Skip to main content
Geopolítica e soberaniaObservatório da Defesa e Soberania

De olho na caserna | Boletim mensal

Observatório da Defesa e Soberania

 

N° 05/22

 

Este boletim de conjuntura foi produzido a partir de fontes da imprensa, e tem como objetivo acompanhar os temas relacionados às forças armadas no Brasil, com destaque para a participação militar na política. Aqui apresentamos um balanço do mês de julho. Boa leitura!

 

Ética de fardas

Sem Var e jogando fora das quatros linhas. Com dados apenas de 2020, a Controladoria Geral da União (CGU) apurou mais de 2,3 mil irregularidades em salários de militares no governo. Dentre os desvios, estão 930 militares em funções civis com mais de dois anos no cargo, o que é proibido por lei; 729 ganhando acima do teto do funcionalismo público e 110 com abatimentos irregulares; 558 militares sem amparo legal para realizar função como agente civil; e 36 militares na ativa com tempo de dois anos já excedido no cargo civil. Por incrível que pareça, a burocracia militar é a única que foge da fiscalização do CGU, tendo uma controladoria própria que, casualmente, não identificou essas irregularidades.

Quando tratados como civis, a casa cai. Enquanto isso, o Tribunal de Contas da União (TCU) condenou 28 militares por mau uso de recurso público. Ao todo, foram oito processos que resultaram na condenação de 19 oficiais superiores, incluindo 4 generais do Exército, mais do que o dobro de militares de patentes mais baixas. Desses 28 condenados, 15 membros das Forças Armadas foram multados pelo TCU durante o governo Bolsonaro. Quanto aos prejuízos, desde 2019 totalizam R$ 25 milhões e as multas aplicadas somam R$ 2,9 milhões. Já as individuais, variam entre R$ 5.000 e R$ 600 mil, atingindo 19 militares do Exército, 3 da Aeronáutica e 6 da Marinha.

Ajoelhou, tem que propinar. Mensagens eletrônicas trocadas entre a Casa Civil e o MEC revelaram que o general Braga Netto intermediou encontro entre pastores da propina e o então ministro da Educação, pastor Milton Ribeiro.

Eficiência abaixo de zero. Desviado rotineiramente para atividades de segurança pública, o Exército admitiu não conseguir detalhar armas nas mãos de atiradores e caçadores.  O chamado “apagão de informações” decorre da falta de padronização de campos do Sigma (Sistema de Gerenciamento Militar de Armas), o banco de dados responsável por manter atualizado o cadastro de armas adquiridas pelos CACs. Apesar de previsto em lei, os dados são desestruturados e o Exército reconheceu que erros no preenchimento do Sigma levaram à inclusão nas planilhas de armas que não são permitidas para os CACs, como morteiros e canhões.

Patrimonialismo de 2 estrelas. Em mais um episódio de promiscuidade entre o público e o privado, um general de brigada é acusado de usar recursos do plano de saúde para custear um processo movido contra uma ex-conselheira por danos morais. A revelação foi do SINSSP (Sindicato dos Trabalhadores do Seguro Social e Previdência do Estado de São Paulo), já que este tipo de ação tem caráter personalíssimo. O general Ricardo Figueiredo perdeu e foi condenado a pagar os advogados da ex-conselheira que o processou.

 

Militarização da política

No Congresso, conversa militar para parlamentar dormir. Em audiência na Comissão de Relações Exteriores e Defesa Nacional, tanto o ministro da Defesa quanto os comandantes das três forças repetiram ameaças autoritárias camufladas na linguagem tecnocrática. O ministro rechaçou preocupação com “efeito capitólio”, enquanto os comandantes reproduziram mitos de superioridade militar em relação ao próprio Estado nacional e à nação. Quanto às urnas, o discurso segue dúbio, viabilizando atuação desestabilizadora dos militares. A estratégia é se agarrar em “aperfeiçoamentos” que, na prática, endossariam o discurso de descrédito do sistema eleitoral.

Nossa escola, meu quartel – Enquanto o ataque às urnas segue na superfície, a disputa de poder nas profundezas da socialização se intensifica. Na Bahia, a militarização avança nas escolas públicas e afeta até a vida privada dos alunos. Engana-se quem pensa que a presença de militares se dá apenas do lado de fora da sala de aula: policiais criaram a matéria “Metodologia Disciplinar de Ensino (MDE)”, o que inclui instrução militar e conteúdo semelhante ao de Educação Moral e Cívica (EMC) e Organização Social e Política Brasileira (OSPB), ministrada por PMs da reserva remunerada que integram a equipe disciplinar de cada escola. O apoio familiar ao projeto se ancora na sensação de ordem, segurança e disciplina, visando proteger os filhos da violência e evitar que eles se envolvam com a criminalidade. Já são 466 militares estaduais da reserva remunerada, o equivalente a um batalhão de polícia militar, com a missão de garantir a disciplina e a ordem entre os estudantes, dentro e fora das escolas. No bolso, extras que variam de R$ 2 mil a R$ 4 mil, de acordo com o cargo ocupado – diretor, coordenador ou tutor disciplinar. Essa tendência foi verificada na pesquisa sobre os valores brasileiros, liderada pelo cientista político Leonardo Avritzer: a militarização das escolas públicas é apoiada pela maioria, tendo amplo apoio no Centro-Oeste (68%) e menos apoio no Sudeste (52%). Porém, 72% dizem confiar mais em professores do que em militares para trabalhar em instituições de ensino*.

Até tu, ONU?! Por outro lado, a militarização de serviços públicos é desaconselhada pela Organização das Nações Unidas (ONU). Em documento, a entidade cobrou do governo brasileiro a desmilitarização da polícia e o fim do racismo institucional. A cobrança é por adotar amplas reformas para pôr fim à violência e ao racismo presente nas instituições brasileiras. A entidade apontou a necessidade da desmilitarização da polícia e de melhorias nas leis vigentes.

Porte informal de armas liberado. Na série das lendas institucionais, há aquelas que apontam certa tradição dos militares pela institucionalidade. Na prática, a teoria é outra e a “flexibilização” do porte de armas com trajeto restrito para os CAC’s resultou num fático liberal geral.  Ao todo, foram 17 decretos presidenciais, 19 portarias (incluindo do Exército e da PF), 3 instruções normativas, 2 projetos de lei e 2 resoluções que intencionalmente armaram uma fração da sociedade com afinidades empresariais e ideológicas ao governo. Mesmo nos estados, incompetentes para legislar sobre o tema, projetos de leis liberou geral avançam, tendo 90% desses projetos sido apresentados neste ano por parlamentares ligados ao grupo pró-armas e ao deputado federal Eduardo Bolsonaro (PL-SP), líder e articulador desse movimento de estadualização das leis de armamento.

Milícia civil avança na política. Se comparadas às organizações estatais da ativa, os CAC’s já poderiam ser consideradas a maior força armada do país. Enquanto há 406 mil policiais militares da ativa, são 673 mil atiradores cadastrados. Tratam-se de forças irregulares e heterogêneas, sendo equivocado pensar que todos formariam uma milícia. Porém, os CAC’s lançaram 34 candidatos ao Congresso e organizam um partido político. Quem lidera a partidarização  é a Associação Proarmas, a mais representativa da classe. Já para os legislativos estaduais e distrital, há mais 23 nomes sendo preparados. Formando uma rede empresarial de lojas de armas, os clubes de tiros são vistos como militantes de candidaturas. Hoje, ao todo, existem 2.066 clubes em todos os estados, sendo alguns com conotação claramente política – Patriotas do Brasil, Pátria Armada, Brasil Atividades de Tiro e Armas Brasil. Estão espalhados em mais de 300 municípios. Só para ter um parâmetro, o número de clubes de tiros é maior do que a quantidade de diretórios dos partidos Rede e  Novo, ambos com representação no Congresso (29 e 147, respectivamente).

 

Politização dos militares e eleições 2022

Fanático mundo de extrema-direita dos Generais. Levantamento do laboratório DATA_PS, que reúne pesquisadores da UFRJ e da UFF, revelou que generais das forças armadas vivem numa bolha digital de extrema direita no Twitter. No submundo virtual, estão a rede de políticos bolsonaristas e influenciadores olavistas. Na pesquisa foi possível traçar um mapa ideológico desses generais, todos na extrema-direita.

É golpismo que chama? Para um seleto grupo de empresários da Federação das Indústrias do Rio de Janeiro, o general Braga Netto (PL) mais uma vez fez ameaças de não haver eleições “sem auditoria de votos”. Na reunião a portas fechadas, a declaração teria causado “constrangimentos” na plateia de empresários, mas sem gerar reações contrárias. Braga Netto estava acompanhado do ex-ministro da Saúde Eduardo Pazuello, pré-candidato a deputado federal pelo PL. O mesmo comportamento em quatro paredes se repetiu em reunião ministerial, em que militares atacaram abertamente o TSE e planejam criar um “cronograma paralelo” de apuração; na tentativa do general Paulo Sérgio em obter dados dos processos eleitorais anteriores para “comprovar” o discurso presidencial de fraudes das urnas eletrônicas;  e na proposta apresentada pelo ministro da Defesa em audiência no Congresso visando realizar uma votação paralela no dia das eleições com cédulas de papel supostamente para “reforçar” a transparência da votação, em aparente cavalo de troia. No titubeio empresarial, editorial da Folha vai direto ao ponto: ameaças como essas, alimentadas inclusive pelo ministro da Defesa, general Paulo Sérgio, são “discursos de teor golpista”. E depois do desastroso “Briefing” a embaixadores no Planalto, não restou dúvidas ao jornal do golpe de 2016: presidente golpista.

A última dança na “tanqueata” de sete de setembro. Cada vez mais isolado no andar de cima depois da adesão da Febraban ao manifesto “Em Defesa da Democracia e da Justiça” organizado pela Fiesp, o golpismo militar busca produzir uma imagem de apoio popular utilizando o evento oficial do sete de setembro. Com isso, promove intensa campanha no submundo das redes, onde tem muita força, dando ares de “ultimato” à elite judiciária para que aceite fraudar as eleições.

Instituições tentam funcionar contra tentativa de golpe. Antes acuado, o judiciário entendeu que precisava buscar apoio político na sociedade. Tratando com o real a possibilidade de um “capitólio brasileiro” e na tentativa de contornar o erro estratégico de atrair os militares para o TSE, Fachin tem criticado o comportamento desestabilizador das forças armadas, contrariando seu papel constitucional quando chamadas a “arena pública”. Já no Superior Tribunal de Justiça, o general de divisão da reserva Ajax Porto Pinheiro lançou seu livro laudatório de memórias da Minustah. Porto Pinheiro foi um dos generais que participou da campanha de Bolsonaro, sendo depois indicado como “assessor especial” nas presidências do STF e do STJ. Na cerimônia, o ministro da Defesa compareceu.

Lula e os militares. Embora seja notória a rejeição generalizada dos militares, o pragmatismo político tem criado pontes entre interlocutores de Lula e o alto comando do Exército. No discurso, o ex-presidente tem alertado que “não irá tolerar ameaças”, cobrando comportamento democrático e profissional dos militares. Também tem ressaltado que em seu governo manteve relações harmoniosas com as forças armadas, inclusive de cooperação quando chamados à política. Mas mantendo ao menos algum nível de subordinação, declarando sua intenção de nomear um civil para a Defesa em caso de vitória. Há também sinais enviados pela candidatura aos poucos generais abertos ao diálogo, como um “mea culpa” do período da ex-presidente Dilma Rousseff, sobretudo após a implementação da Comissão da Verdade, criada por Lula. Por sua vez, generais mensageiros do alto comando do Exército fizeram chegar a interlocutores de Lula que “desaconselham” rupturas bruscas, mantendo-se um militar à frente da Defesa – o nome especulado foi do general Enzo Peri, que comandou o Exército na gestão Dilma, conhece o partido e é respeitado internamente. Como esperado, a caserna visa manter territórios conquistados em caso de derrota eleitoral. Repetindo discurso de que as forças armadas já estiveram e voltariam sem melindres a governos petistas, o general Mattos se despediu da presidência do STM declarando que as eleições seriam um assunto do TSE, e não das forças armadas. Na cerimônia, estavam os generais Braga Netto (PL) e Luiz Eduardo Ramos, ministro da Secretaria-Geral da Presidência. Na política, a candidatura de Lula e Alckmin busca neutralizar a tentativa de golpe no parlamento, realizando encontro com o presidente do Senado para garantir o pronto reconhecimento do resultado eleitoral e evitar a possibilidade de um golpe parlamentar.

Antes fosse só o tiozão da zap. Na contramão de setores da imprensa que ainda insistem em separar Bolsonaro e os comandantes das forças na tentativa de golpe, o general Paulo Sérgio compartilhou para generais da ativa texto do general Rocha Paiva que levanta ameaças à organização militar caso Lula seja eleito. Escrito pelo idealizador do projeto “conservador-evolucionista-liberal” Brasil 2035, o texto mobiliza argumentos ideológicos e corporativos visando alimentar o “espírito de corpo” e produzir coesão na caserna em oposição a Lula. Confrontado, Paulo Sérgio alegou que “o texto é muito bom” e que Rocha Paiva “é uma das maiores inteligências da história do Exército”.

Imagem é tudo. Em mais uma pesquisa publicada sobre a imagem pública das instituições, os efeitos da politização dos militares emergem: a desconfiança popular sobre as forças armadas subiu oito pontos em quatro anos, sendo que atualmente 29% da população desconfia da organização militar. Porém, ainda 70% dos brasileiros demonstram algum grau de confiança nos militares. Em 2018, esse número era de 78%. Conforme a pesquisa, o STF atinge o mesmo patamar.

De muitos, seremos poucos. Preocupado com a pulverização de candidaturas em SP, o deputado federal Capitão Augusto (PL-SP) veio a público dizer que a quantidade de candidatos das polícias e forças de segurança em São Paulo seria “absurda e exagerada”. Conforme projeções, só de militares estaduais serão 80 da ativa e mais ou menos a mesma quantidade de aposentados em busca de um cargo eletivo, um número cinco vezes maior do que a média em anos anteriores. Nas causas, estaria a esperança de repetição da onda conservadora de 2018 e o fato de esta ser a última eleição federal em que poderão fazer campanha livres da quarentena, prevista a partir das eleições em 2026.

 

Cenário internacional

Pressão do Norte na jugular militar. Na frente internacional antigolpe no Brasil, deputados dos EUA apresentaram emenda ao orçamento anual de Defesa dos Estados Unidos buscando que o governo americano investigue se as Forças Armadas do Brasil estão interferindo nas eleições, sobretudo na contagem de votos, manipulação para tentar reverter o resultado e participação em campanhas de desinformação para questionar o sistema eleitoral e os resultados por meio de protestos, redes sociais ou outros meios de comunicação. A iniciativa visa acionar cláusula que prevê o fim da assistência de segurança dos EUA a países em que haja golpe de Estado ou ataques de militares à democracia, o que poderia colocar em risco a condição do Brasil de aliado extra-Otan, obtida em 2019.

Nem o império parece querer um golpe. Sediado no Brasil em meio a ameaças de golpe de Estado, o encontro de ministros da Defesa das Américas serviu como mais um fator de constrangimento aos militares golpistas. Pressionado, o general Paulo Sérgio Nogueira assinou a Declaração de Brasília em que assume compromisso com a democracia. Apesar da ambiguidade do que significa esse compromisso, já que nossos militares consideram  a ditadura de 1964 “um marco da democracia no Brasil”, a assinatura antecedeu a declarações do secretário de Defesa dos EUA, Lloyd Austin, de que o governo Joe Biden espera que o Brasil mantenha a tradição de realizar eleições justas e transparentes neste ano.

 

Nem tudo são espinhos

A luta pela responsabilização militar. O Ministério Público Federal em Goiás (MPF) denunciou à Justiça Federal o ex-oficial do Exército Brasileiro Rubens Robine Bizerril pelo sequestro e morte do então estudante e militante do Partido Comunista Brasileiro (PCB) Ismael Silva de Jesus. Nos pedidos do MPF, estão a condenação pelos crimes de homicídio qualificado, sequestro e cárcere privado, falsidade ideológica e fraude processual.

Memória política importa, sim senhora. A prefeitura de Recife sancionou legislação que proíbe a realização de homenagens a torturadores, escravagistas e pessoas envolvidas com a ditadura militar (1964-1985). Proposta pela vereadora Dani Portela (PSOL), a lei veta homenagens a nomes de violadores de direitos huRECOMENDAMOSmanos em espaços públicos, prédios e monumentos. Trata-se de mais uma iniciativa municipal visando a implementação das recomendações da CNV, mas que vai além, incluindo o período escravocrata.

Democratas, estamos com a maioria. A pesquisa “a cara da democracia” indicou que 6 a cada 10 brasileiros preferem a democracia a qualquer outra forma de governo. Na mesma pesquisa, apenas 15% topam uma ditadura “em algumas circunstâncias”.

 

Recomendamos

Amazônia e militaresentrevista com Ana Penido, autora de estudo publicado a respeito da militarização da Amazônia.

Segurança Nacionalentrevista com Rodrigo Lentz, autor do livro que aborda a formação histórica da politização dos militares no Brasil.

Partido fardado – artigo de Sérgio Amadeu abordando reformas democratizantes das Forças Armadas brasileiras visando a soberania nacional e popular.