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Geopolítica e soberaniaObservatório da Defesa e Soberania

De olho na caserna | Boletim mensal

Observatório de Defesa e Soberania

Orçamento secreto da era Braga Netto na Defesa destinou R$ 558 milhões de emendas em troca de votos favoráveis ao governo.

 

N° 02/22

Este boletim de conjuntura foi produzido a partir de fontes da imprensa, e tem como objetivo acompanhar os temas relacionados às forças armadas no Brasil, com destaque para a participação militar na política. Aqui apresentamos um balanço do mês de abril. Boa leitura!

 

Forças Armadas S.A.

Milícias avançam em territórios indígenas. Na trilha dos negócios criminosos do capitão na presidência, a militarização da Funai tem pavimentado o avanço de milicianos em terras indígenas. Eles  tomam de assalto as terras e cobram propina de pecuaristas para explorarem as mesmas terras.

Ouro por sucataO Senado aprovou um novo acordo militar entre Brasil e EUA voltado para a área de tecnologias de emprego militar, com possibilidade de emprego dual. Para o relator Roberto Rocha (PTB-MA), o acordo facilitará a entrada de itens produzidos pelo Brasil no mercado estadunidense e nos 28 países da OTAN.

Os senhores das armas e a Defesa. A Taurus é a empresa que mais vende armas nos registros oficiais. O SBT News cruzou variáveis para identificar os maiores negociadores em ação no país e identificou três estratégias de atuação: 1) venda para o mercado civil em lojas e importações diretas; 2) participação de pregões oferecidos por forças de segurança do Estado; 3) uma combinação entre as anteriores. A Glock (austríaca) cresce desde 2003 impulsionada por uma licitação da PF, que alegou não existir modelo similar no Brasil. Existem 12 empresas disputando o mercado civil e estatal, sendo quatro brasileiras: Taurus, Imbel (vinculada ao Exército), Boito e Rossi. Entre as multinacionais estão: Beretta, Israel Weapon Industries, Smith & Wesson, Springfield Armory, Strategic Armory Corps LLC, Sig Sauer, CZ, Glock, Canik, Kale Kalip Makina, Arex Defense, FN Herstal. Nos últimos três anos, em cifras conservadoras, é um mercado de 500 milhões de dólares por ano. A Diretoria de Fiscalização de Produtos Controlados, ligada ao Exército, é responsável por liberar as compras para os CACs (Clubes de Caçadores, Atiradores e Colecionadores). Na prática, os militares controlam a demanda e a oferta, e houve um esforço ao longo dos últimos anos para enfraquecer a fiscalização. Além disso, quando na reserva, parte deles – e também dos policiais – passa a atuar como lobistas das empresas.

Orçamento secreto da era Braga Netto na Defesa. Foram R$ 558 milhões manejados secretamente através de emendas do relator operadas pelo Ministério da Defesa em troca de votos favoráveis ao governo. R$ 401 milhões atenderam as bases eleitorais de 11 senadores governistas, com compras sem efetiva vinculação com a pasta militar.

 

Ética de fardas

Corrupção nos quartéis.  O Superior Tribunal Militar (STM), em Brasília, manteve a condenação de cinco oficiais do Exército e dois empresários por desvios de R$ 11 milhões de convênios firmados entre o Instituto Militar de Engenharia (IME) e o Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (DNIT) entre 2003 e 2005. As penas chegam a 16 anos de prisão em regime inicial fechado. O Ministério Público Militar (MPM) afirma que empresas de fachada eram criadas em nome de laranjas e subcontratadas pelo IME para executar obras superfaturadas de infraestrutura rodoviária. 88 licitações, no valor total de R$ 38 milhões, foram fraudadas.

Os áudios do STM não mentem. Registros gravados  do STM de 1974 a 1979 trazem novas evidências sobre o terror de Estado brasileiro. Os militares debocharam: Mourão riu tratando da responsabilização penal de militares e o presidente do STM, general Gomes Mattos, asseverou que a “tendenciosa” revelação visou “atingir as Forças Armadas” e “não estragou a Páscoa de ninguém”. À dissidência militar ressentida do bolsonarismo sobrou repudiar genericamente a tortura. Na sociedade, o tema segue como um problema de direitos humanos e não como algo central nas relações de poder, sobretudo nas periferias urbanas e conflitos agrários. Enquanto isso, ícones da ditadura, como o general Newton Cruz, morrem sem prestar contas de seus crimes e  são homenageados na caserna.

É dando que se recebe. As relações promíscuas entre fornecedores do Comando do Exército e empresários bolsonaristas seguem de vento em popa. Antes de patrocinar a última “motociata”, a empresa Grow Dietary Supplements do Brasil LTDA. recebeu mais de R$ 80 mil do Comando do Exército, referentes a 11 vendas efetuadas desde o ano passado.

A virilidade militar está nua. Na esteira da desmoralização do Exército provocada pelo seu envolvimento com o bolsonarismo, mais revelações de compras “desonrosas” para o ethos másculo foram reveladas. Primeiro, a imprensa noticiou que os militares gastaram R$ 3,5 milhões em próteses penianas e aprovaram a compra de 35 mil unidades de Viagra. Depois, meio milhão de reais em botox e a compra de bisnagas de gel lubrificante íntimo. Por fim, há gastos com remédios para combater a calvície.

Piada no exterior. As notícias envolvendo as peculiares compras dos militares brasileiros repercutiram no exterior. Disparadas por agências internacionais como Reuters e EFE, as reportagens estamparam as capas de sites importantes como o do The Guardian (Reino Unido) e a revista Forbes (EUA). O tema chegou a ser abordado no monólogo de abertura do popular talk-show estadunidense Late Show With Stephen Colbert.

Amigos secretos do comandante da Marinha. Desobedecendo a CGU, a Marinha manteve o sigilo sobre a informação de quem viajou em voo fretado da FAB com o Comandante da Marinha, almirante Almir Garnier, no último Natal. Ao todo, são cinco  tripulantes que mantêm sua identidade não revelada para “preservar” a “imagem e a honra” dos mesmos.

 

Militarização da política

Marcha estudante, cabeça de papel. No Distrito Federal, são 15 unidades de ensino no modelo das escolas cívico-militares. Já na Bahia, são 118 escolas municipais que desde 2018 aderiram voluntariamente ao modelo de educação da Polícia Militar. Há consentimento popular, visto que mesmo diante de casos de racismo algumas famílias preferem o modelo.

Por espaço, hora de criar uma nova crise. Militares liderados por Braga Netto corroboraram a decisão de Bolsonaro em afrontar o Supremo no caso Daniel Silveira. Uma das causas imediatas apontadas foi a liberação dos áudios sobre tortura do STM.

Toma lá, dá cá. Militares governistas buscam ocupar o Itamaraty. A disputa envolve o ministro das Relações Exteriores, Carlos França; o assessor para Assuntos Internacionais da Presidência, o olavista Filipe Martins; e o secretário de Assuntos Estratégicos do governo, almirante Flávio Rocha. No Planalto, é atribuída a Eduardo Bolsonaro a articulação para emplacar como embaixador Marcos Degaut, secretário de produtos de Defesa do Ministério da Defesa.

Negacionismo na Comissão de Anistia. Como esperado, a Comissão de Anistia negou o pedido de condição de anistiada política à ex-presidente Dilma Rousseff. Apesar de ser de amplo conhecimento público que a ex-presidente foi perseguida, presa e torturada por motivação exclusivamente política, a decisão teve 12 votos a favor e nenhum contra. Dilma irá recorrer.

 

Politização dos militares e eleições 2022

Terceira via é a última que morre. Em um apelo desesperado para salvar o projeto eleitoral lavajatista, o general Santos Cruz é cotado para candidato à Presidência pelo Podemos, e pode dispersar os votos militares. Os generais “ex-bolsonaristas” se mantêm firmes nas críticas ao antigo chefe, afirmando que as forças armadas não devem se envolver no processo eleitoral (mesmo sendo, eles próprios, candidatos). No caso de Anitta, atacada por protestar contra o presidente em show internacional, Rego Barros defendeu a musa pop por praticar “softpower” pelo Brasil.

Quem não tem voto caça com ameaça. Enquanto a crise econômica multiplica a pobreza e a inflação assalta o salário dos trabalhadores, os militares do planalto seguem utilizando as forças armadas como instrumento de ameaça política, levantando ameaças à urna eletrônica. Bolsonaro sugeriu que a apuração também seja realizada por um computador das Forças Armadas, um “computador à direita”. Pelo twitter, o general Heleno questionou as “intenções” das pesquisas que indicam a vantagem de Lula. E o engajamento eleitoral de Comandantes segue impune: o Brigadeiro Baptista Júnior curtiu postagem favorável à reeleição do atual presidente, dando recado à sua tropa na Aeronáutica.

Imperícia suprema. Depois de cair a ficha de sua ingenuidade política ao convidar as Forças Armadas para contribuir com a Comissão da Transparência eleitoral, Barroso resolveu “revelar” a tentativa do presidente de usar as Forças Armadas para desestabilizar o sistema eleitoral brasileiro. A declaração de Barroso motivou uma nota do general Paulo Sérgio, devidamente endossada pelo Alto Comando do Exército e pela presidência. O ministro repetiu o mantra de que as forças armadas são a “Instituição Nacional Permanente do Estado Brasileiro”, o que para o bom entendedor coloca as forças armadas acima dos poderes constitucionais, da soberania popular e do Estado nacional. Além disso, repetiu que “as eleições são questão de soberania e segurança nacional”. Coube a Barroso um estrondoso silêncio. Enquanto isso, coube a Fachin, o novo presidente do TSE, a prorrogação da novela que persiste em maio. 

Lula contra os 8 mil militares. Lula diz que, se eleito, terá de ‘tirar quase 8 mil militares’ de cargos comissionados. Gleisi Hoffmann, presidente do PT, também adotou o tom certo tratando da nota do general Paulo Sérgio: “não cabe ao ministro da Defesa opinar sobre o processo eleitoral”, pois isso ameaça a hierarquia e a imagem da organização. Repetindo velhos erros, Nelson Jobim teria interpelado oficiais do Alto Comando “sobre Lula conseguir tomar posse, caso eleito”.

 

Criminalização e vigilância política

Oficiais do Exército atuam na máquina de desinformação massiva. Quatro perfis de oficiais do Exército foram identificados em uma rede de difusão de desinformações sobre a Amazônia no Facebook ligada à empresa Graphika.

A coesão ideológica entre Forças Armadas e Bolsonaro. Durante a posse do novo ministro da Defesa, general Paulo Sérgio Nogueira, e do novo comandante do Exército, general Marco Antônio Freire Gomes, Bolsonaro afirmou: “Nós todos aqui, sem exceção, somos privilegiados. Vivemos um momento onde há decisões e em última análise fogem em campo político e vem pro campo militar”. Por fim, conclamou os militares a seguirem sendo o último obstáculo para o socialismo no Brasil.

 

Cenário internacional

É moda também na Colômbia. A Colômbia tem vivenciado uma escalada de manifestações golpistas de militares de altas patentes. As acusações do candidato da esquerda líder nas pesquisas e rotineiramente ameaçado de morte, Gustavo Petro, sobre ligações de generais com o narcotráfico, foram rebatidas pelo comandante do Exército da Colômbia, general Eduardo Zapateiro, pelo twitter.

Apoio russo. Em meio ao conflito com a Ucrânia, a Rússia defendeu publicamente a entrada do Brasil no Conselho de Segurança da ONU. Segundo os russos, a entrada de Brasil, Índia e um país africano poderia democratizar o Conselho e diminuir a influência dos EUA. Vale também ressaltar que, desde o início da guerra na Ucrânia, as exportações russas ao Brasil dobraram em meio às sanções aplicadas a Moscou pelas potências ocidentais.

 

Flores e espinhos

Para quem quer saber mais 

Amazônia em disputa. A disputa pelo controle sobre os recursos da Amazônia é intensa, particularmente com o acirramento crescente da competição hegemônica em escala global. Em geral, setores militares predominam na discussão sobre o que ameaça esse território. O pensamento militar se organiza em torno de cinco pressupostos: soberania; geopolítica; autopercepção de que apenas militares são comprometidos com a defesa da Amazônia; visão de como a Amazônia deve estar integrada ao país; e foco nas fronteiras, alimentando desconfianças dos vizinhos. Os impactos da ampliação da militarização da Amazônia são discutidos em texto disponível em: https://periodicos.ufpa.br/index.php/ncn/article/view/9943

O negócio trilhonário da guerra. O relatório do SIPRI de 2021 indica que os gastos militares mundiais não sofreram os impactos da pandemia e ultrapassaram a marca de dois trilhões de dólares pela primeira vez, atingindo US$ 2.113 bilhões, 0,7% maiores do que em 2020, e 12% maiores do que em 2012. Em proporção ao PIB mundial, o fardo militar global significa 2,2%.