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Capitalismo ContemporâneoObservatório da Questão Agrária

Os caminhos do agronegócio para o pós-Covid-19

Os ex-ministros da Agricultura debateram as perspectivas do setor pós pandemia do Covid-19 e a relação Brasil-China.

Por Matheus Gringo

No dia 16 de abril de 2020 a TV TerraViva organizou um debate com alguns ex-ministros da Agricultura, como Alysson Paolinelli (1974 – 1979), Francisco Turra (1998 – 1999), Roberto Rodrigues (2003 – 2006), Reinhold Stefhanes (2007 – 2010), Neri Geller (2014), Kátia Abreu (2015 – 2016) e Blairo Maggi (2016 – 2018).

O Observatório da Questão Agrária do Instituto Tricontinental de Pesquisa Social realizou uma síntese do debate no intuito de organizar o pensamento e a projeção do Agronegócio para o próximo período, que podem ser resumidos em quatro temas: perspectivas do setor pós pandemia do Covid-19; relação Brasil-China; atuação da Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA) e as políticas do governo federal para a agropecuária e a cadeia do leite.

Perspectivas pós pandemia

O papel do Brasil é reforçado como um grande player no mercado de alimentos no mundo, tendo a China como principal demandante. Blairo Maggi destacou a necessidade de diversificar os parceiros comerciais, mas não ignorar a importância do país asiático para as exportações do agronegócio no Brasil.

Francisco Turra destacou o mercado de proteína animal, apontando para o crescimento da demanda chinesa de carnes de aves e suína em 79% e 190%, respectivamente, entre o período 2000-2019.

Para Turra, o impacto da Covid-19 no agronegócio não será tão grande, já que a produção de alimentos difere de outros produtos, além do fato do Brasil ter se mostrado como o grande celeiro do mundo, com produtos saudáveis seguindo todas as regras impostas na questão sanitária.

“[…] primeiro trimestre fabuloso, exportando normal e nós, tão logo aconteceu esse distanciamento social, nos programamos para orientar nossas empresas para trabalhar para produzir alimentos e não paramos. Não temos nenhuma empresa parada, a não ser temporariamente, por obra e decisão da própria diretoria, mas as demais estão funcionando e trabalhando normalmente e com muita ansiedade e muito sofrimento, não tenha dúvida. Todo dia temos que vencer alguma coisa, alguma barreira que se antepõe, mas estamos produzindo. A oportunidade que vem pela frente então é muito grande, podem acreditar, no agro não veio o vírus de trator, veio de avião, aliás na classe executiva, quem sabe. Então o campo é o que mais tem condições de erguer o país, e a proteína animal tem um espaço que se criou muito maior”. (FRANCISCO TURRA)

Já na avaliação de Kátia Abreu, os recentes acontecimentos na economia global levará a profundas mudanças na organização das cadeias globais. A ex-ministra destaca que se encerra um ciclo do agronegócio e se inicia uma “nova ordem do agro”.

“[…] nós teremos uma nova etapa importante do agro no país e no mundo todo. Se eu pudesse aqui clonar Henry Kissinger que fala sobre as novas ordens mundiais, a nova ordem mundial, eu acredito que tem uma nova ordem do agro que vem se estendendo ao longo de alguns ciclos. Nós tivemos na década de 70-80, capitaneado por Alysson Paolinelli, a escassez de alimentos, não só no Brasil mas em várias partes do mundo, onde a obsessão era a busca da tecnologia, aumento da produção e da produtividade. Nós tivemos depois já nos anos 90 e 2000 a obsessão pela questão ambiental, pelas emissões, pelas mudanças climáticas, ainda em 95 na Alemanha quando foi feita a primeira COP e a questão do bem-estar animal. Então, são ciclos que foram surgindo com seus desafios e empurrando tecnologia e ações para minimizar esses desafios. E agora acho que o grande desafio do mundo – não significa que vamos esquecer o meio ambiente e muito menos a quantidade de alimentos -, mas acredito que agora, daqui em diante, tenho conversado muito com o Marcos Yang que é uma das melhores cabeças do agro deste país e do mundo, sobre essa nova ordem mundial do agro, parafraseando o Kenry Kissinger mais uma vez, que é a sanidade animal, que é a saúde das pessoas, então eu acredito que temos que caminhar para isso. O Brasil é um exemplo hoje na questão sanitária, mas podemos aperfeiçoar muito, modernizar todas essas questões, porque essa deverá ser a maior exigência do mundo, a saúde humana e a saúde dos alimentos”. (KÁTIA ABREU)

Roberto Rodrigues também destaca que essa pandemia está mudando a visão das pessoas em relação à agricultura, mostrando a importância deste setor da economia para a segurança alimentar.

“Essa crise global mudou a visão do setor urbano em relação à agricultura. A agricultura era uma atividade de segunda classe no mundo inteiro, mas agora todo mundo aprendeu uma coisa, não precisa comprar sapato, não precisa comprar perfume, não precisa comprar automóvel, mas precisa ter comida, e quem produz isso é a agricultura, agropecuária e o agronegócio. Acho que esse convencimento finalmente entrou na cabeça de qualquer cidadão do mundo, segurança alimentar é um tema central no mundo contemporâneo. Então isso muda o contexto global sobre políticas públicas, só que é preciso de uma outra concepção, que aconteceu no desenvolvido lá atrás e que nós ainda precisamos desenvolver aqui. O que é o seguro rural, o que é política pública estratégica para garantir a agricultura se desenvolver, na Europa, nos EUA e no Japão. Que a agricultura é bonitinho? Não. Porque é fundamental que ele fique na atividade para garantir comida para o consumidor que é o grande eleitor. Então, os países desenvolvidos aprenderam lá atrás, é preciso dar ao produtor rural condições para ele ficar na atividade, para ele abastecer o mundo, esta é a visão que o Brasil precisa ter”. (ROBERTO RODRIGUES)

Relação Brasil-China

A alta demanda chinesa dos produtos produzidos pelo Brasil foi outro tema de destaque no debate. Roberto Rodrigues considerou que esta grande demanda transformou a China em um parceiro estratégico para os negócios brasileiros. O ex-ministro destacou que no ano de 2000 a China comprou 2,7% de tudo que o Brasil produzia, enquanto em 2019 esse valor chegou a 34%.

Reinhold Stefhanes acredita que a China deve ser o país que sairá mais rapidamente desta crise.

“Não tenho nenhuma dúvida, como ninguém tem dúvida, o corona vai passar, o mundo vai voltar a crescer, a China vai voltar a crescer antes dos outros países. E a China, quer dizer, apesar do Brasil exportar para 180 países seus produtos, sua comida, sua alimentação, a China evidentemente é o grande carro chefe. Eu sempre dizia isso: imaginem na hora que o chinês passar a ter mais renda, eles vão aumentar sua renda, eles trabalham para isso e vai incorporando mais gente nesta faixa de consumo e 1 bilhão de chineses gostarem de comer um bife por semana, vai faltar boi no mundo e o Brasil é quem tem condições de fornecer isso”. (REINNHOLD STEFHANES)

Em relação aos atuais conflitos provocado por membros do governo federal e parlamentares ligados ao bolsonarismo, os ex-ministros demostraram preocupação com a estabilidade dos negócios do agronegócio com este parceiro comercial. Kátia Abreu diz que esses conflitos seriam um desperdício de energia, e destacou o papel da China para as exportações brasileiras.

“Eu acho um desperdício de energia, eu acho uma questão inócua, vazia nós dirigirmos nossas energias contra a China, só para lembrar que o Leste e o Sudoeste junto com os países árabes significam praticamente 59% das exportações brasileiras. Se nos juntarmos isso com o sul da Ásia que entra a Índia e mais África, todo mundo junto 68%, isolando a China é um mercado monstruoso se quisermos fazer a conta individualmente. Então nós temos que imaginar na população chinesa, e o nosso intercâmbio não só agro, nós temos outros produtos importantes que exportamos para China. Então acho uma briga inglória, desnecessária perder energia à toa. Nós temos é que fortalecer as nossas alianças. Os EUA temos que ser amigos, mas nunca esquecer que eles são nossos concorrentes, nossos compradores são em potencial os chineses’. (KÁTIA ABREU)

Blairo Maggi vai na mesma linha e destaca que os desafios atuais do agronegócio brasileiro é a disponibilidade de crédito e mercados, pois do ponto de vista técnico não haveriam grandes desafios.

“Acho que essa parte da agronomia, da técnica, do fazer, todos os agricultores sabem fazer, fazem muito bem, conhecem, agricultura está na veia de todo mundo, os jovens agora adoram fazer agro, agro é pop e assim por diante. Mas para mim duas coisas são extremamente importantes, crédito mais uma vez e a questão do mercado. Crédito nós estamos vivendo um problema e acho que esse problema vai se intensificar, com as coisas que estão ai colocados e que o Congresso e a Câmara precisam resolver urgentemente essa questão das recuperações judiciais, porque não é possível que alguém tome dinheiro emprestado para fazer uma safra, compra uma fazenda, amplia seus negócios, compra um ativo e depois queira dividir a conta com quem financiou para fazer a produção de alimentos. Para mim esse é um ponto chave. O segundo ponto chave é a questão do mercado, e ai temos que olhar muito para a China. A China é nosso grande comprador, é o que põe dinheiro aqui no Brasil, é para onde mandamos grande parte dos nossos produtos, e nós não podemos, falo nós como produtores agrícolas, nós ex-ministros que conhecemos a estrutura de governo e como funciona essas coisas na China, nós não podemos entrar nesta questão dessa fobia que está se criando, que a China é responsável por todas as coisas ruins que acontecem no mundo. Estes caras são os que dão sustentação para nós na agricultura. Eu adoro americano, os EUA fizeram um belo país, mas atualmente quem trabalha e ama o trabalho e desenvolve são os chineses, eles fazem essa coisa rodar. Então temos que tomar muito cuidado com esse lenga-lenga, essa conversa atravessada de membros do próprio governo, criando uma instabilidade entre nossos países, entre nossos mercados. Quer dizer, ficar aqui discutindo se a China é comunista, eles são comunistas porque querem ser, eles que escolheram o regime deles, não temos nada que ver com isso, nosso negócio é vender alimentos, fazer negócios, ganhar dinheiro e sustentar o povo brasileiro, fazer com que esse país gere cada vez mais divisas, riquezas e faça essa distribuição aqui internamente. Então a agricultura não tem problema nenhum, aliás está tudo funcionando maravilhosamente bem, alguns setores vão passar por alguma dificuldade, mas vamos socorrer, vamos fazer, o futuro é na agricultura, o futuro é no agronegócio”. (BLAIRO MAGGI)

Atuação da FPA e as políticas do governo federal para a agropecuária

Todos os ex-ministros destacaram que a Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA) tem historicamente contribuído para o fortalecimento do agronegócio, e sinalizaram ser a principal frente parlamentar do Congresso Nacional, com forte atuação técnica e política. Para Reinhold Stefhanes,

“Eu participei por muitos anos dessa frente parlamentar e talvez nosso agricultor não tenha sentido por muito tempo a importância que essa frente teve para o desenvolvimento ou defesa da agricultura. Efetivamente é a frente que mais bem funciona dentro do Congresso, é uma frente que se reúne toda a semana, com quórum bastante elevado de deputados e senadores presentes, tem equipe técnica permanente, tem escritório permanente e de forma permanente estuda e analisa as questões que são debatidas por essa frente parlamentar. Portanto, é efetivamente uma área política que não é tão conhecida assim, mas que funciona efetivamente e é muito boa”. (REINHOLD STEFHANES)

Roberto Rodrigues destacou iniciativas da FPA que teriam levado a avanços para a agropecuária brasileira, como o Seguro Rural, a Lei de Biosegurança, instrumentos de crédito rural como a CRA, CDCA e CWA, reforma no Ministérios da Agricultura, Lei dos Orgânicos e mudanças na defesa sanitária. Stefhanes complementou a fala de Rodrigues ao lembrá-lo da mudança do Código Florestal.

Na visão dos ex-ministros, as medidas adotadas pelo Ministério da Agricultura até o momento têm sido positivas. Kátia Abreu destacou a prorrogação de contratos de custeio e investimento, maior apoio em determinados setores que são mais frágeis, como aquicultura e pesca, leite, hortifrúti e flores. Segundo a ex-ministra, “está tudo tranquilo e o agro vai salvar a lavoura”.

Stefhanes, que também está em concordância com as medidas adotadas até aqui, avalia que possivelmente o único setor que terá crescimento esse ano será o agronegócio.

Roberto Rodrigues também aponta que o setor irá segurar o país, mas que são necessárias a redução dos juros para financiamento da atividade e da tributação no setor. Blairo Maggi, neste tema, agregou que mais do que baixar juros, é preciso ter mais recursos para investimentos no agronegócio. Para ele, o crédito privado tem diminuído nos bancos, por fatores ligados a incertezas em relação a economia brasileira, e, portanto, o maior risco hoje do setor é a disponibilidade de crédito.

O patamar do dólar na atual conjuntura também foi ponto de destaque entre os debatedores. Segundo Stefhanes, na prática a situação do câmbio tem incentivado o aumento do plantio nesta safra, ao prever um aumento de 5% da área plantada de soja.

Destacou ainda que 20% da safra que será plantada a partir de setembro, outubro e novembro já estão em negociação. No entanto, aqueles setores que precisam importar muitos insumos podem ser prejudicados com aumento dos custos pela desvalorização do câmbio. Para Alysson Paolinelli, o câmbio no atual patamar é viável para a produção em grande escala.

Cadeia do leite

O leite teve algum destaque no debate, provocado pela pergunta de um telespectador sobre a diferença do alto preço pago pelos consumidores enquanto o preço pago aos produtores seria muito menor. Os ex-ministros apontaram as dificuldades do setor.

Segundo Roberto Rodrigues, a cadeia do leite teria três fatores determinantes: escala, produtividades e agregação de valor. Para ele, o desafio do setor está no fortalecimento do cooperativismo para aproximar o produtor do consumidor e ter margens adequadas para todos.

Para Blairo Maggi, este setor tem uma base grande com muitos pequenos produtores com baixa produtividade, não tendo competitividade. Defende que o governo deva entrar com apoio massivo para ajudar no aumento da produtividade e competitividade dos pequenos agricultores.

Neri Geller destacou que esta é uma atividade que não incorporou a tecnologia que implemente a produtividade e muitos pequenos agricultores não conseguem aumentar sua competitividade. A FPA está buscando abrir mercado internacional, aumento de crédito e estabilidade de preços.