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Geopolítica e soberaniaObservatório da Defesa e Soberania

Elementos sobre a ocupação em massa dos militares no Planalto

Observatório da Defesa e Soberania

Não é uma simples opção do Bolsonaro que, na ausência de quadros técnicos, empregou militares. Os militares atuam sob o princípio de ocupação em massa.


“É um tempo de guerra, é um tempo sem sol”

1. O presidente Jair Bolsonaro se consolidou, seja no seu próprio segmento seja enquanto dono da cadeira. Portanto, algumas avaliações feitas no início do governo em 2019 se mostraram equivocadas como: “ele não dura um ano”, “ele não tem projeto”, “ele é só o antipetismo”, “o governo vai se dissolver nas suas próprias trapalhadas”, “o inimigo do Bolsonaro é o próprio Bolsonaro”, entre outras. O governo tem uma agenda própria, intensa e extensa, e neste momento está bastante fortalecido pelas vitórias conquistadas em vários setores, aprofundando suas “alianças” internacionais (feitas em termos mais ou menos assimétricos/subordinados a depender do país) e cristãs. O presidente também vem tendo êxito em acobertar sua ligação com as milícias, em especial com o Escritório do Crime.

2. Assim como Bolsonaro foi testando o seu poder durante 2019, assim fizeram os militares, que entram em 2020 com um plano de ação definido e um compromisso especial com as áreas econômica e de segurança. A nomeação do general Braga Neto para a Casa Civil é o sinal mais grave que poderia ser emitido, e ocorre um dia depois da morte do miliciano Adriano Nóbrega, que por si só, já é grave, pois mostra uma forma de operação aberta e não velada ou clandestina.

3. Currículo do general Braga Neto: chefiou a intervenção militar no Rio de Janeiro durante o governo de Michel Temer, tendo conhecimento do mapa das milícias cariocas e suas ligações políticas. Atualmente, ele é o chefe do estado-maior. Tecnicamente era o responsável pela segurança pública no Estado do Rio de Janeiro quando a vereadora Marielle Franco e seu motorista Anderson Silva foram assassinados. Deixou a função sem elucidar o crime.

4. Essa nomeação revela a unidade de ação da reserva e da ativa. Embora poucos defendessem uma divisão entre militares e Bolsonaro, em virtude das contradições ao redor do projeto da previdência militar, a maioria dos analistas apontava para uma tentativa do alto comando do Exército, em especial de Edson Pujol, Comandante do Exército Brasileiro, de distanciar a instituição do governo. Alguns sinais foram dados nesse sentido, como a negativa da quarta estrela ao Rego Barros, artigos de jornal, a ordem do dia homenageando o general Leônidas (quem expulsou Bolsonaro do exército) entre outras. A nomeação de Braga Neto vem no sentido contrário. Ele está na ativa, assim como Luiz Eduardo Ramos, ministro da Secretaria de Governo, e Bento Albuquerque, ministro de Minas e Energia. Até o fim do ano passado, Rego Barros (Comunicação) também estava na ativa. A nomeação do Braga abre uma vaga no comando, e já saíram os novos 4 estrelas, ambos da cavalaria. A nomeação também parece apontar uma ação mais ordenada do alto comando, contradizendo argumentos surgidos na nomeação do Ramos, que apontavam para a antiga amizade com o presidente ou na coincidência religiosa. A se confirmar a ida do general Antônio Miotto para uma assessoria do governo, os comandantes de 2018 (ano do twitter do general Villas Boas e da facada em Bolsonaro) dos Comandos Sul, Sudeste e Leste estarão no Planalto, formando praticamente uma junta militar.

5. Praticamente todos os generais de todas as estrelas da geração do capitão estão empregados no governo (75-79), e foram formados sob a mesma estrutura de pensamento. Há uma legião enorme de coronéis, cada um com seu padrinho, em todos os Ministérios. Não é uma simples opção do Bolsonaro que, na ausência de quadros técnicos do seu partido, empregou militares. Os militares atuam sob o princípio de ocupação em massa.

6. A formulação da maioria do campo progressista de que existem alas em disputa no governo não tem sido suficiente. Não existem diferenças de conteúdo, e sim de forma. Seria ilusão acreditar num conjunto de militares nacionalistas que protegerão a soberania brasileira. Quanto aos militares, eles não têm atuado apenas como uma ala, mas como um partido no sentido clássico, atuando em “ordem unida”, e organicamente vinculados ao restante, especialmente ao ministro Sergio Moro. Mesmo diante dos olavistas, basta ler os ideólogos militares para perceber que algumas formulações têm o mesmo conteúdo, embora formulações distintas. O bloco de militares no governo não aderiu ao presidente depois do golpe contra a Dilma Rousseff. Isso é um simulacro para deixar na penumbra o que já estava sendo construído.

7. Em outros termos, a questão não é apenas pragmática. Óbvio que muitos militares estão no governo (há meios de comunicação que falam em 3 mil) motivados por ganhos pessoais ou para a corporação, ainda que travestidos de projetos políticos. Existe uma longa lista nesse sentido: a reforma da Previdência Militar, prestígio de ministros, os cargos de confiança, viagens, um cantinho aqui e outro ali pras patentes baixas, como escolas, e o INSS que ajudam a melhorar a renda. Mas importa destacar que esses são bônus advindos da entrada no governo, não seu objetivo principal.

8. Existe um projeto de poder, um objetivo (passar a limpo acordos feitos na Constituinte e outras situações que em que os militares se consideram prejudicados) e um dispositivo militar montado. O general Augusto Heleno (herdeiro do Silvio Frota, defenestrado por Geisel) é quem comanda essas movimentações. Com ou sem o presidente, os ministros e o vice estão lá. Hoje, todos os ocupantes do Palácio do Planalto são militares, e para eles, o Planalto já é um território sob ocupação militar pacificado.

9. Existem diferenças internas, mas não são significativas no espectro político – ideológico, mas corporativas. São, como aconteceu durante a ditadura, pequenas disputas por vaidades, hegemonia nas armas (cavalaria, engenharia…), regionais (gaúchos, cariocas, cearenses…), especializações (paraquedistas, pilotos, técnicos), referências internacionais (europeias, norte-americanas ou israelenses), questões diversas. Os principais generais são garantidores das privatizações e desnacionalizações (na linha da FGV), alinhamento automático aos EUA na Política Externa (linha OTAN, embora aqui caibam contradições e não aceitem o chanceler de bom grado), esvaziamento das estruturas de Ciência, Tecnologia e Educação, em especial das Universidades Públicas, e controle de Artes e Cultura. Enfim, da soberania nacional.

10. Esse objetivo está em termos inferiores a 1964, quando existia um projeto de país mais estruturado da Escola Superior de Guerra. Agora se intensificará tudo em nome do combate a guerra de quarta geração, com conotações inclusive religiosas que parecem não incomodar os militares no comando. Diferente da Guerra Fria, onde havia uma politização mais ampla da sociedade, hoje ocorre uma politização por cima e uma despolitização/fascistização por baixo nas FFAA.

11. Desafio 1. Qual a contradição principal escolhida pelos militares? A perda do monopólio da força para a milícia, efeito colateral de uma aliança com o Bolsonaro ou evitar golpe comunista – gramscista implementado pelo PT, como inventado por alguns ideólogos militares? Pela aliança conjuntural com Bolsonaro, escolheram a segunda opção como prioridade, seguindo sua história de repressão ao inimigo interno, mas é um tema a acompanhar.

12. Desafio 2. Como vai a Marinha e a Aeronáutica? Seus representantes no governo têm mantido um baixo perfil. O projeto do governo certamente tem mais tons de verde. As demais forças vão se subordinar? Se manterão fora? Imporão outras pautas?

13. Desafio 3. Explorar a racionalidade de alguns generais, que sabem que estar no palco das disputas político partidárias coloca as FFAA na vidraça, expondo a público contradições internas bem guardadas (a exemplo dos filhos de soldados do Haiti). Nesse sentido, talvez mais importante do que acompanhar aqueles que entram no governo, é ver aqueles que não o fazem ou aqueles que deixam o governo, em que termos, e por quais motivos, acompanhando atentamente as movimentações de Santos Cruz e Etchegoyen. Simultaneamente, dirigir as pressões da sociedade para as FFAA através da imprensa, partidos, Universidades, explorando os problemas do governo como problemas dos militares que o sustentam – a fatura também é deles. Não se iludir, acreditando que os militares no governo vão moderar o presidente ou paralisar a sanha privatista. Seguir defendendo a soberania nacional, afinal, a melhor defesa de um país é o seu povo livre e consciente, e não suas forças armadas, que são um instrumento. Por fim, não esmorecer diante de um governo militar. Força e foco no trabalho de base por um projeto popular para o Brasil, que tem entre as suas políticas públicas, a defesa nacional.