Igrejas evangélicas e a política no Brasil
Por Delana Corazza*
Publicado originalmente Fundação Rosa Luxemburgo
A Marcha para Jesus, o maior evento evangélico do país, marca um dos fenômenos sociais mais relevantes da sociedade brasileira nas últimas três décadas: o aumento do número de fiéis pertencentes às igrejas evangélicas, com implicações que, certamente, transcendem o campo religioso e trazem consequência políticas e culturais profundas.
O dado oficial sobre o número de participantes do evento realizado no centro de São Paulo, em junho, foi controverso: os organizadores dizem que reuniram 2 milhões de pessoas, enquanto a Polícia Militar afirma que foram 300 mil. O fato é que, para além dessa discrepância, entender esse fenômeno, hoje, é fundamental para qualquer campo político.
Marcha para Jesus
A Marcha acontece anualmente em todo o Brasil desde o ano de sua criação, em 1993, por Estevam Hernandes, líder da igreja pentecostal Renascer em Cristo. Em 2009, o então presidente Luiz Inácio Lula da Silva, do Partido dos Trabalhadores (PT), sancionou uma lei colocando a Marcha nos eventos oficiais do país. Composta principalmente por pentecostais, os temas abordados são de conteúdo moral como a defesa da chamada família tradicional, assim como contra a legalização do aborto.
Em 1990, de acordo com o censo oficial do governo (IBGE), as igrejas pentecostais eram frequentadas por 9% da população. Em 2000, já eram 15,4%. Em 2010, se tornaram 22,2%. O governo de Jair Bolsonaro não realizou o Censo de 2020, mas o Instituto de Pesquisa Datafolha no início de 2020 afirmou que os evangélicos já eram 31% da população. Outro dado muito importante trazido pela mesma pesquisa é de que o rosto evangélico é uma mulher, negra e de baixa renda, sendo assim, os evangélicos têm hoje um gênero, uma raça e uma classe.
Evangélicos serão metade da população
O demógrafo e professor aposentado do IBGE, José Eustáquio Diniz, apontou em estudo que em 2030 os evangélicos serão metade da população brasileira. Vale ressaltar que a maioria dos fiéis não está nas grandes denominações religiosas, mas em pequenas igrejas pentecostais[1] de bairros periféricos, muitas “levantadas” de um dia para outro, nas garagens e quintais dos crentes em todo Brasil.
Segundo pesquisa do Centro de Estudos da Metrópole, da Universidade de São Paulo, em 2019, 17 igrejas evangélicas foram abertas por dia no Brasil. Isso se deve, dentre tantos fatores, a uma certa flexibilização da formação dos pastores – enquanto igrejas históricas protestantes e outras religiões mais tradicionais exigem que suas lideranças religiosas estudem teologia por anos, nada impede que um fiel pentecostal insatisfeito com a igreja que ele frequenta hoje, abra sua própria igreja na garagem de sua casa amanhã.
Nesse contexto, há diversas chaves para compreendermos o fenômeno, que se entrelaçam e que dialogam entre si. Uma delas, o avanço do neoliberalismo na década de 90 com consequências devastadoras para a classe trabalhadora mais empobrecida que sem emprego e sem atendimentos psicossociais para enfrentar a miséria e violência que assolavam os territórios periféricos, fruto da reestruturação do mundo do trabalho, encontrou nas pequenas igrejas respostas objetivas e subjetivas para suas dores e angústias.
De “trabalhador” a “irmão”
A identidade imediata enquanto crentes perpassa, ainda que subjetivamente, pelas suas identidades enquanto trabalhadores desprovidos do mais essencial: casa, comida e trabalho. De concreto, essa identidade de “trabalhador” enquanto classe vai sendo substituída progressivamente para “irmão”.
Não são raros os relatos desses irmãos de fé onde as vidas se reergueram dentro da Igreja, a partir de uma disciplina cotidiana crente, dando novo sentido às suas trajetórias e de seu entorno, tanto do ponto de vista territorial, quanto pessoal. É possível observar uma nova estética periférica: salmos e outros escritos bíblicos estão nas paredes das casas, dos comércios locais, a pequena igreja muitas vezes se torna centro de um território, ou seja, espaço aberto de escuta cotidiana e também de segurança, acolhimento e pertencimento em lugares tão marcados por histórias de perdas.
Muitas mulheres e homens antes analfabetos encontraram incentivo para aprendera a ler pela vontade de se aprofundarem no conhecimento bíblico. Fiéis conquistaram por meio de ajuda mútua de “irmãos da igreja” um emprego por indicação, algo muito comum no Brasil e que se fortalece no meio crente por um certo estereótipo que de fato se confunde com a realidade, onde o crente é mais calmo, submisso, não bebe, não tem vícios.
Jovens que acabaram o ensino regular, muitas vezes com dificuldade de encontrar uma ocupação, se organizam dentro da igreja para aprenderem a tocar instrumentos musicais e vivenciam essa habilidade semanalmente nos cultos. Mulheres que nos bairros da classe dominante são empregadas domésticas passam a ser pastoras ou cantoras nos louvores de suas igrejas, num processo transformador de resgate da dignidade em um país marcado pelos resquícios da escravidão.
Liturgia de corpos
A liturgia crente é uma liturgia de corpos que se manifestam espontaneamente por meio da música e das palavras e ocorre para além do espaço institucional circunscrito à igreja. Os evangélicos pentecostais souberam absorver a religiosidade popular proporcionando festas religiosas e momentos catárticos tão necessários a corpos maltratados, estigmatizados e oprimidos (FERNANDES, 2017).
Os cultos pentecostais são ofertados quase que diariamente, além de estudos bíblicos e grupos etários. As histórias divididas nos cultos, por meio de testemunhos, criam laços afetivos e efetivos, substituindo inclusive laços familiares, que seguem se afrouxando em uma sociedade marcada pelo individualismo. Há também em algumas denominações, as células, “onde os indivíduos se reúnem nas casas dos fiéis com o intuito tanto de atrair novas pessoas para a igreja quanto de estimular a criação de novos líderes. Na prática, essas células atuam como uma espécie de pequena igreja doméstica, cuja meta principal é a multiplicação para outras ‘células’” (COSTA, 2021).
Teologia da prosperidade
Foi neste cotidiano periférico da classe trabalhadora que as igrejas se ergueram e seus fiéis encontraram a promessa de prosperidade ainda nessa vida. Ou seja, diferente de outras cosmovisões cristãs, onde a salvação se daria somente no Reino de Deus, as igrejas evangélicas passam a ofertar a possibilidade de felicidade terrena. Essa nova perspectiva é um fator importante para a compreensão do fenômeno, um dado teológico que deu sentido para muitos trabalhadores empobrecidos sem expectativa de uma vida digna.
Este corte teológico, denominado de Teologia da Prosperidade[2], pode ser compreendida como uma escolha em estar no mundo e realizar conquistas terrenas individuais, tendo consequências práticas e concretas para o crente: quanto mais fé, mais sacrifícios e mais disciplina, mais bênçãos terá esse fiel, traduzidas em saúde, trabalho e bens materiais. A prosperidade passa a ser então, além de possibilidade, consequência de um empenho crente frente a uma tarefa divina, muito bem desenhada pelas lideranças pentecostais. As consequências, no entanto, foram para além do cotidiano da classe trabalhadora mais empobrecida, mas também no campo político institucional.
Evangélicos na política
As mudanças de postura do segmento evangélico frente à política no Brasil podem ser vistas mais claramente a partir dos anos de 1980, quando a premissa “evangélicos não se misturam com política” já não fazia mais sentido. No entanto, é possível perceber uma aproximação dos evangélicos conservadores com a Ditadura Empresarial Civil-Militar já na década de 70, onde alguns jornais evangélicos, principalmente vinculados às Igrejas Batistas e às Assembleias de Deus, denominações históricas e pentecostais, respectivamente, começam a ter um tom mais secular, ainda que com alguns ruídos por parte dos fiéis.
A justificativa dada é que havia uma crise moral na sociedade e o crente deveria se posicionar publicamente neste sentido. Os temas variavam: desde os excessos do carnaval brasileiro, o debate sobre a legalização do abordo na América latina, o enfrentamento ao ecumenismo ou “liberalismo religioso” até questões geopolíticas como as relações dos Estados Unidos contra a União Soviética, Cuba e China. (COWAN, 2014).
“Irmão vota em irmão”
Já a entrada assumida na política pode ser sintetizada pela máxima “irmão vota em irmão”, que coincide com o processo de redemocratização que o Brasil estava passando. É importante dizer que o protestantismo no Brasil nasce com uma forte tendência anticatólica, que perdurou por décadas. Compreendendo o poder católico no âmbito institucional, grupos evangélicos reivindicaram este “estar no mundo” já consolidado pelos católicos.
Os evangélicos atuaram fortemente na defesa do Estado Laico muito mais no sentido de disputa com os católicos pela socialização dos seus privilégios, do que pelo esvaziamento religioso do Estado. Ainda que houveram protestantes progressistas nesse processo, essa inserção se deu majoritariamente pelos conservadores. Podemos dizer que esse momento é a raiz da chamada nova direita cristã, que tem se tornado uma grande força política na última década na América Latina, principalmente no Brasil.
Teologia da libertação
Esses acontecimentos não ocorreram por acaso. A década de 70 no Brasil também foi marcada pelo avanço da Teologia da Libertação nos territórios periféricos, movimento religioso que na América Latina surge como resposta das diversas organizações populares, formada de pessoas de fé, constituídas no período de avanço da industrialização, onde, no Brasil, a massa camponesa se proletariza, aprofundando as desigualdades sociais estruturantes do continente.
A Teologia da Libertação inaugura o corte teológico que, como visto, foi absorvido pelos pentecostais, onde é possível conquistar a felicidade em vida, no entanto, essa felicidade deverá ser construída coletivamente a partir da justiça social.
Em paralelo, os governos estadunidenses, articulados com a direita cristã protestante e também com o catolicismo conservador na figura do Papa João Paulo II estiveram nos territórios latino-americanos em ações literalmente sangrentas contra a Teologia da Libertação. Igrejas conservadoras, muitas de caráter fundamentalista, receberam por toda América Latina aportes financeiros de grupos estadunidenses para se consolidarem no continente.
Documentos da Santa Fé
Na década de 1980, a CIA realizou na cidade de Santa Fé, Novo México, reuniões para elaborar estratégias de ação dos governos para a manutenção do seu domínio, suas conclusões estão no “Documentos de Santa Fé” que afirmam a necessidade de educar o povo contra as visões transformadoras que estavam em curso, o documento falava direta e nominalmente contra a Teologia da Libertação.
“É nesse sentido que a Teologia da Libertação deve ser entendida: ela é uma doutrina política disfarçada de crença religiosa, tendo a característica de ser contra o papa e a livre-empresa, com objetivo de enfraquecer a independência da sociedade frente ao controle do Estado. […] Assim, vemos que a inovação da doutrina marxista se insere em um fenômeno cultural e religioso de longa duração”. (Docimento Santa Fè, 1988)
Narrativas conservadoras nos EUA
Ainda que não encontremos nenhum documento comprovando que houve um projeto de poder orquestrado pela CIA contra a Teologia da Libertação em território brasileiro, é interessante perceber como as narrativas conservadoras da direita cristã estadunidense, atuando principalmente nas décadas de 70 e 80, compuseram a narrativa brasileira do último período.
Assim como nos Estados Unidos, onde a direita cristã passa a ter estrutura organizacional a partir de suas ações contra o feminismo e as causas homossexuais, defendendo uma família “tradicional” composta de homens e mulheres para procriação e tendo fundamental papel na reeleição de Ronald Regan, o neoconservadorismo no Brasil, que culminou na eleição de Bolsonaro, seguiu um padrão muito semelhante (LACERDA, 2019).
Narrativas conservadoras no Brasil
O ex-presidente do Brasil venceu as eleições com um currículo no mínimo questionável para ocupar o cargo máximo do Estado Brasileiro: sua carreira política como deputado se resume a 2 projetos aprovados em 27 anos de carreira. Sua campanha foi marcada por declarações racistas, machistas e homofóbicas que, no entanto, convenceram 55% do eleitorado brasileiro no segundo turno das eleições presidenciais.
Apesar de declarações como “eu sou favorável à tortura” e “ela não merece (ser estuprada) porque ela é muito ruim, porque ela é muito feia, não faz meu gênero, jamais a estupraria” dentre outros absurdos tão contrários ao exemplo de Jesus: 70% dos votos evangélicos em 2018 foram para Jair Bolsonaro.
Bolsonaro, em sua longa e medíocre carreira política, não se importou tanto com as pautas morais em relação à família ou valores cristãos, seu discurso passa a atender as pautas da direita cristã com sua aproximação aos evangélicos, no primeiro mandato de Dilma Rousseff, do PT (2011 – 2014). Nesse período, apesar de declaradamente católico, se batiza no Rio Jordão em Israel pelas mãos de um Pastor.
Pautas morais
As pautas morais passam então a ser discurso fundamental para manter os evangélicos ao seu lado. É a defesa da família heterossexual e a construção anti qualquer diálogo que se refira às questões de gênero – principalmente no que se refere ao aborto – e de sexualidade, levando às fake news como “as escolas vão ensinar os filhos a serem gays!” que fortalecem vínculos com boa parte da base evangélica que, ainda que não se identifique com os tantos discursos de ódio profanados, construíram uma visão da esquerda como um grupo anti-cristão e temem a desestruturação daquilo que às duras penas (re)conquistaram dentro das igrejas: sua família.
A família é o debate central nas políticas públicas da direita cristã em todo continente latino-americano e que Bolsonaro abraçou. Ela dialoga com a cosmovisão crente que enxerga o núcleo familiar como base fundamental para erguer todas as outras estruturas.
Fundamentalistas nos Ministérios
Vale aqui também trazer outro dado relevante. No Brasil foram os calvinistas – protestantes históricos – que fomentaram com profundidade os discursos fundamentalistas no governo Bolsonaro, principalmente no que se refere às questões de gênero, sexualidade e intolerância religiosa, ocupando ministérios importantes como da Justiça (Pastor André Mendonça) e da Educação (Pastor Milton Ribeiro).
A pastora Damares Alves, que foi ministra da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, figura popular entre os evangélicos, e narra uma história própria de opressões e violências de gênero, mas que atua fortemente contra a igualdade de gênero e as liberdades sexuais, além de uma articuladora internacional contra a legalização do aborto, é também de uma igreja histórica (Batista).
Outras pastas de fundamental importância principalmente no âmbito da cultura e educação estiveram nas mãos de protestantes históricos. Ou seja, a direita cristã não está vestida apenas de pentecostalismos, mas de diversos cristianismos que têm sido eficientes contra as teologias libertárias tão importantes na história de luta do Brasil.
Já os parlamentares evangélicos brasileiros, que são em sua maioria pentecostais, principalmente da Assembleia de Deus, atuam de forma fisiológica, ou seja, podem apoiar um governo de esquerda, se necessário, para se manterem onde estão, no entanto, é mais confortável para eles um governo de direita por conta das pautas morais. Até 2014 houve uma certa aproximação dos evangélicos com os governos do PT, mas com um incômodo referente às pautas sobre igualdade de gênero.
Pauta anti-Estado
Além disso, por forte influência estadunidense, a pauta anti-Estado, muito associada à direita cristã dos Estados Unidos onde qualquer debate de ampliação do Estado era considerada uma pauta comunista, configurou o discurso evangélico no Congresso.
Em contrapartida, também por influência dos Estados Unidos, enquanto o comunismo, ou aquilo que denominam de comunismo, é “demonizado” pelos evangélicos do campo institucional, Israel é considerada a Terra Prometida escolhida por Deus, sendo o amigo externo preferencial, o que justifica as tantas bandeiras de Israel espalhadas pela Marcha para Jesus.
Vale ressaltar que a adesão ao discurso anti-Estado está nas lideranças evangélicas, o povo evangélico acaba reproduzindo o mesmo discurso por questões ideológicas, porque é bombardeado com essas informações e encontra ecos em toda a sociedade: “o estado é corrupto”. No entanto, a defesa do Estado mínimo não pode ser absorvida com profundidade pela classe trabalhadora crente. A base evangélica, que é negra e empobrecida, como mencionado, precisa do Estado, ainda que haja uma desconfiança na máquina pública.
Aliança com Bolsonaro
A vinculação de Bolsonaro com os evangélicos foi determinante nas eleições de 2018, onde ele foi eleito presidente do Brasil. Não gratuitamente, o ex-presidente passou todo seu mandato em contato direto com lideranças evangélicas, indo a cultos e grandes eventos.
A maioria dos evangélicos votou em Bolsonaro nas últimas eleições contra Lula. Bolsonaro foi o primeiro presidente a estar presente na Marcha para Jesus onde afirmou: “Vocês foram decisivos para mudar o destino dessa pátria chamada Brasil”. Foi também, em 2018, num cenário absolutamente polarizado, que a Marcha passou a ter um tom mais político, com algumas simbologias do campo conservador (como a bandeira do Brasil e a camiseta da seleção brasileira).
Bolsonaro esteve em duas Marchas o que abriu um precedente para o atual governo de Lula. Lula, que nunca justificou sua ausência nos 8 anos de seus dois governos (2003-2010), neste enviou uma carta para Estevam Hernandes dizendo: “Sempre admirei e respeitei a Marcha para Jesus, que considero uma das mais extraordinárias expressões de fé do nosso povo”, apesar da ausência de Lula, o governo foi representado pela deputada federal Benedita da Silva e pelo advogado geral da União Jorge Messias. Em sua fala, Messias ao mencionar o presidente (sem citar seu nome) levou uma leve vaia dos fiéis.
Ausência desde as eleições
Neste ano, Bolsonaro também não foi e não tem mais ido a nenhum evento evangélico desde as eleições de 2022, mas André Mendonça, que conforme mencionado foi ministro da Justiça do seu governo e hoje é ministro do Superior Tribunal Federal por indicação do ex-presidente, que o denominava como “terrivelmente evangélico” esteve lá para representar o campo bolsonarista, assim como o atual governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas. Ambos foram aplaudidos.
A ausência da esposa de Bolsonaro, a evangélica Michelle Bolsonaro, assim como da ex-ministra e atual senadora Damares Alves foi sentida. Ambas têm um papel fortíssimo de ganhar o público feminino evangélico para a ultradireita – dado que as mulheres evangélicas foram um ponto crítico para o bolsonarismo nas últimas eleições presidenciais.
Muitos, diversos e heterogêneos
O tamanho da Marcha sinaliza para a percepção de que os evangélicos têm de si: somos muitos e queremos ser ouvidos. De fato, são muitos, são milhões, e por isso, é importante dizer, são diversos, heterogêneos, ainda que ocuparam o campo institucional pelo viés conservador, são também progressistas, são parte significativa da classe trabalhadora e estão em disputa.
Não são apenas um bloco monolítico fundamentalista ou conservador. São um mar de gente, imersos na contradição cotidiana do que vivem e do que defendem. Parece fundamental considerar a religião como identidade mobilizadora do povo brasileiro, a escolha de Lula em não estar presente na Marcha para Jesus em um momento importante de tentativa de diálogo aponta para uma certa despreocupação em relação aos evangélicos, que, majoritariamente, construíram um muro concreto contra as pautas progressistas e, por isso, têm um discurso anti-esquerda consolidado.
A repercussão das presenças e ausências neste que é o maior evento das igrejas evangélicas no Brasil traz um recado importante: qualquer campo político hoje que ignorar a força dos evangélicos, perde a oportunidade de compreender um setor da sociedade organizado que ganha força crescente no cotidiano da classe trabalhadora e no campo político institucional. Uma força numérica, mas não só.
* DelanaCorazza, pesquisadora do Instituto Tricontinental de Pesquisa Social no Brasil sobre Neopentecostais e Política
Bibliografia
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COWAN, Benjamin Arthur. “Nosso Terreno” crise moral, política evangélica e a formação da “Nova Direita Brasileira”. Varia Historia, Belo Horizonte, vol 30, n. 52, p. 101-125, jan / abr 2014.
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LACERDA, Marina Basso. O novo conservadorismo brasileiro. Porto Alegre, Rio Grande do Sul. Ed. Zouk, 2019
LIMA, Delcio Monteiro de. Os Demônios descem do Norte. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1987
PESQUISA DATAFOLHA, A cara típica do evangélico brasileiro é feminina e negra, 2020.Disponível em: <https://www1.folha.uol.com.br/poder/2020/01/cara-tipica-do-evangelico-brasileiro-e-feminina-e-negra-aponta-datafolha.shtml > acesso em < 02 de set de 2020 >
PRASHAD, Vijay. Balas de Washington: uma História da CIA, Golpes e Assassinatos. São Paulo: Editora Expressão Popular, 2020
[1]Usarei o termo pentecostais para englobar também igrejas denominadas neopentecostais, elas se diferem do ponto de vista litúrgico, teológico e temporal, no entanto, há processos diversos de “neopentecostalização” de igrejas pentecostais e até do protestantismo histórico, como pode ser visto em Igrejas Batistas mais fundamentalistas. Para o tema abordado, não há necessidade de fazer diferenciações.
[2]Essa denominação é mais utilizada por pesquisadores acadêmicos do que pelos próprios crentes.