Revista Estudos do Sul Global | A atualidade do imperialismo e a luta de libertação dos povos
Uma revista não fala por si; é sempre um meio de dar voz. Nesse sentido, com o objetivo de descobrir, sistematizar e divulgar vozes da resistência que bradam contra a dominação Imperialista e semeiam o futuro com os novos gritos que virão, o Instituto Tricontinental de Pesquisa Social lança a Revista Estudos do Sul Global (RESG), cuja primeira edição debate “A atualidade do imperialismo e as lutas de libertação dos povos” (Clique aqui para baixar a revista).
“Toda a nossa ação é um grito de guerra contra o imperialismo e um clamor pela unidade dos povos”. Essas foram as palavras de Erenesto Che Guevara na “Mensagem aos povos do mundo através da Tricontinental”, em 1967, do qual o Instituto toma o nome emprestado com o compromisso de continuar a fomentar mensagens que convoquem a indignação diante de qualquer injustiça no mundo.
Orientado pelos movimentos populares, o escritório Brasil do Tricontinental está focado em estimular o debate intelectual à serviço das aspirações do povo. Essa é a nossa maneira de lidar com a produção do conhecimento, como uma reflexão teórica a partir da prática concreta de quem está nos processos de lutas emancipatórias. Chamamos de Pensamento Crítico a ciência produzida com os desafios concretos da luta de classes por aqueles e aquelas que a protagonizam.
A América Latina tem uma larga tradição de revistas de esquerda com esse perfil, como a revista Pensamiento Critico, la critica en tiempo de revolución, publicada de 1967 a 1971 em Cuba, a própria Revista Tricontinental, publicada pela Organização de Solidariedade com os Povos da Ásia, África e América Latina (OSPAAAL) (1967 – 2019) e a revista América Libre (1992 – 2004), que em comum foram publicações periódicas que se dedicaram a recolher o pensamento produzido pela militância, reunir textos analíticos do pensamento marxista mundial, sistematizar experiências de resistência e produtos de reflexões coletivas em seminários e encontros dos movimentos e organizações.
Também poderíamos fazer referência a uma série de publicações brasileiras, como a Revista Civilização Brasileira (1965 – 1968), Revista Paz e Terra (1966 – 1975) ou a Contexto (1977), que contribuíram para um debate vivo e com a postura intelectual necessária de levar em conta as especificidades do Brasil; a Revista Estudos do Sul Global tem a pretensão de se filiar a esse leito de pensamento crítico e se soma às diversas iniciativas que visam afirmar a ciência em tempos de obscurantismo.
Temática
A primeira edição da Revista Estudos do Sul Global traz como tema central “A atualidade do imperialismo e as lutas de libertação dos povos”, ao considerarmos que o imperialismo é a categoria mais adequada para entender os processos de exploração e desigualdade global.
Embora o desenvolvimento da teoria sobre o imperialismo seja mais bem qualificada dentre os grupos alinhados ao pensamento socialista, era certo que aquele se constituía como o inimigo principal das lutas por libertação nacional no período pós Segunda Guerra Mundial, diante da consolidação de dois grandes polos hegemônicos na geopolítica: os EUA de um lado, representando os países capitalistas desenvolvidos, e a União Soviética (URSS) do outro, demarcando o socialismo real a partir da vitória da Revolução de Outubro de 1917.
Em suas várias formas de interpretação, acreditamos que o pensamento marxista foi o que melhor elaborou e sistematizou sobre o imperialismo, inserindo-o dentro do sistema mundial de relações econômicas e políticas, as interdependências de Estados e grupos econômicos e a relação com as lutas de libertação nacional, em particular os desdobramentos assistidos pós Segunda Guerra Mundial. Para nós, a principal contribuição dessa vertente está relacionada à questão nacional e às lutas anti-imperialistas.
A luta pela libertação é complexa e interliga diversos estágios que não ocorrem de forma homogênea. As forças do imperialismo se reorganizam para impedir esses avanços no campo econômico, político e, principalmente, no campo militar, impelindo contra o poder nacional vigente. Desde o início, as lutas de libertação nacional estiveram em constante disputa contra as antigas metrópoles e o imperialismo. Portanto, tratar do conceito de imperialismo pressupõe trazer os processos libertação dos povos diante desse inimigo central.
Nesse sentido, essa edição da Revista Estudos do Sul Global tem o intuito de ser mais um espaço para compreender de forma mais profunda os atuais mecanismos utilizados pelo imperialismo para intensificar sua dominação, delimitar a profundidade de sua crise e entender quais possibilidades de hegemonias alternativas permitiriam reeditar o compromisso com a libertação dos povos a partir do Sul Global.
Os assuntos variados nos ajudam a entender as múltiplas dimensões que a questão nos provoca, possibilitando construirmos um processo de sínteses entre consensos e dissensos para o aprofundamento coletivo. Ao todo, a revista traz onze artigos e duas resenhas.
O primeiro artigo, do Anderson Barreto Moreira, faz um resgate histórico do debate sobre o imperialismo e anti-imperialismo, a partir dos processos revolucionários das lutas de libertação nacional. Busca trazer as interpretações sobre a dependência na relação centro-periferia até os dias atuais. O segundo artigo, do Leonardo Barboza Farias Severo, analisa as categorias marxistas “Dialética Interna ou a questão nacional”, “Dialética Externa ou a questão internacional” e “Concorrência Interimperialista”, entendendo a inter-relação existente entre elas e outras categorias para a interpretação da realidade material.
O terceiro artigo foi escrito pelo Caio Bugiato e pela Tatiana Berringer; os autores visam apresentar o eixo central das teorias marxistas do imperialismo em três debates sucessivos: Kautsky e Lênin à época da I Guerra Mundial; Magdoff e Polantzas após a II Guerra Mundial; e Panitch/Gindin e Callinicos no início do século XXI. O quarto artigo, escrito por Mario Soares Neto, debate o imperialismo como determinação para a reprodução das condições de superexploração da força de trabalho a partir de Marx, Lênin e Ruy Mauro Marini.
O quinto artigo, de autoria de Olivia Carolino Pires, debruça sobre os temas da questão nacional, internacionalismo e anti-imperialismo na América Latina, aprofundando cada um desses conceitos, a sua inter-relação nas lutas travadas no continente e os desafios atuais. O sexto artigo, de André de Oliveira Cardoso, analisa as novas formas de atuação do imperialismo a partir da análise das cadeias de produção global, o papel das corporações multinacionais e a relação entre os países do Sul e do Norte.
Já Mariana Messere debate o papel do Imperialismo nas atuais Relações Internacionais e suas consequências no Sul Global. O oitavo artigo, escrito pela Ana Penido, Natália Araújo e Suzeley Kalil Mathias, discute o imperialismo a partir de sua manifestação no pensamento estratégico da defesa brasileira, forçando o país a uma condição de dependência no aspecto militar.
Diego Ferracini Ferreira, por sua vez, analisa as interpretações fundamentalistas da Bíblia e a necessidade da contra-narrativa bíblica que aponte para a denúncia e transformação social. O décimo artigo, de Lauro Allan Almeida Duvoisin, analisa o lugar da educação financeira dentro da cadeia imperialista – sob uma economia mundial financeirizada – e o papel ideológico que reforça um consentimento subalterno dos povos do Sul Global. O último artigo, de Pedro Mattos, retrata o papel da superexploração como fundamento para entender o imperialismo do século XXI a partir da análise da teoria marxista.
Por fim, trazemos também duas resenhas nesta edição. A primeira é de Fábio Alexandre Tardelli Filho, que trabalha o livro de Vijay Prashad, “Balas de Washington: Uma história da CIA, Golpes e Assassinatos”. A segunda resenha, realizada pela Angélica Tostes e Delana Corazza, apresenta o livro da jornalista e pesquisadora Magali do Nascimento Cunha, “Fundamentalismos, Crise da Democracia e Ameaça aos Direitos Humanos na América Latina: Tendências e Desafios para a Ação”.
Também gostaríamos de deixar registrado o empenho de toda a equipe do escritório Brasil do Instituto Tricontinental de Pesquisa Social na produção deste primeiro número, seja nos pareceres de cada artigo, na revisão final, na diagramação e em se desafiar na escrita de textos que contribuam para a ação política. Aos e às pesquisadoras Ana Penido, Angélica Tostes, Delana Corazza, Lauro Carvalho, Matheus Assunção e Stella Paterniani. A equipe da secretaria, Cristiane Ganaka, Luiz Felipe, Olivia Carolino e Rebecca Gendler. A equipe de artes e diagramação, conduzido nesse trabalho pela Ingrid Neves, que nos presenteou com esse material lindo e ilustrado.
A todas e todos, desejamos uma boa leitura e bom debate!