De olho na caserna | Boletim mensal
Passado as eleições e depois de todo o barulho causado pelas FFAA sobre a credibilidade das urnas, os militares resolveram fazer um “voto de silêncio” e, até agora, apresentaram apenas respostas evasivas sobre a fiscalização das eleições. Enquanto isso, embora Lula tenha falado pouco sobre os militares durante a campanha, muito se conjecturou sobre o que ele pensaria, e diversas propostas já circulam por aí.
Observatório da Defesa e Soberania
N° 08/22
Este boletim de conjuntura foi produzido a partir de fontes da imprensa, e tem como objetivo acompanhar os temas relacionados às forças armadas no Brasil, com destaque para a participação militar na política.
Forças Armadas S.A.
Alcântara. A Força Aérea Brasileira assinou um contrato com a empresa da Coreia do Sul Innospace para realizar lançamentos de veículos espaciais a partir do Centro Espacial de Alcântara, no Maranhão. As empresas estadunidenses Hyperion, Orion AST e Virgin Orbit também assinaram contrato com a FAB para o mesmo propósito.
KC-390 voando baixo por aqui. Portugal acaba de receber o primeiro KC-390 que adquiriu. O avião passará por uma fase de integração de sistemas da OTAN; mas por aqui, novo acordo entre FAB e Embraer reduz a compra de cargueiros militares para o Brasil. Por outro lado, a FAB e a Embraer manifestaram a intenção de construir uma aeronave militar não tripulada (drones). A caserna também abriu processo para o desenvolvimento de sistemas de armas antiaéreas.
Sucata trabalhosa. O porta-aviões São Paulo está parado no litoral de Pernambuco aguardando testes de segurança por conta do amianto presente em seu casco; na sequência, será transferido para desmonte na Turquia.
Extra pago em dólar. O TCU apontou irregularidades em compras feitas pelas forças armadas no exterior, identificadas a partir de denúncias do próprio Ministério Público Militar. São alvo de investigação a Comissão Aeronáutica Brasileira na Europa, a Comissão Naval Brasileira em Washington e a Comissão do Exército Brasileiro em Washington. Entre 2016 e 2021, as Forças reservaram US$ 17 milhões para adquirir produtos como coletes à prova de balas e capacetes que poderiam ter sido fabricados no Brasil. Uma mesma empresa vendeu de bolas de futebol até softwares para as FFAA.
Bolso cheio. A despesa de pessoal com militares cresceu 28,9%, 3,6 pontos acima da inflação, desde o início do governo Bolsonaro, mais do que o dobro da variação dos gastos com civis, que foi de 13,2%. Reportagem do Valor questiona não apenas a quantidade dos gastos quanto a qualidade dos mesmos, basicamente direcionados para gastos com pessoal.
Ética de farda
Antes tarde do que mais tarde. Pela primeira vez, o vestibular do Instituto Tecnológico de Aeronáutica (ITA) terá a possibilidade de inclusão de candidatos com deficiência física. Mais de 9.300 candidatos vão disputar 150 vagas, sendo 36 para os optantes pela carreira militar. Apenas um candidato com deficiência se inscreveu.
Antes tarde do que mais tarde 2. Contrariando um recurso da União, o MP foi favorável ao direito do segundo sargento, Allanis Costa, usar seu nome social e trajes femininos nas dependências da Marinha.
Machismo. Sargento expulso da Aeronáutica é julgado por feminicídio. Um segundo caso que teve continuidade com processos administrativos disciplinares foram as denúncias de assédio sexual de dois professores ao colégio da Aeronáutica, no Rio de Janeiro. Ambos foram transferidos para a Universidade da Força Aérea. O MPF arquivou a investigação sobre improbidade dos dois.
Infância corrompida. PM e Exército fazem exposição de armas de alto calibre, como granadas, em praça de Uberaba (Minas Gerais) em comemoração ao dia da criança.
Puxadinho. O capitão do Exército e dono da casa em que Bolsonaro grava seus vídeos também tinha direito ao imóvel funcional, revogado esse mês.
Porta giratória. A FAB e o Exército celebraram convênios no total de R$ 749 milhões com a Organização Brasileira para o Desenvolvimento Científico, que é alvo de inquérito no Ministério Público Federal e tem contratos questionados pelo Tribunal de Contas da União. A organização tem entre seus quadros 23 militares da reserva, com facilidades para obter contratos com a FAB sem disputar licitações, numa verdadeira porta giratória.
Terra indígena. Em áudio, militares na Fundação Nacional do Índio (Funai) prometem atropelar Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) e liberar garimpo em terras indígenas, derrubando autuações por desmatamento ilegal cometidas por fazendeiros no Mato Grosso.
Militarização da política e de tudo o mais
Bajulação extremada. Por lei, as medalhas militares são destinadas a civis que tenham prestado serviços relevantes para as forças armadas. Qual será o auxílio à Aeronáutica fornecido pelo empresário Luciano Hang, dono das lojas Havan e apoiador de Bolsonaro, que o qualificou para receber o grau de comendador da Ordem de Mérito Aeronáutico?
7 de setembro. O MPF investiga o apoio das forças armadas à apropriação que Bolsonaro fez das comemoração da independência, analisando os gastos detalhados (incluindo diárias e passagens), uma análise prévia dos riscos de manifestações político-partidárias e medidas para preveni-las.
Entre o absurdo e o trágico. O líder do PTB, Roberto Jefferson, ingressou há um mês com um processo no Superior Tribunal Militar para acabar com a inércia dos militares e do próprio presidente Bolsonaro. No dia da sua prisão pela PF, ele reagiu com tiros de fuzil e granadas contra os policiais. O Exército investiga Jefferson por licença vencida do Clube de Colecionadores, Atiradores e Caçadores (CAC) e por porte de granada proibida. A investigação deve ser concluída em 30 dias, e precisa explicar por que ele tinha um arsenal significativo em sua residência e como ocorreu o trânsito de armas para a sua casa no Rio de Janeiro, uma vez que seu certificado é em Brasília. Em 2020, a PF fez uma operação contra ele e não encontrou armamentos. Desde 2006, ele não tinha autorização para possuir armas por ter sido denunciado criminalmente pelo MP. Além disso, mesmo se estivesse em dia, ele não poderia ter armas automáticas como um fuzil, e muito menos granadas. O controle desse tipo de armamento é responsabilidade da PF e do Exército. As punições por porte são administrativas, e não criminais. Há controvérsias sobre o tratamento dado pelos agentes da PF ao ex-deputado.
Politização dos militares e eleições 2022
Últimos capítulos. Finalmente chega ao final a novela sobre a credibilidade das urnas. O primeiro turno aconteceu, e o Ministro da Defesa passou tranquilamente e sem declarações públicas sobre a fiscalização. O PL (partido de Bolsonaro) não compareceu à fiscalização. Bolsonaro avisou que iria aguardar o parecer das forças armadas sobre o primeiro turno, que não saiu, e acompanhou as primeiras horas da apuração nas dependências do MD. Entre o primeiro e segundo turnos, seguiu o “disse e me disse” sobre o relatório com a avaliação das forças armadas sobre a credibilidade das eleições, com diferentes datas previstas para a sua conclusão, e diferentes versões sobre quem teria acesso às informações em cada fase. Paralelamente, o presidente do TSE, Alexandre de Moraes, comemorou o sucesso dos testes de integridade; intimou as forças armadas a divulgarem o relatório, suspeitando de desvio de finalidade; e o MP pediu ao TCU que cobrasse das forças armadas a divulgação do relatório. A imprensa noticiou que o relatório estava pronto, foi apresentado a Bolsonaro, mas não foi divulgado a pedido do mesmo. O planejamento conjunto para o segundo turno foi feito entre o MD, o Ministério da Justiça e o Procurador Geral da República. O MD sugeriu alterações no teste de integridade, mas o TSE não acolheu. Moraes afirmou só conversar após receber o relatório. A Folha desnudou a estratégia em editorial: “a resposta evasiva do ministro (da Defesa) deixa evidente que o objetivo das forças armadas, desde que aceitaram o convite do tribunal para participar da fiscalização das eleições deste ano, nunca foi contribuir para aprimorar o processo”. A parte técnica da ativa das forças armadas também deu respostas evasivas, como as do Coronel Marcelo Nogueira, chefe da equipe do Exército junto ao TSE. A narrativa de fraude perdeu força diante das vitórias eleitorais de tantos ex-ministros do governo e militares como Hamilton Mourão (senador pelo Rio Grande do Sul), Eduardo Pazuello (deputado pelo Rio de Janeiro), Eliéser Girão (deputado pelo Rio Grande do Norte). Sete militares das forças armadas estarão no Congresso em 2023: seis deputados e um senador, um a mais do que no período anterior. Peternelli, o mais ‘tratável’ entre os generais da última gestão, não foi reeleito; assim como Victor Hugo, major e ex-coordenador do governo na Câmara, candidato em Goiás. Para uma análise ampla do perfil das candidaturas militares sugerimos o estudo do Instituto Tricontinental. No dia da votação do segundo turno, as forças armadas atuaram nas operações de Garantia da Votação e Apuração, como de costume, mesmo contrariando Moraes. Além disso, seguiram no trabalho de fiscalização, em especial no teste de integridade das urnas, assim como no primeiro turno. Observadores internacionais convidados pelo TSE foram críticos à postura das forças armadas como validadores das eleições. Junto à PRF, o Exército fez uma blitz na ponte Rio-Niterói que gerou grandes congestionamentos. Consumada a derrota de Bolsonaro, o responsável pela comunicação do MD, general Vergara, declarou luto pelo Brasil. Possivelmente, caberá a Mourão a passagem da faixa a Lula.
Mente quem pode, se engana quem quer. O Estadão relatou que o Alto Comando do Exército se reuniu e declarou que respaldaria o resultados das eleições, com um “quem ganhar, leva”. Com isso, os comandantes se distanciariam dos questionamentos sobre as urnas feitas por Bolsonaro. No mesmo dia, uma nota oficial do Exército acusou o jornal de fake news, repudiando o conteúdo da matéria. Bolsonaro seguiu levando militares fardados à debates, como o Major Cid, investigado pela PF por aderir a um golpe militar. No UOL, Jamil Chade divulgou um contundente artigo: “Carta às forças armadas: é a Constituição, estúpido”.
Lula lá. Lula pouco falou sobre militares durante a campanha, mas muito se falou sobre o que ele pensaria. Em termos de propostas, o Plano da Coligação Brasil Esperança prevê a despolitização das forças armadas e sua dedicação prioritária à defesa externa, modernizando-as. Para isso, seria necessário criar uma Guarda Nacional e diminuir a utilização de GLOs. Já existiram sinalizações por parte de Celso Amorim de que a Comissão Nacional da Verdade e a revisão da Lei de Anistia não estão na pauta, assim como mudanças nas promoções de generais ou no currículo das academias, questões que documentos do PT já criticaram. A desmilitarização será um desafio de monta. Outras propostas de ações circulam, como a retirada do controle do Exército sobre as polícias militares, levantada por Francisco Teixeira. Nas bolsas de palpites já circulam os nomes de possíveis novos comandantes para o Exército, como os generais Ribeiro Paiva e Richard Nunes. O mesmo vale para o Ministro da Defesa, com nomes diversos entre as apostas, como o do vice Geraldo Alckmin. Aliás, o perfil dos candidatos a vice está sendo bem distinto. Enquanto Alckmin tenta atrair as forças políticas de centro para a campanha, Braga Netto funciona como um seguro das ‘forças armadas’ para a candidatura Bolsonaro. Ambos coordenarão a transição.
Agora também com provas. Ainda na ativa, o general Ramos, atualmente ministro da Secretaria Geral, discursou a favor de Bolsonaro dentro do Comando Militar do Sudeste, algo proibido pelo Estatuto Militar, mas agora com provas em áudio.
Palpitagem liberada. O tuíte de Villas Bôas ecoou pouco dessa vez, mas não faltaram militares opinando sobre as eleições. Os dissidentes Rego Barros e Santos Cruz trataram da necessidade de reconhecer o resultado das eleições e reconstruir pactos entre um país dividido. Não foi a tônica do discurso adotado pelos generais Santa Rosa e Rocha Paiva. Por fim, o general Ridauto dá uma entrevista repetindo acusações contra o Foro de São Paulo.
Criminalização e vigilância política
Mais armas em circulação, mais armas nas mãos de criminosos. A PF e Exército apreendem fuzis, pistolas e munições com origens em CACs e que foram utilizados por organizações criminosas no Mato Grosso do Sul. Os CACs triplicaram durante o governo Bolsonaro, o que dificultou o controle dos armamentos.
Cenário internacional
Grande irmão do norte. Segundo o Departamento de Defesa dos EUA, um destroier estadunidense, a fragata brasileira União e o submarino Tikuna fizeram um exercício de cinco dias no litoral do Rio de Janeiro com vistas a eliminar o comércio ilegal de drogas no sudoeste do oceano Atlântico. Também neste mês, a Conferência dos Exércitos Americanos condecorou o atual presidente da CEA, o general brasileiro Marco Antônio Freire Gomes.
Parcerias Sul-Sul. O Senado aprovou a doação de 20 viaturas do Exército brasileiro ao Paraguai e acordos de cooperação em defesa com o Chile e com o Líbano. O acordo com o Chile trata da padronização de métodos de identificação de suprimentos para as forças armadas, seguindo as diretrizes da OTAN. O acordo com o Líbano trata da pesquisa, desenvolvimento, aquisição de equipamentos e apoio logístico a sistemas de defesa entre os dois países
Missões de Paz. Grupos armados no Congo atacaram soldados da Monusco, que conta com 20 militares brasileiros, como o general Marcos Affonso da Costa, que substitui o general Santos Cruz e cuja atribuição é preparar militares para atuar no ambiente de selva. Enquanto isso, o Centro de Operações de Paz de Caráter Naval, e o Centro Conjunto de Operações de Paz do Brasil (Exército), receberam uma visita de avaliação da Organização das Nações Unidas.
Flores e espinhos
Fora do ar. Os arquivos sobre a ditadura militar brasileira do Arquivo Nacional estão fora do ar desde 9 de outubro, incluindo o relatório da Comissão Nacional da Verdade.