Contraterrorista. A polícia do Rio de Janeiro comprou tecnologia usada em países autoritários. Está em curso a criação de um Estado de intimidação permanente, para o qual contribui a realização de exercícios militares nas ruas. A repressão política também chega aos quartéis, como no caso do Sargento da Marinha punido por criticar Bolsonaro; via de regra, casos de perseguição são abafados nos quartéis ou na justiça militar. Enquanto isso, o Exército sugeriu a troca do aplicativo WhatsApp pelo Signal.

7. Interessa à Defesa nacional: Marinha substitui compras de empresa suíça de criptografia que pertencia à CIA.

8. Como sugestão final, indicamos o Anuário 2020 produzido pelo Observatório de Defesa e Forças Armadas. O longo documento possui em suas primeiras páginas uma análise quantitativa sobre a cobertura dos temas de Defesa e Forças Armadas em alguns meios de comunicação.

 

Destaques nas agendas ministeriais

1. O vice-presidente general Mourão teve duas grandes agendas com embaixadores para discutir assuntos relacionados à Amazônia. A primeira contou com o embaixador do Reino Unido, uma delegação europeia e o  Conselho da Amazônia; a segunda com embaixadores da Alemanha, EUA, Reino Unido, Noruega e União Europeia. Mourão também recebeu o embaixador da Tailândia. Além disso, compareceu em programas da Folha S. Paulo, Rede de Notícias Regional, Record, Bandnews, MyNews e Rádio Tupi. O vice-presidente também recebeu a Maçonaria – seu partido político fiel – e esteve com parlamentares do PRTB, PSL e PSD do Rio Grande do Sul; reuniu-se com Bolsonaro, Rodrigo Pacheco, Arthur Lira e Luiz Fux. Da sociedade civil, esteve com a Fundação Getúlio Vargas (FGV), professores da Universidade de Brasília (UNB) e a Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), centrais sindicais (CUT, Força Sindical, UGT, CTB), Comissão de Valores Mobiliários, Instituto Brasileiro de Cidades Humanas, Inteligentes, Criativas e Sustentáveis. Compareceu à posse no Superior Tribunal Militar (STM).

2. O ministro da Casa Civil, general Braga Netto, teve a maior parte da sua agenda preenchida com atividades entre membros do próprio governo. Da iniciativa privada, encontrou-se com a Volkswagen. Do mundo político, realizou reunião com o Procurador Geral do Trabalho, o embaixador do Irã, um juiz em Niterói e poucos deputados, como General Girão (PSL) e Claudio Cajado (PP). O ministro também esteve na posse do STM.

3. O general Augusto Heleno, ministro do GSI, teve poucas agendas com deputados, como o Coronel Armando (PSL). Reuniu-se com a Polícia Militar (PM), a PM de Rondônia, a Avibras Indústria Aeroespacial e a Superintendência do Desenvolvimento da Amazônia (Sudam). Acompanhou a articulação do Plano Nacional de Fertilizantes e acompanhou Bolsonaro à Uberlândia (ferrovia N-S).

4. O general Luiz Eduardo Ramos, ministro da Secretaria de Governo, continua tendo como principal responsabilidade a articulação com os deputados e senadores, além de coordenar a pauta com os líderes do governo e acompanhar Bolsonaro nas reuniões com os presidentes das Casas. Ramos recebeu membros do Republicanos, DEM, PP, PSD, PROS, PSC, PL, Podemos, PSL, MDB, Cidadania, PODE, PTB. Também esteve na Comissão de Relações Exteriores e de Defesa Nacional da Câmara dos Deputados do Brasil (CREDN) e na posse do STM.

5. A agenda do general Fernando Azevedo e Silva, ex-ministro da Defesa, contou com as tradicionais reuniões com comandantes de força e de operações (como a Covid-19), e das FFAA com o presidente. Recebeu o embaixador do Brasil no Peru e embaixadores dos Emirados Árabes, Paquistão, EUA e Reino Unido. Entre as cerimônias militares, esteve no Rio de Janeiro (COMAR), na Escola Superior de Guerra (ESG), na Escola de Comando e Estado-Maior do Exército (ECEME), e no Comando de Defesa Cibernética. Reuniu-se com a Embraer defesa e o Sindicato das Indústrias de Material de Defesa. Do mundo político, encontrou com o presidente da Câmara e o Conselho Nacional do MP.

6. Marcos Pontes, tenente-coronel da Aeronáutica e ministro da Ciência e Tecnologia, esteve por vários dias na Índia e na Coreia do Sul, e recebeu os ministros da Argentina e da Noruega. Da iniciativa privada, conversou com o Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae) e de empresas subordinadas a ele, como LNMCB, CNPEM, FINEP, CNPq, AMAZUL e Embrapa. Pontes também participou de programas e entrevistas na Rádio Nacional, CNN, programa Opinião e TV Vanguarda. O ministro também esteve na Câmara dos Deputados para ratar questões relacionadas à base de Alcântara.

7. Tarcísio Freitas, do ministério de Infraestrutura e engenheiro capitão do Exército, recebeu alguns deputados, um secretário de Minas Gerais, as bancadas de Santa Catarina e do Mato Grosso, e com o governador interino do Rio de Janeiro, Cláudio Castro (PSC). Freitas também esteve com  Bolsonaro em Uberlândia (ferrovia). Com o setor privado, encontrou Prumo Logística, Arko cenários, Vale, Necton Investimentos, HSBC, BR Distribuidora, COMSA latina, VLI, Hidrovias do Brasil, Pátria Investimentos e CLIA Brasil.

8. O almirante Bento Albuquerque, ministro das Minas e Energia, manteve o acompanhamento às muitas empresas públicas e privadas ligadas à sua área: ANP, Copel, ATGás, Vale, grupo Fertilizantes, IBP, ABIMAQ, COSAN, CNPE, EPE, IRENA, Raizen, CEMIG, UNICA, Angra 3, Equinor Brasil,  XP, Anglo, AMIG. Conversou com alguns deputados, os embaixadores do Brasil nos EUA e do Reino Unido. Bento também esteve na BandNews.

9. O general da ativa Eduardo Pazuello, ex-ministro da Saúde, teve encontros com deputados, governadores de Santa Catarina, Paraná e do Nordeste, a bancada de Rondônia, a Confederação de Municípios e a Rede de Consórcios Públicos. Pazuello também esteve em Cascavel (PR) e em SC, onde visitou uma Unidade de Pronto Atendimento (UPA) e reuniu-se com prefeitos. Além disso, fez reunião com a Fiocruz, FUNASA, Pfizer, Janssen e um grupo de Caciques indígenas.

 

Destaques no Diário Oficial

1. Um ano depois da chegada do novo coronavírus no Brasil, criou-se o Comitê de Coordenação Nacional para enfrentamento da Pandemia da Covid-19, coordenado pelo presidente Bolsonaro e composto pelos presidentes do Senado e da Câmara. Até então, existia apenas um gabinete de crise vinculado à Casa Civil.

2. Medidas internas ao Ministério da Defesa. 1) Foi incluída na inspeção de saúde do quadro complementar de oficiais do Exército a exigência de exames clínicos e laboratoriais, inclusive toxicológicos; 2) criação de uma secretaria-executiva no âmbito do Estado-Maior Conjunto para atender às atribuições do Ministério da Defesa na Operação Acolhida (Roraima-Venezuela); 3) Publicados os cargos privativos de oficial-general na Marinha (88), no Exército (154), na Aeronáutica (135), outros (55); 4) divulgação do catálogo de indenizações dos serviços de saúde das Forças Armadas; 5) atividades de estudo, pesquisa e ensino programadas para a execução via Escola Superior de Guerra (ESG) em 2021; 6) A ESG celebrará acordo com a secretaria de educação do Distrito Federal sobre o Programa Forças no Esporte; 7) alterações no enquadramento sobre os dependentes militares.

3. Medidas que expõem a fragilidade da democracia e/ou do Ministério da Defesa: 1) Portaria definindo que cabe ao ministro da Defesa decidir sobre os posicionamentos divergentes dos comandantes de Forças diante de matérias legislativas; 2) Escolhidos para receber a Ordem do Mérito Militar e a Ordem do Mérito Aeronáutico; 3) Alterações na Política Nacional de Segurança da Informação, dispensando de licitação compras caracterizadas como fundamentais para a segurança nacional. Os recursos alocados em caráter sigiloso podem ser empregados em: atividades de inteligência, apoio à áreas sensíveis, salvaguarda de assuntos sigilosos e ações sigilosas.

4. Privilégios militares diante dos civis: 1) regulamentada a regra de transição da reforma militar de 2019. Diferente do mundo civil, a ampliação de 25 para 30 anos de serviço nas FFAA será escalonada a cada 4 meses, terminando, portanto, em 2035.

5. Outros assuntos: 1) O Gabinete de Segurança Institucional ficou preocupado com a comunicação institucional e aprovou um estandarte e um brasão para o GSI; 2) Política de licenciamento ambiental para a produção de minerais estratégicos no âmbito do PPI; 3) Prorroga o prazo de inventariança da extinta empresa binacional Alcântara Cyclone Space até 2022; 4) Destinação de recursos de pesquisa no Ministério de Minas e Energia para a elaboração de estudos sobre novos locais para instalação de futuras centrais de energia termonuclear.

 

Manifestações em Plenário e Comissões dos deputados militares

Março marcou o retorno das atividades de comissões e colegiados no Congresso Nacional. Em que pese o aumento de casos de Covid-19 entre parlamentares e assessores, as casas optaram pelo retorno às atividades, muitas presenciais. Nesse contexto, observamos também uma mudança comportamental nos deputados fardados eleitos para a 56ª legislatura. Parlamentares, antes ausentes, passaram a participar ativamente, à exceção de Antonio Nicoletti (PSL).

O deputado federal Hélio Lopes (PSL), que não teve participação em 2020 – durante toda a pandemia -, retornou as atividades indicando uma atuação política de nicho, com ênfase em áreas que lhe tragam voto, como sua atuação na Comissão de Esportes, por exemplo. Em geral, o deputado se limita a apenas reproduzir as falas de Bolsonaro, como os dados em relação ao processo de vacinação divulgados pelo governo, por exemplo.

O major Vitor Hugo (PSL), por sua vez, retomou protagonismo enquanto a liderança de seu partido. Participou das aberturas de comissões cujas presidências foram conquistadas pelo PSL, mantendo discurso protocolar em todas. Ao longo do mês, dois de seus projetos geraram comoção, acionando alertas de retrocessos democráticos: o PL 1595/2019, sobre contraterrorismo; e o PL 1074/2021, que previa, dentre outras medidas, mobilização nacional de forças militares sob o pretexto da pandemia. Ademais, vale observarmos um momento específico na Comissão de Relações Exteriores e Defesa (CREDN), quando o major destaca que muitos dos parlamentares do PSL são militares; o deputado Aécio Neves (PSDB), presidente da Comissão, responde: “todos grandes quadros”.

Os coronéis, a seu turno, tiverem atuação relevante nas comissões. O coronel Armando (PSL) assumiu a 2ª vice-presidência da CREDN e, já na abertura, ressaltou sua experiência como militar. No período, suas participações se deram em reuniões deliberativas do colegiado, além da sessão de eleição da mesa. Em reunião convocatória de Ernesto Araújo, então ministro das Relações Exteriores, Armando usou seu tempo para elogiar o trabalho do ex-ministro, alegando que o ministério abandonava com ele a “postura ideológica de anos anteriores”.

O coronel Chrisóstomos (PSL) foi particularmente profuso em suas falas. O deputado assumiu a vice-presidência da Comissão de Meio Ambiente, ao lado de Carla Zambelli (PSL); um posto titular na Comissão de Minas e Energia; e a vice-liderança do seu bloco parlamentar. Na comissão de Ciência, Tecnologia, Comunicação e Informática foi defensor da “indústria de games”, incentivando a inserção dos jogos eletrônicos no escopo do colegiado. Em paralelo, defendeu ativamente o 5G e sua contribuição para a integração na região amazônica. Como lhe é típico, em discurso inflamado em Plenário, questionou as críticas sobre o caso das rachadinhas, envolvendo a família Bolsonaro. Emendou a defesa da família do presidente com ataques a “governos anteriores”, evocando a CPI do BNDES. Por fim, durante a votação da PEC Emergencial, vale mencionar a defesa da retirada dos servidores públicos, notadamente das forças de segurança, dos gatilhos previstos no texto.

No generalato, os perfis traçados até aqui se mantêm. Girão, por exemplo, é o mais alinhado ao bolsonarismo, com constantes acenos à base. Segue usando os Breves Comunicados para atacar a oposição e defender o governo. Na maioria de seus discursos, o deputado fez propaganda de modo irresponsável do “tratamento precoce” contra a Covid-19. A defesa do uso de cloroquina, hidroxicloroquina, dentre outros, é feita nominalmente. Reforçou ainda o discurso falacioso de que o STF teria retirado poderes do presidente da República na gestão da pandemia. Nesse sentido, menciona convocação do Conselho de Defesa Nacional para tratar do tema com os demais poderes. Na Comissão de Segurança Pública e combate ao Crime Organizado, defendeu a retirada dos profissionais da segurança pública das restrições da PEC Emergencial e mentiu ao dizer que teria ocorrido uma execução, supostamente sem tentativa de negociação, no caso recente do policial militar morto na Bahia, um soldado que “cansou de receber ordens pelo lockdown”. Segue, assim, o discurso insuflado de Bia Kicis (PSL). Já na CREDN, defendeu Ernesto Araújo e diz não ver motivos para a “compra descontrolada” de vacinas. Por fim, sua fala no dia 9 de março, após o STF decidir pela elegibilidade de Lula, foi muito mais um desabafo que uma crítica. Denotava, então, uma instabilidade discursiva da base do governo quanto ao acontecimento.

Por sua vez, o general Peternelli (PSL) manteve perfil institucional. Vice-líder de bloco parlamentar, orientou por diversas vezes votações em Plenário. Reforçou a importância do aplicativo ConectSUS e também da identificação de doenças precocemente. Fez ainda referência indireta à decisão de Edson Fachin sobre Lula. Na comissão de Legislação Participativa, acompanhou o encaminhamento de Talíria Pretone (PSOL) para realizar audiência pública sobre a violência política contra mulheres negras, e ressaltou que a participação popular foi sua agenda quando candidato à presidência da Câmara. Mantém, de modo geral, posicionamento favorável à melhoria na Educação, mas vota constantemente alinhado à agenda de Paulo Guedes. Ao contrário de Girão, defende os cuidados básicos em tempos de pandemia e ressalta a importância da vacina.

É interessante notar, entretanto, que mesmo com perfis distintos de atuação parlamentar, há prevalência de espírito de corpo quando da demissão de Azevedo. Os deputados generais foram os únicos que se manifestaram em solidariedade ao colega de farda. Isso talvez seja um indicativo de uma possível clivagem, também no Congresso, entre altas e baixas patentes. Entretanto, é preciso mais tempo para analisar esse movimento.

Pode-se afirmar, enfim, que se desenha uma tendência, cuja observação será fundamental para a compreensão do papel dos fardados eleitos no Congresso Nacional. Nesse primeiro momento, nossa hipótese é que os parlamentares se dedicarão de forma mais contundente às atividades em comissões, pois estas representariam temáticas e/ou bases mais afeitas ao seu eleitorado e/ou projeto político. Assim, em que pese a retração de alguns em Plenário, onde se discutem temas mais abrangentes e de maior relevo, as participações em comissões permanentes e especiais poderão fornecer indicativos do perfil destes deputados, fomentando estratégias de resposta bem embasadas para cada um deles.

 

Especial: Troca de Ministros – Arrumando a Casa

 

Existiam dois grandes problemas nas salas do Planalto. O primeiro, Ernesto Araújo. Sem nenhuma sustentação política, exceto o olavismo. Para setores importantes na base do governo, como as forças armadas e o agronegócio, o ex-ministro já poderia ter caído faz tempo.

O outro grande problema na sala não incomodava tanto o presidente, mas incomodava muito as forças armadas, e passou a perturbar também a turma da Faria Lima – o general Pazuello. Isso sem mencionar a insatisfação popular com a falta de vacinas, a fome, e as mortes se avolumando.

Fora da sala, ressurgiu um elefante: o STF julgou Lula inocente. O ódio ao Lula unifica de A a Z, e a reaviva a natural aliança entre militares e Moro.

Bolsonaro reacomodou interesses, dando uma arrumada na casa, e militares iniciaram uma “Operação Limpa Lambança”. Voltarei a isso. Por enquanto, vejamos quais posições Bolsonarou ganhou:

– Atender ao Centrão: será viabilizado através dos ministérios da Saúde e de Governo, e, principalmente, através da enorme margem para ementas parlamentares que ficou no orçamento aprovado. São concessões, mas a chave das nomeações fica na Casa Civil, na qual Bolsonaro manteve seu fiel general Ramos (que internamente, é mau visto). O Centrão não ganhará espaço no MD, na AGU e nem no Itamaraty. Atendeu parcialmente.

– Atender a “Famiglia”: controlará o Ministério da Justiça (e as interlocuções com as Polícias Militares). Enquanto salvam o pescoço de quem gostam, seguirá o uso da Lei de Segurança Nacional, acelerará o PL contraterrorismo e ainda mantém a polêmica sobre a interpretação do artigo 142 viva.

– Atender às Forças Armadas Brasileiras (ffaa) e entregar Pazuello: justiça seja feita, Bolsonaro tentou propor quarta estrela, ministério, alocação em outras pastas ou outras saídas honrosas para o colega, mas nada colou. Então, Bolsonaro resolveu mexer nas pastas de “dentro de casa”. No plano macro, dos diversos segmentos que sustentam o governo, o local onde é mais fácil para o presidente movimentar uma peça é o Ministério da Defesa, porque seria substituir alguém de um segmento por outro do mesmo segmento na base de composição política do governo (mesmo jogo no Itamaraty).

– Atender ao seu núcleo político nas ffaa: Braga Netto, desde a intervenção militar no RJ, tem a ficha dos envolvimentos políticos das milícias. Pensa num rabo preso… Ramos, seu braço direito, segue no controle das nomeações e do governo. Chama a atenção que mudanças no GSI não foram sequer cogitadas (e que, enquanto o circo pegava fogo, o general Heleno estava com o desembargador Thompson Flores).

– Atender os neofascistas: aqui, na realidade, ele só deu uma agitada por causa do 31 de março. Com militares ou sem militares, a turma adora a data, e Bolsonaro mostrou TIMING POLÍTICO. Além disso, eles vinham perdendo espaço no governo, e estavam insatisfeitos.

ISSO NÃO É UM GOLPE. Bolsonaro não tem apoio internacional para isso, não há grave situação de desestabilização interna (mesmo com mais de 317 mil mortos e o preço da cesta básica), não tem apoio da camada de cima (mesmo com a cartinha da Faria Lima, os estudos de cadeias de valor na área de energia e agronegócio, por exemplo, não apontam para perdas), e não tem da imprensa.

Como apontamos desde o início do governo, as FFAA estão contentes por voltar ao poder através de eleições. Mesmo em 1964 cuidaram de construir uma fachada normativa democrática. AS FFAA NÃO SERÃO AS PROTAGONISTAS DE UM AUTOGOLPE NO BRASIL, O QUE NÃO QUER DIZER QUE ELAS SEJAM MAIS DEMOCRÁTICAS QUE BOLSONARO.

Um cenário mais provável de golpe é, caso seja necessário e em outro momento, algo como a via Boliviana, com as PMs fazendo o trabalho sujo público e depois as FFAA vindo salvar a nação e arrumar a casa.

Daí a importância da carta dos governadores relatando incitação para motins, o desenvolar positivo das crises da PM na Bahia e da Guarda Municipal em Juiz de Fora, e as informações da inteligência da PM de SP que implicaram em uma mudança de residência do governador Doria.

Sem números exatos, são 411 mil PMs, 431 mil vigilantes armados, e as Guardas Municipais que, em 19 das 26 cidades onde existem, portam armas de fogo. Além disso, mesmo contra pareceres do Exército, as regras de comercialização de armas e munições veem sendo flexibilizadas pelo presidente.

Essa é a variável principal que torna as eleições de 2022 distintas das anteriores.

 

“Operação Limpa Lambança”

Nos últimos tempos, as insatisfações militares veem sendo depositadas no STF. Com a absolvição do Lula, a caserna em geral ficou indignada. Não estão insatisfeitos com Bolsonaro. As nomeações em pastas seguem, e as conquistas pra carreira também, única com aumento salarial em 2021.

Mas as ffaa estava insatisfeitas com a exposição das suas entranhas que o Pesadelo na ativa e no Ministério da Saúde provocava. Tentaram fazer com que ele fosse pra reserva usando da sua coerção social, mas não funcionou, e Pesadelo seguiu na ativa (graças à nossa legislação absurda, ele podia tomar essa decisão individualmente se quisesse). Bolsonaro gostava da fidelidade do seu general Ministro da Saúde, mas cedeu para que ele saísse. Entretanto, o que fazer com esse ENORME BODE QUE CONTINUOU NA SALA?

No final das contas, o bode virou boi de piranha, e enquanto isso, as ffaa ganham tempo para rearrumar a casa. O TIMING DAS MUDANÇAS PRAS FFAA também não é ruim.

De toda maneira, algumas cadeiras girariam com as promoções dos novos 4 estrelas em 31 de março e alguns comandantes completando dois anos nas tarefas, indo pra rotação. Essas provavelmente eram pautas sendo tratadas com o presidente, o ministro e as ffaa na última quarta, e entre o ministro e os comandantes na sexta.

Por que sobrou pro general Fernando Azevedo? O que mudou de sexta pra segunda? Vejamos:

1) Interessa aos militares participar das boquinhas mil do governo, mas não interessa participar de intervenção para controlar motins policiais;

2) Bolsonaro sentiu que as FFAA tentam novamente (dizemos novamente pois é presente em todas as declarações desde 2018 o mantra das instituições de Estado) o descolamento retórico (lockdwm interno, poucas mortes, Pujol caladinho diante do 31.03 e do Lula livre) e cobrou a fatura. Se querem ganhar tanto no governo, que fiquem com o ônus também, ainda mais em um momento de isolamento;

3) Pelos dados disponíveis, Bolsonaro pediu o cargo. A nota em tom moderado mostra que Azevedo sabe que o governo “pode ser uma bosta, mas é deles”.

Um palpite: decretar estado de sítio não cola. Um autogolpe com as ffaa na cabeça também não. Uma alternativa soft ao estado de defesa, estado de sítio, intervenção federal e estado de calamidade pública parece estar sendo construída.

O deputado major Victor Hugo propôs na última quinta-feira (25) um PL para regulamentar o que seria decretar Mobilização Nacional. A iniciativa partiria do presidente, subsidiado por um comitê de 10 pessoas, que pela atual composição ministerial, contaria com 4 membros das ffaa e 1 delegado da PF.

A crise sanitária é, nesse sentido, uma oportunidade. Diferente do estado de sítio, o decreto de mobilização não precisaria ser aprovado pelo Congresso. No dia 11 de março, o Ministério da Defesa aprovou seu novo Manual de Planejamento para Mobilização Militar.

O Partido Militar segue hegemônico no governo, mesmo com as mudanças. Bolsonaro tem o apoio militar, aliás, o único partido que sustenta o seu governo. Mas acuado por outros setores, Bolsonaro poderia até pressionar por comprovações de fidelidade, declarações públicas.

As forças seguiriam o mantra retórico desde o início do governo. “Somos instituições de Estado”, mesmo comprometidos até o último fio de cabelo com o governo. Mas daí a uma ruptura entre fardados e governo, falta muito.

Pra entrar Braga Netto, seria provável que Pujol saísse, não é uma regra, ou tradição, mas existem egos e ele é mais antigo (a tradição deveria ser um ministro civil, mas aí nem vale a discussão nesse momento). Daí Bolsonaro matar dois coelhos com uma machadada.

Mas a saída dos demais comandantes em solidariedade é inédita desde o fim do regime dos generais e denota crise.

Braga Netto entra fragilizado, mas a escolha do seu nome aponta que Bolsonaro estica a corda, mas nem tanto, ou teria nomeado um ministro civil. A tendência seria a retomada da normalidade, e para isso, a escolha dos novos comandantes deveria recair sobre os mais antigos de cada força, mas a crise ainda é presente, e de desenlace incerto. Quanto se trata de Bolsonaro, o método é o caos.

 

Perguntas incômodas que a imprensar deveria fazer

 

  1. Se Pazuello incomodava tanto, por que Pujol não o convocou de volta? Por que permanecem militares no Ministério da Saúde? E no restante do governo, particularmente os da ativa?
  1. Se são técnicos, por que não adotaram para o governo as recomendações do documento do CEEx? Quem mandou tirar o documento do ar? Foram feitos novos documentos? O Exército adotou internamente as recomendações do documento, se configurando como uma ‘nação dentro da nação’? Isso não configura insubordinação ao presidente?
  1. Os militares cederam espaço para o centrão no governo? Além das cabeças dos ministérios e autarquias, como estão os corpos? Foi feito algum levantamento posterior ao do TCU, que já completa quase um ano?
  1. Quais as informações sobre as milícias cariocas que Braga Netto levantou enquanto interventor federal? Elas envolvem em alguma medida o presidente ou seus familiares?
  1. Como a troca do ministro da Defesa se articula com a troca no ministério da Justiça e Segurança Pública?
  1. Quais são os novos 4 estrelas das forças armadas? O que foi publicado no último mês no Diário Oficial da União? Que tal usar menos informantes em off, e noticiar mais o que de fato as Instituições estão fazendo?
  1. As manifestações favoráveis a um golpe militar ou ameaçando outros poderes feitas por militares da ativa em redes sociais tiveram algum objetivo? Houve alguma punição, mesmo que apenas internamente? E nas polícias? E as manifestações de rua, inclusive na porta de quartéis desde 2020, pedindo por golpe militar, tiveram algum desenlace, inclusive judicial?
  1. O que será feito diante da carta dos 16 governadores denunciando incitação à motins nos seus estados?
  1. No último mês, setores militares receberam menos incentivos do presidente? Houve mudança no salário, orçamento, regalias, nomeações ou outras questões que pudessem levar a uma insatisfação na caserna com o presidente?
  1. Nossa legislação protege a democracia brasileira da intromissão política das FFAA? Ela protege as próprias FFAA? O que acontece se um comandante não autorizar a ida de um subordinado para o governo? Isso já ocorreu?
  1. Pazuello pode ter se tornado o boi de piranha público, mas o que fazer com o enorme bode que continua na ativa e na sala do Alto Comando do Exército? De quem foi a ideia de promover o Pazuello, um Intendente, a 4 estrelas? Quem vetou?
  1. Qual a base de sustentação do presidente? Quem hegemoniza essa base de sustentação? As trocas ministeriais mudam essa situação ou apenas agitam a superfície?
  1. Quem serão os novos nomeados para o comando e para o Ministério?
  1. Para a demissão do ministro da defesa, qual foi a gota d’água? Pediu a cabeça de algum subordinado? Não topou um endurecimento? Não topou dar alguma declaração? Como quem tem a resposta pra essa pergunta é apenas o ex-ministro e o presidente, não vale a pena investir muito nela. As declarações de outros atores são especulações ou interpretações.
  1. Qual papel os militares devem ter no regime democrático brasileiro? Em que medida a atual situação do país é tributária dos 21 anos de ditadura? Outra condução da pauta sobre a Memória, Verdade e Justiça teria alterado esse cenário?

 

Síntese

A politização das ffaa é ruim para a política e para elas mesmas. Elas se mostram politizadas quando tuítam, quando compõem o governo, e quando saem dele, de forma discreta (Azevedo) ou estridente (Santos Cruz).

Agora é o exemplo perfeito: se saem, foi por insubordinação. Se ficam, são golpistas. A politização expõe as FFAA.

A tragédia social em que vivemos é também responsabilidade das FFAA: cloroquina, privilégios diante dos demais trabalhadores brasileiros, desnacionalização na infraestrutura, ministro da ciência que destrói universidades, Almirante que permite apagão, etc, etc…

Com o Bode isso era mais nítido. Transformar ele em boi de piranha não resolve o problema. Se, de fato, as FFAA querem limpar a sua barra, têm que desembarcar em peso do governo, aos milhares, assim como o ocuparam.

Não acho que isso vá ocorrer. Terão que ser tirados, com eleições e medidas legislativas.

Bolsonaro manterá sempre a ameaça de golpe/endurecimento. Ter medo disso não adianta. Há que se antecipar cenários, travar a batalha das ideias e, essencialmente, dialogar com a população sobre as razões da tragédia em que nos encontramos.

NOSSOS MORTOS, DE ONTEM E DE HOJE, NENHUM MINUTO DE SILÊNCIO, MAS TODA UMA VIDA DE LUTA.