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Capitalismo ContemporâneoObservatório da Financeirização

Seu futuro na mira da austeridade

Crianças retiradas do trabalho infantil devem ser atendidas pela Seguridade Social. / Leonardo Sakamoto

Por Teresa Maia e Matheus Gringo de Assunção*

O direito à aposentadoria dos brasileiros e brasileiras é garantido pela previdência social. Compõe um amplo sistema de Seguridade Social e é definido no art. 194 da Constituição Federal como “um conjunto integrado de ações de iniciativa dos Poderes Públicos e da sociedade, destinadas a assegurar os direitos relativos à saúde, à previdência e à assistência social”.

São também financiados pelo Sistema de Seguridade Social aqueles serviços universais, como o Sistema Único de Saúde (SUS), que atende cerca de 70% dos brasileiros com menor renda, o Sistema Único de Assistência Social (SUAS) e o Sistema Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (SISAN).

A concepção de seguridade social que orienta a Constituição de 1988 entende que esses direitos são universais, e que não devem ser um privilégio de quem está trabalhando em um emprego formal ou de quem possa pagar pelos serviços. Ficou definido assim que o financiamento da seguridade social também deveria ser responsabilidade de todos. Foi estabelecida uma forma tripartite de financiamento na qual o governo, os trabalhadores e os empregadores contribuem com recursos para garantir o funcionamento de sistema.

Atualmente por meio do seguro-desemprego, das aposentadorias e pensões, e também dos benefícios de prestação continuada (BPC)1 o sistema beneficia indiretamente mais de 140 milhões de brasileiros e brasileiras. Entre os mais de 40 milhões de benefícios pagos diretamente, 80% possuem valor igual ao salário-mínimo. Ou seja, esse sistema é para os mais pobres, se constituindo em um dos mais importantes instrumentos de proteção social que temos em nosso país.

Além disso, o Sistema de Seguridade é uma importante fonte de renda para os municípios. Seja porque estimula o comércio local, ou porque, segundo estudo da Associação Nacional dos Auditores Ficais da Receita Federal (ANFIP), em 2010, 3.875 municípios (69,6% do total de municípios brasileiros) tinham nas transferências monetárias da seguridade social uma fonte de repasses superior àqueles do Fundo de Participação dos Municípios. Neste sentido, esse instrumento também cumpre importante papel na redução das desigualdades regionais, objetivo preconizado na Constituição Federal.

Apesar de sua importância inquestionável para garantir qualidade de vida e para redução da desigualdade, esses direitos conquistados com a Constituição de 1988 nunca foram complemente aceitos pela elite brasileira. Desde sua aprovação, as conquistas no âmbito da proteção social foram alvos de ataques que se intensificam com o aprofundamento das políticas neoliberais nos anos 1990 que viam em políticas focalizadas, ao invés da universalização da política social, a melhor estratégia para enfrentar os problemas sociais.

Um exemplo destes ataques – e que neste momento poderá ser ampliado – foi o estabelecimento, em 1995, da Desvinculação das Receitas da União (DRU), que retirou 20% dos recursos do orçamento destinado a seguridade social.

Nos últimos anos, em que o Brasil passa por uma grave crise econômica, a elite percebeu a oportunidade de questionar e atacar esses direitos e apoia ações do atual Governo para reduzirem nossos direitos sob a justificativa de promover ajustes nas contas públicas. No entanto, o que está em jogo é apropriação dos recursos públicos pelas elites financistas locais e internacionais e aumento da desigualdade social.

Justamente nesse momento em que convivemos com os efeitos da recessão econômica, entre eles o crescimento vertiginoso do desemprego, a Câmara dos Deputados aprovou sob o argumento do combate aos privilégios e do ajuste de gastos, uma proposta de Reforma da Previdência que altera as regras vigentes, retira direitos, reduz o valor dos benefícios, amplia o tempo de contribuição e aumenta a idade mínima para aposentadoria.

Como dito a constituição definiu que o financiamento da previdência social no sistema tripartite. No entanto, desde 1989 o governo não contabiliza como receita previdenciária a parte que é de sua responsabilidade. A proposta de reforma da previdência que será discutida no Senado nos próximos meses constitucionalizará o déficit.

Por isso, a justificativa de combater o déficit fiscal oculta um mito que deve ser enfrentado. Pois, se por um lado o Governo reduz direitos e congela gastos, por outro perdoa dívidas de bancos e isenta do pagamento de impostos de grandes produtores rurais.

Os efeitos de ações como essa, que são resultado da política de austeridade em curso em nosso país, aprofundarão a crise econômica e social, na medida em que retira renda da população mais pobre ampliando a pobreza e a miséria, e cada vez mais diminui as possibilidades de recuperação da economia brasileira, reduzindo o mercado de consumo das famílias e deteriorando a arrecadação fiscal do Estado.

O Sistema de Seguridade Brasileiro é uma conquista dos trabalhadores/as que está sendo ameaçado pela intensa disputa da elite pelos recursos públicos. Nessa disputa, de um lado estão os interesses dos mais ricos e também de grupos com interesses externos ao nosso país – como os banqueiros, investidores financeiros etc – e do outro, os interesses do povo brasileiro.

Olhando os dias atuais a partir desse cenário, percebemos que o que está em curso é uma tentativa de destruição da ideia de cidadania universal através de medidas que promovem cada vez mais concentração de renda e de riqueza.

Os gastos públicos que garantem os direitos firmados na Constituição de 1988 foram criminalizados por um setor que deseja se apropriar, principalmente por meio do pagamento de juros, dos recursos que deveriam proporcionar, em tempos difíceis como esse, melhores condições de vida para a maior parte da população que já sofre com os efeitos da crise econômica.

O núcleo central dos atuais ataques aos direitos dos trabalhadores é a destruição do modelo de sociedade estabelecido pela Constituição de 1988, que garantia conquistas sociais às populações mais pobres e aos trabalhadores, criando uma rede de proteção social a qual a seguridade social integra.

A encruzilhada em que o Brasil se encontra na atual conjuntura exige organização e resistência dos trabalhadores do campo e da cidade contra as medidas de destruição das conquistas sociais arrancadas com muita luta pelo povo brasileiro.

* Teresa Maia é secretária nacional do Projeto Brasil Popular. Matheus Gringo de Assunção é pesquisador do Observatório da Questão Agrária do Instituto Tricontinental de Pesquisa Social