O avanço do agronegócio sob o governo Bolsonaro
Este mês damos início aos informes bimestrais do nosso Observatório da Questão Agrária. A ideia é sistematizar o acompanhamento permanente que já fazemos do setor agrário no Brasil, buscando tendências e contradições. Esperamos que as notas instiguem o debate. Aguardamos críticas, propostas e reflexões para aprimorar nosso trabalho. Boa leitura!
Nota 1
A conjuntura é evidência de uma questão estrutural que deve estar presente nas nossas análises: a crise estrutural do sistema do capital, e, portanto, do seu modo de produção. Para tentar sobreviver, o capital tem aumentado em escala dramática os processos de exploração do trabalho e dos bens naturais. Importante notar que isso se dá de forma cada vez mais destrutiva para a natureza e também para enormes contingentes humanos que passaram a ser supérfluos para o capital.
Países dependentes como o Brasil estarão cada vez mais expostos às necessidades da acumulação capitalista imposta no atual tempo histórico, carregada de um barbarismo conservador e violento contra pobres, negros, mulheres, jovens, adolescentes, sujeitos LGBTs e para os povos do campo.
Neste sentido a questão agrária e ambiental está no centro das disputas do capital, marcada pelas novas configurações da geopolítica e a pressão que países desenvolvidos exercem sobre a economia e a política de regiões estratégicas como a América Latina e seus povos.
Nos primeiros meses do governo Bolsonaro os movimentos do capital no campo têm apontado para um desmonte das políticas ambientais, ampliação da liberação de agrotóxicos e medidas para armar e dar segurança jurídica para as ações dos ruralistas contra os movimentos populares.
Desmonte das Políticas Ambientais
As críticas realizadas por Bolsonaro e o ministro do Meio Ambiente Ricardo Salles à atuação dos fiscais do IBAMA na floresta nacional do Jamari no Estado de Rondônia, explicitou que está em curso um desmonte das políticas de proteção ambiental para atender aos interesses do agronegócio, inclusive desrespeitando a lei vigente. Em suas críticas, o presidente referiu-se a uma operação contra a exploração ilegal de madeiras que levou à determinação, prevista em lei, da queima do maquinário utilizado para essa exploração.
Este processo de desmonte inclui a flexibilização do licenciamento ambiental, menor controle das liberações de agrotóxicos, afrouxamento do sistema de multas ambientais e constantes ataques tanto do ministro quanto do presidente aos fiscais do IBAMA e do ICMBIO. Durante a abertura da Agrishow em Ribeirão Preto, declarou que estava fazendo um “limpa” em tais órgãos.
Estes ataques já impactam no aumento do desmatamento na Amazônia brasileira, pois a fala do chefe do executivo acaba incentivando tais práticas ilegais. Segundo estudo do Instituto de Pesquisa IMAZON, citado pela reportagem da revista Época de 5 de maio de 2019, de agosto de 2018 à março de 2019 já ocorreu o desmatamento de 1974 Km² de vegetação amazônica. Tal posicionamento do governo brasileiro tem gerado inúmeras críticas pelo mundo afora como abaixo-assinados de centenas de ambientalistas.
No sentido de ampliar as áreas hoje protegidas para atender aos interesses da expansão do agronegócio se insere o Projeto de Lei (PL 2362/19) proposto pelos senadores Flávio Bolsonaro (PSL/RJ) e Márcio Bittar (MDB/AC). O PL propõe a extinção das áreas de Reserva Legal nas propriedades rurais, revogando parte do Código Florestal, o que pode significar a falta de proteção em 167 milhões de hectares de vegetação nativa, como indica reportagem do jornal Valor Econômico do dia 29 de abril de 2019.
Outro fator que coloca em risco tanto as riquezas naturais quanto as populações tradicionais, em especial as indígenas, é o indicativo de liberação de atividades econômicas, em especial a mineração, nas terras hoje demarcadas como territórios indígenas, o que tende a ampliar os conflitos já existentes.
Para resistir às políticas de desmonte dos marcos de proteção ambiental, foi realizado o inédito encontro com oito ex-ministros do meio ambiente, que tem como proposta a constituição de uma frente contra a “política sistemática, constante e deliberada de desconstrução e destruição das políticas meio ambientais”. A ideia é constituir uma frente que possa dialogar com a sociedade civil e órgãos internacionais para denunciar as políticas regressivas contra a proteção ambiental.
Outro foco de resistência importante na pauta ambiental tem sido a luta dos povos indígenas que realizaram de 24 a 26/04 a 15ª edição do Acampamento Terra Livre em Brasília, e, além disso, estão fazendo denúncias internacionais contundentes, expondo o presidente como inimigo número 1 dos povos.
Agrotóxicos
O Brasil mantém o recorde de maior consumidor de agrotóxico do mundo, com uma média de 7,3 litros de agrotóxico por habitante. No entanto, os indicativos do governo Bolsonaro é ampliar esse quadro, nos primeiros meses o governo bateu o recorde de 1,5 novos agrotóxicos aprovados por dia, até o mês de maio já haviam sido aprovados 166 novos agrotóxicos no Brasil.
Esta tendência pode se ampliar no caso de aprovação do PL 6299/2002, conhecido como Pacote do Veneno e aprovado em comissão especial na Câmara dos Deputados em 2018. Este projeto prevê a facilitação das aprovações de novos agrotóxicos, passando a responsabilidade para o ministério da agricultura.
Estudo apresentado neste ano revelou que, além das contaminações nos alimentos, os agrotóxicos também podem estar presente na água das cidades brasileiras. A pesquisa apontou que 27 pesticidas estão presentes na água de uma em cada quatro cidades, sendo que destes 16 tipos, são altamente tóxicos e 11 estão associados a doenças crônicas.
O projeto “Por Trás do Alimento”, parceria da Agência Pública e Repórter Brasil lançou no dia 14 de maio o Robotox, que monitorará diariamente a aprovação de novos agrotóxicos e trará informações sobre a toxicidade e origem destes novos agrotóxicos.
Ruralismo Armado
No polêmico discurso de abertura da Agrishow no dia 29 de abril, Jair Bolsonaro anunciou que enviaria ao congresso nacional um PL para liberar de punição proprietários rurais que atirarem em “invasores”. A plateia de representantes do agronegócio brasileiro aplaudiu com entusiasmo tal medida. Um dos temas em debate na feira de negócios era a Agricultura 4.0, e pela adesão dos ruralistas à medida de excludente de ilicitude proposta pelo presidente, pode-se ter uma ideia do que de fato representa tal modernidade da 4ª revolução tecnológica em terras brasileiras que historicamente convive com práticas degradantes de trabalho no campo, expropriação de povos e sistemática destruição dos bens naturais.
No projeto de Bolsonaro está presente a intenção de estender a legítima defesa para o patrimônio, colocando-o acima da vida, e de certa forma, instituindo a pena de morte no país. Apesar de ser ainda um projeto que deve tramitar pelo Congresso, a fala de Bolsonaro serve como um incentivo para a perseguição aos movimentos populares do campo, assassinatos e massacres.
Considerações Finais
Os primeiros meses do governo Bolsonaro foram marcados por controvérsias em relação às posições ideológicas do governo no âmbito das relações internacionais. As indicações que este vem dando de realinhamento com as políticas do governo dos EUA, em especial as críticas às relações comerciais com a China, podem levar a posicionamentos que indicariam preocupação do agronegócio com suas futuras exportações de commodities – atualmente, a China é o principal destino das exportações brasileiras do agronegócio.
Nesta mesma linha, a aproximação do governo brasileiro com Israel também gerou reações dos países árabes, indicando possíveis restrições à importação da carne brasileira para esses países – no ano de 2017, 51,9% da importação árabe de proteína animal teve como origem o Brasil.
Haveria uma contradição entre as políticas do governo Bolsonaro com um dos principais setores que deram apoio a sua candidatura em 2018, o agronegócio?
A pesquisa divulgada no dia 06 de maio de 2019 pelo Banco BTG Pactual S.A, que buscou analisar a avaliação e expectativas do empresariado brasileiro com o novo governo indicou que o setor do agronegócio, junto com o setor industrial, aprovam o governo. Tal pesquisa é dividida nos seguintes setores: serviços, comércio, indústria e agricultura.
O setor agrícola, segundo o estudo, apontou que 27% avaliam como ótimo e 42% como bom o governo, em uma escala de ótimo, bom, regular, ruim ou péssimo. No mesmo sentido, 53% dos entrevistados do setor agrícola indicaram que o governo é aquilo que era esperado. Enquanto isso, no setor de serviço 21% avaliam como ótimo e 39% como bom; no comércio 19% avaliam como ótimo e 38% como bom; e na indústria 17% como ótimo e 42% como bom.
A análise de confiança no governo quando perguntado aos empresários entrevistados em relação a melhoria nas áreas de segurança, equilíbrio das contas públicas, infraestrutura, desemprego, educação, saúde e segurança jurídica, indicou que a maioria ou confiam muito ou confia na melhora destes indicadores.
Estes indicadores apontam que o governo Bolsonaro ainda mantém o apoio de setores empresariais, em especial do agronegócio, reflexo das propostas propagadas pelo governo em relação ao setor.
Neste cenário os movimentos do campo têm um grande desafio de ganhar apoio social às suas históricas lutas, e obter conquistas mesmo em condições tão adversas. Além disso, a preocupação em defender seus territórios e o que foi conquistado na luta deve ocupar parte significativa de sua ação política, e ainda combater a criminalização, a violência e os ataques mais diretos.
Assim, a questão agrária assume uma dimensão ampla e reafirma sua atualidade histórica no sentido da defesa dos povos, da reforma agrária, dos territórios, dos bens naturais preservados e acessíveis, do direito humano à alimentação, para os trabalhadores e trabalhadoras do campo e dos conglomerados urbanos.
Referências
1. Como Ricardo Salles tem desmontado a agenda verde em favor do agronegócio. In. https://glo.bo/2HWbPVc
2. Projeto põe em risco vegetação nativa de “três Bahias”. In. https://bit.ly/2ILDudf
3. Ministro anuncia abertura de terras indígenas para mineração a estrangeiros durante o carnaval. In. https://bit.ly/2C9f6gs
4. Um inédita frente de ex-ministros do Meio Ambiente contra o desmonte de Bolsonaro. In. https://bit.ly/2Ju6TrM
5. Governo Bolsonaro abriu as portas do inferno para uso de agrotóxicos. In. https://bit.ly/2X5A6gm
6. Água de uma em cada quatro cidades está contaminada por agrotóxicos. In. https://bit.ly/2IAb1XD
7. In https://bit.ly/2X0n5oL
8. In https://bit.ly/2WMQ3LI
9. Primeiro, a soja; agora, a carne: o desastre da diplomacia ideológica. In. https://bit.ly/31emMcu