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Artigos

Como pensar (n)o Brasil?

Protestos de 15 de maio em defesa da educação no Brasil / Jorge Ferreira/Mídia Ninja

Se referir ao sistema de educação pública como “balbúrdia”, insultar professores, estudante e cientistas como “idiotas úteis”, o corte de verbas destinadas à educação em seu conjunto e a ameaça em inviabilizar o censo 2020 são ataques à ciência, ao conhecimento e notadamente ao pensamento crítico.

Trata-se de um projeto de fazer com que os Brasil não seja conhecido, refletido e transformado por brasileiros e brasileiras.

No último 15 de maio (#15M), mais de 1 milhão de pessoas em 200 cidades do Brasil foram às ruas protestar em reação ao corte de 30% da verba destinada à educação anunciado pelo governo Bolsonaro.

O ministro da Educação, Abraham Weintraub, chegou a declarar que o foco do governo federal estaria no ensino básico. Mas o fato dos R$ 7,4 bilhões reduzidos inicialmente, cerca de R$ 2 bilhões são ligados a instituições federais de ensino superior. O restante, de R$ 5,4 bilhões, atingiu outras áreas, ainda não detalhadas pelo ministério. Ou seja, os cortes nas 63 universidades e 38 institutos federais fazem parte de um pacote de redução do orçamento da pasta de Educação, que atinge desde a educação infantil até o ensino superior.

Na audiência pública na Comissão de Educação, Cultura e Esporte (CE) do Senado Federal, no dia 7, o ministro criticou a expansão universitária ocorridas nos governos petistas. Já Bolsonaro (PSL) chegou a propor em seu programa de governo a cobrança de mensalidade, afirmando que a maioria das vagas é ocupada por “famílias de alta renda” com capacidade de pagamento.

Porém, segundo a Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior (Andifes), sete em cada dez estudantes de universidades federais são de baixa renda. Além disso, número de alunos pretos e pardos triplicou entre 2003 e 2018 e representa hoje 51% do total de graduandos. As matrículas na educação superior saltaram de 3,4 milhões em 2002 para 8,1 milhão em 2015. Parece que esse retrato da universidade pública incomoda o atual governo.

Ainda durante a audiência na CE, o ministro avaliou que a produção científica do país, “tem pouca relevância”. Esse comentário desconsidera o relatório Research in Brazil, produzido pela Clarivate Analytics a pedido da CAPES (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior), que afirma que o Brasil apresentou uma melhora de desempenho significativa entre 2011 a 2016. O país é o 13º maior produtor de publicações de pesquisa (papers) em nível mundial e seus resultados crescem anualmente. Cerca de 95% dessas pesquisas científicas são feitas por universidades públicas.

Outros cortes

O Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações (MCTIC) sofreu um corte de aproximadamente 42% dos recursos. Pesquisadores bolsistas do CNPq – Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico tiveram os recursos suspensos em abril.

Soma-se a esse cenário, a redução de 25% do orçamento do Censo 2019, outro corte que poderá impactar não só a produção científica como também a gestão de muitos municípios.

O Censo Demográfico é a maior e mais completa pesquisa feita no Brasil, sua abrangência é nacional. Os quase 70 milhões de domicílios espalhados pelos mais de 5.570 municípios são visitados. São coletados dados sobre características dos indivíduos (raça, sexo, idade); composição familiar; condições de moradia; trabalho; acesso a serviços públicos, como saúde, educação; mobilidade; acesso a serviços básicos (saneamento, eletricidade). Como não se trata de uma pesquisa amostral, toda população brasileira é consultada em detalhe, é possível fazer recortes por regiões e bairros de todo Brasil.

Além de serem fontes empíricas de inúmeras pesquisas científicas que nos ajudam a compreender o Brasil e o povo brasileiro. Os dados são usados para definir a repartição dos recursos da União para os estados e municípios, como, por exemplo, a distribuição dos recursos do FUNDEB. Sem contar que muitas cidades se baseiam no Censo para definir políticas locais e a gestão de recursos, como a distribuição de vacinas pelas unidades de saúde. A redução do questionário tem consequências na elaboração e implementação de várias políticas públicas que ficarão sem base para tomada de decisão por parte do Estado.

Batalha

Não podemos nos enganar, mais uma vez o governo tem usado da estratégia de tumultuar o debate; entre declarações, desmentidos, polêmicas, retratações, anúncios e recuos, como tem sido a conduta desde a campanha, para implementar políticas contra população. O que vemos no Brasil é um ataque à ciência, ao conhecimento e à pesquisa.

A educação impacta vários aspectos da vida não apenas pessoal, como também coletiva, contribuindo no desenvolvimento do país. Não é à toa que o nível educação é um critério que compõe o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), juntamente com o PIB per capita e a expectativa de vida ao nascer, importante indicador de desenvolvimento das nações.

É preciso travar a batalha de ideias na defesa do conhecimento como um direito humano fundamental, desnaturalizar que no Brasil a educação é um privilégio e garantir a democratização da Educação, universalizada na Constituição de 1988.

Dia 30 de maio, as aulas voltam a ser nas ruas em mais uma paralisação dos estudantes, professores e trabalhadores em defesa não só da educação como do futuro do país.