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Artigos

Sanções contra o Irã e a Venezuela durante pandemia são cruéis

Ativistas da CodePink protestam em Washington contra sanções unilaterais – People’s Dispatch

Por Vijay Prashad e Paola Estrada*
Tradução: Ítalo Piva
Do Brasil de Fato

A doença causada pelo coronavírus (covid-19) é ligeira, se espalhando por continentes, saltando sobre oceanos, aterrorizando pessoas em todos países. O número de infectados aumenta, tanto como o número de mortos. Mãos estão sendo lavadas, testes sendo feitos, distanciamento social se tornou uma frase popular.

Não está claro o quão devastadora essa epidemia será; certamente, a experiência da gripe espanhola ainda assombra, quando uma em cada três pessoas (500 milhões) contraíram a doença e 150 milhões morreram. Se as proporções forem as mesmas na nossa época, 2.5 bilhões de pessoas vão contrair o vírus e setecentos e cinquenta milhões vão morrer. Esses números são horrorizantes.

No meio de uma pandemia, a expectativa é de que todos os países colaborem de qualquer maneira possível para impedir a propagação do vírus, e seu impacto na sociedade humana. A expectativa é de que uma crise humanitária dessa magnitude daria a oportunidade para suspender todas sanções econômicas desumanas, e embargos políticos de certos países. Estamos dando voltas no ponto principal: não seria agora a hora do bloco imperialista, liderado pelos Estados Unidos, de acabar com as sanções contra Cuba, Irã, Venezuela e diversos outros países?

Falta de medicamentos

O ministro de Relações Exteriores venezuelano, Jorge Arreaza, recentemente nos disse que as “ações coercivas unilaterais e ilegais, que os Estados Unidos impôs sobre a Venezuela são uma forma de punição coletiva”. O uso da frase “punição coletiva” é significante; sob a Convenção de Genebra de 1949, qualquer política que infringe danos numa população inteira, é um crime de guerra. A política estadunidense, segundo Arreaza, “resultou em dificuldades na aquisição necessária de medicamentos”.

No papel, as sanções unilaterais estadunidenses dizem que medicamentos são isentos. Isso é uma ilusão. Nem a Venezuela ou o Irã conseguem comprar suprimentos médicos com facilidade, tão pouco os transportar a seus países, ou os utilizar em seus sistemas de saúde majoritariamente públicos. O embargo contra esses países – nessa era de covid-19 – não é apenas um crime de guerra pelos parâmetros da Convenção de Genebra (1949), mas pela definição da Comissão de Leis Internacionais das Nações Unidas, também é um crime contra a humanidade.

Em 2017, o presidente Donald Trump restringiu mais severamente o acesso da Venezuela aos mercados financeiros. Dois anos depois, o governo estadunidense colocou o Banco Central Venezuelano numa lista negra e um embargo geral nas suas entidades estatais. Se qualquer empresa fizer negócios com o setor público venezuelano, ela pode sofrer sanções secundárias como consequência. O congresso americano passou a Lei de Combate a Adversários Americanos por Sanções (CAATSA) em 2017, que aumentou as sanções contra o Irã, Rússia e Coréia do Norte. No ano seguinte, Washington efetivou novas limitações que sufocaram a economia iraniana. Mais uma vez, acesso ao sistema bancário global foi cortado, e ameaças as empresas com interesses no país, tornaram praticamente impossíveis as relações comerciais do Irã com o mundo.

Especificamente, o governo estadunidense deixou claro que qualquer negócio com os setores públicos do Irã ou Venezuela era proibido. A infraestrutura de saúde que cuida das massas em ambos países é administrada pelo Estado, o que gera uma dificuldade desproporcional para o mesmo no acesso de suprimentos médicos, incluindo kits de testes e medicamentos.

Quebrando o embargo

Arreaza, o ministro de relações exteriores da Venezuela, nos disse que seu governo está ciente dos perigos que enfrenta. A vice-presidente Delcy Rodríguez está liderando uma comissão presidencial para administrar qualquer recurso disponível. “Estamos furando o bloqueio”, disse Arreaza, “através da Organização Mundial da Saúde, que nos ajudou a obter medicamentos e testes para detectar a doença”. A OMS, apesar de sua própria crise financeira interna, está sendo crucial para ambos Irã e Venezuela.

A OMS encara seus próprios desafios por causa das sanções, especificamente em relação ao transporte. Essas sanções severas levaram muitas empresas de transporte a reconsiderar seus serviços no Irã e Venezuela. Muitas companhias aéreas pararam de voar para os dois países, e muitas marítimas decidiram não peitar Washington. Quando a OMS tentou adquirir kits de teste para o covid-19 dos Emirados Árabes Unidos (EAU), e os levar para o Irã, se deparou com barreiras – como explica Cristoph Hamelmann da OMS – “devido a restrições de vôo”, os EAU tiveram que enviar o equipamento num avião de transporte militar.

Na mesma maneria, Arreaza nos disse, a Venezuela “recebeu solidariedade de governos como da China e de Cuba”. Isso é um ponto importante. Apesar de seus próprios problemas com a covid-19, o governo Chinês vem fornecendo kits de teste e equipamentos médicos para o Irã e a Venezuela; foram as ações vigorosas da China contra o vírus, que desaceleraram sua disseminação dentro do país. No final de fevereiro, uma equipe da Cruz Vermelha Chinesa chegou em Teerã para trocar informações com a Cruz Vermelha Iraniana e oficias da OMS. A China também doou kits de testes e medicamentos. Oficiais chineses nos disseram, que em tempos de uma crise humanitária como essa, sanções assim não devem ter peso nenhum, e que por eles não serão honradas.

Enquanto isso, os Iranianos desenvolveram um aplicativo para ajudar sua população durante a epidemia de covid-19. A Google decidiu remover o app de sua loja, uma consequência das sanções estadunidenses.

Acabem com as sanções

Yolimar Mejías Escorcha, uma engenheira industrial, afirma que o regime de sanções está esmagando a vida cotidiana na Venezuela. Ela diz que o governo “continua a se esforçar para assegurar que aqueles que mais precisam tenham acesso a comida, saúde e educação”. A oposição insiste em dizer que a crise é consequência da ineficiência do governo, e não do bloqueio econômico imperialista. Ela nos informou que semana passada, uma nova campanha chamada “Sanções são um Crime” foi lançada. Ela espera que essa campanha explicará claramente para as pessoas porque as coisas faltam tanto no país, as sanções sendo a principal razão.

Em 2019, um grupo de países se reuniu nas Nações Unidas em Nova York, para discutir as sanções unilaterais estadunidenses, que violam as regras da organização. O intuito era trabalhar através do Movimento Não Alinhado, para criar um grupo formal que combateria essas sanções. O ministro Arreaza declarou que a Venezuela apoia essa iniciativa e também a declaração de princípios proposta pelo Irã contra o unilateralismo, além da reclamação oficial da Rússia, sobre vistos estadunidenses negados a diplomatas querendo visitar a ONU. “Esperamos recomeçar nossas reuniões ainda este ano quando as dificuldades do covid-19 passarem”, afirmou. Eles querem se reunir de novo, disse Arreaza, para “tomar ações conjuntas e concretas”.

O que Arreaza nos descreveu são iniciativas intra-estaduais. Enquanto ocorrem, existem inciativas lideradas por movimentos populares e organizações políticas. Em novembro de 2019, um encontro de solidariedade anti-imperialista aconteceu em Havana, Cuba, com representantes 86 países. Neste encontro, foi determinado que nossa atenção deve focar no uso desumano de poder na nossa época. Foi convocada uma jornada de uma semana de luta anti-imperialista entre os dias 25 e 31 de maio. A meta é alertar o público mundial sobre o imperialismo – nesse contexto – sobre o regime de sanções assassinas , impulsionadas pelos Estados Unidos, que são ainda mais letais nos tempos de covid-19.

A questão que as atividades de uma jornada como essa quer colocar é simples: que fibra moral une um sistema internacional onde seletos países podem agir em contradição às aspirações mais elevadas da humanidade? Quando os Estados Unidos continua seus embargos contra mais de cinquenta países – mas principalmente Cuba, Irã e Venezuela – quando se tem uma pandemia global em mãos, o que isso diz sobre a natureza do poder e da autoridade em nosso mundo? Pessoas com sensibilidade deviam se ofender com tal comportamento, seu maú caráter evidente nas mortes desnecessárias que causa. Quando a Secretária de Estado dos EUA Madeleine Albright foi questionada sobre o meio milhão de crianças iraquianas que morreram por causa de sanções, ela disse que essas mortes “foram um preço que valeu a pena pagar”. Seguramente não era um preço que os iraquianos queriam pagar, agora o mesmo com os iranianos, e venezuelanos, ou de fato a maioria da humanidade. Nós marchamos em março contra essa visão ressecada do mundo; marchamos pela humanidade.

*Vijay Prashad é um historiador, jornalista e editor indiano.

*Paola Estrada faz parte do Secretariado da Assembléia Internacional dos Povo e é membro da Coordenação Continental de Movimentos Sociais para uma Aliança Bolivariana para os Povos da Nossa América.