Programas da Comunidade Negra: a manifestação prática da filosofia da Consciência Negra
Dossiê 44
O Instituto Tricontinental de Pesquisa Social criou as colagens neste dossiê com base em fotografias de arquivo, inserindo silhuetas de pessoas e atividades, trazendo vida novamente nos espaços dos Programas da Comunidade Negra de décadas atrás.
“Cada geração deve, numa relativa opacidade, descobrir sua missão, executá-la ou traí-la”.
– Frantz Fanon
Quando se está em Greyville, um bairro de Durban, em KwaZulu-Natal, é possível ver um prédio com a seguinte sinalização: rua Charlotte Maxeke nº 86, Unidade de Diálise Renal. Não há nenhuma indicação de que o lugar no qual esta estrutura moderna hoje se encontra é um local histórico que teve destaque político na década de 1970. Esse prédio abrigava o escritório nacional da Organização de Estudantes da África do Sul (South African Students’ Organization – Saso), fundada em dezembro de 1968, a Organização da Juventude de Natal (Natal Youth Organisation – NYO), fundada em 1972, e o escritório da primeira sede do Programa da Comunidade Negra (Black Community Programmes – BCP), criado no mesmo ano. Esse local possui uma história que continua a inspirar ativistas até hoje. A rua Charlotte Maxeke – anteriormente conhecida como rua Beatrice – foi nomeada em homenagem ao primeiro presidente da Liga das Mulheres Bantu (Bantu Women’s League – BWL), que Maxeke fundou em 1918 (embora, na prática, ambos os nomes sejam usados alternadamente).
A construção da comunidade e a organização política ocorridas em Charlotte Maxeke nº 86 foram uma continuação de uma tradição que existia há muito tempo nessa rua. No início do século XX, o prédio havia sido um dispensário do Hospital McCord, um centro de saúde pioneiro para pessoas negras. Descendo a rua, no nº 29, fica a Associação Cristã de Jovens da rua Beatrice (Young Men’s Christian Association – YMCA), que já havia sido o Centro Social Bantu, uma instituição com sua própria e rica história. Criado em 1933 como um centro de artes e esportes, desempenhou um papel central na mobilização da resistência negra ao apartheid e abrigou a primeira biblioteca para negros da região – apesar de suas origens na pacificação dos oprimidos, proporcionando a eles um espaço refinado e apolítico para recreação. Como instituições da Consciência Negra posteriores, o caráter do Centro Social Bantu se tornou mais político ao longo do tempo, subvertendo a missão de suas origens e, a partir da década de 1940, fez uma ponte entre a vida social e a política. Quando a famosa Campanha Antiapartheid de 1952 foi lançada em Natal, o Centro Social Bantu foi sua base. O nº 90 ainda abriga a famosa Igreja Congregacional Unida da África do Sul, conhecida como Ezihlabathini (que significa “nas areias”), que serviu como um espaço de encontro para pessoas negras desde 1891.
O bairro era um importante centro para a vida social, política, educacional e econômica de pessoas negras no coração de uma movimentada área comercial e da classe trabalhadora da cidade. Era um lugar de chegada para trabalhadores migrantes de áreas rurais, um caldeirão onde diferentes pessoas se misturavam: operários, vendedores ambulantes, donos de lojas, foras-da-lei, empresários, artistas e educadores de muitas religiões, culturas e tradições.
Este dossiê enfoca o Programa da Comunidade Negra (BCP, na sigla em inglês), uma série de projetos iniciados em 1972 que serviram como a implementação prática da filosofia da Consciência Negra para dar às pessoas negras o poder de se tornarem autossuficientes. Na prática, esses programas incluíam a criação de publicações e pesquisas, centros de saúde, fábricas para empregar os economicamente marginalizados e um fundo para atender às necessidades básicas de egressos do sistema penal, bem como doações para outros projetos. Para entender o BCP, devemos entender o contexto em que surgiu. Em particular, a Campanha de Resistência ao Passe e o Massacre de Sharpeville marcaram um ponto de inflexão no regime de apartheid sul-africano que deu início ao nascimento do Movimento da Consciência Negra, que incluía a Saso e o BCP, entre outros.
A Campanha de Resistência ao Passe
A Lei do Passe, na África do Sul, foi um baluarte fundamental do sistema de apartheid. Essa lei facilitava o controle das pessoas negras pelo governo supremacista branco do Partido Nacional (PN), de inspiração nazista, que chegou ao poder em 1948. A norma determinava onde os negros e negras na África do Sul poderiam viver e trabalhar, e até mesmo o tipo de emprego que poderiam ter. Uma caderneta de passe continha os detalhes do status de uma pessoa negra: era como um passaporte doméstico, com o nome do portador, suas impressões digitais, fotografia e endereço, bem como o nome de seu empregador e se estavam autorizados a permanecer em uma determinada área ou cidade. Por volta de 1960, todo e qualquer adulto negro sul-africano tinha que carregar sua caderneta de passe ou de referência o tempo todo, que deveria ser imediatamente apresentada para inspeção quando assim exigido pela polícia. A falta de apresentação de um passe levava à prisão imediata, processo e a uma multa ou pena de prisão. Informalmente, os passes eram frequentemente chamados de dompas – significando tanto dumb pass [passe idiota] quanto domestic passport [passaporte doméstico].
Em 16 de março de 1960, Robert Sobukwe, o presidente do Congresso Pan-Africanista (CPA), fundado em abril de 1959, escreveu ao comissário de polícia, o major-general C.I. Rademeyer:
O Congresso Pan-Africanista iniciará uma campanha contínua, disciplinada e não violenta contra a Lei do Passe na segunda-feira, 21 de março de 1960. Dei instruções estritas, não apenas aos membros da minha organização, mas também ao povo africano em geral, de que não devem permitir serem provocados à ação violenta por ninguém. […] Estou escrevendo agora a você para que instrua a polícia a se abster de ações que possam levar à violência. Infelizmente, é verdade que muitos policiais brancos, criados na estufa racista da África do Sul, se consideram paladinos da supremacia branca (…) Vamos nos entregar à polícia em caso de prisão. Se disserem para nos dispersarmos, nós o faremos. Mas não se pode esperar que fiquemos em meio à confusão só porque um jovem policial branco, que odeia os africanos e que dispararia seu revólver de bom grado, deu a centenas de milhares de pessoas três minutos para retirar seus corpos imediatamente daquele ambiente.
Dois dias depois, em 18 de março de 1960, Robert Sobukwe anunciou em uma entrevista coletiva em Joanesburgo que a Campanha contra a Lei do Passe seria lançada na segunda-feira, 21 de março. Sobukwe afirmou o seguinte:
Não preciso listar os argumentos contra a Lei de Passe. Seus efeitos são bem conhecidos. Todas as evidências de lares desfeitos, (…) a arregimentação, opressão e degradação dos africanos, junto com a camisa de força da indústria, levam a uma conclusão, que a Lei de Passe deve ser eliminada. Não podemos permanecer estrangeiros em nossa própria terra.
Convoquei o povo africano a se certificar de que esta campanha seja conduzida num espírito de não violência absoluta (…) Desejo agora fazer o mesmo apelo à polícia.
O Massacre de Sharpeville e a repressão política
Na segunda-feira, 21 de março de 1960, Robert Sobukwe liderou uma contestação em massa à Lei do Passe na África do Sul, chamada de Campanha Antipasse, também conhecida como Campanha de Resistência ao Passe ou, para usar as palavras de Sobukwe, “ação positiva contra a lei do passe”. Sobukwe instou os/as sul-africanos/as negros/as a deixarem suas cadernetas em casa e irem às delegacias, sujeitando-se a serem presos. Naquele dia infame – e que nunca será esquecido –, no município de Sharpeville, perto de Joanesburgo, a polícia sul-africana branca atirou em uma multidão pacífica de manifestantes negros desarmados. Sessenta e nove pessoas foram mortas e 180 ficaram feridas. A maioria das vítimas – muitas eram mulheres e crianças – foi baleada nas costas, indicando claramente que estavam fugindo, mas a polícia continuou atirando.
Essa horrível matança indiscriminada, que veio a ser conhecida como o Massacre de Sharpeville, mudou o curso da história da África do Sul. O fato foi amplamente divulgado e confrontou o governo do Partido Nacional com uma crise política sem precedentes. Tanto na África do Sul quanto internacionalmente, a reação foi aguda.
Após o massacre de Sharpeville, o governo se tornou ainda mais implacável e impiedoso ao lidar com a resistência antiapartheid. No mesmo dia em que a Campanha Antipasse começou, Sobukwe e outros líderes nacionais do CPA foram presos e posteriormente condenados por incitar as pessoas a cometerem crimes em protesto contra a lei. Sobukwe foi condenado a três anos de prisão e começou a cumprir sua pena no Old Fort, em Joanesburgo. Em 1963, a nova Emenda da Lei Geral foi aprovada, permitindo que a prisão de Sobukwe fosse renovada anualmente a critério do ministro da Justiça. Depois de cumprir sua sentença de três anos, Sobukwe foi enviado para a notória prisão de Robben Island, onde foi obrigado a viver confinado em uma área separada e ficou estritamente proibido de entrar em contato com outros prisioneiros.
Em 26 de março de 1960, Inkosi Albert Luthuli, o então presidente do Congresso Nacional Africano (CNA, originalmente conhecido como Congresso Nacional Nativo da África do Sul [SANNC, na sigla em inglês], fundado em 1912), queimou publicamente sua caderneta em Pretória e convidou todas as pessoas negras e sul-africanas a fazer o mesmo.
Em 30 de março de 1960, o governo do PN declarou estado de emergência, com vigência de um ano, o que lhe permitiu deter indefinidamente pessoas consideradas uma ameaça ao regime e apreender publicações consideradas subversivas. Empoderado pela Lei das Organizações Ilegais n. 34, de 1960, o regime baniu o CPA e o CNA em 8 de abril de 1960 – uma reação direta do PN à Campanha Antipasse lançada em 21 de março, que permitiu que qualquer organização considerada uma ameaça à ordem ou à segurança pública fosse declarada ilegal. Quase imediatamente, tanto o CPA quanto o CNA foram para a clandestinidade. Posteriormente, Umkhonto we Sizwe (“a lança da nação”) foi formada pelo CNA e pela Aliança do Congresso como um braço armado durante o período de 1961 a 1962. Da mesma forma, entre 1962 e 1963, enquanto Sobukwe estava na prisão, vários líderes do CPA exilados que estavam em Maseru (Lesoto) formaram o braço armado do CPA, Poqo (o nome abreviado de Ama-Afrika Poqo in isiXhosa, que significa “os verdadeiros donos da África”).
A proibição do CPA e do CNA foi precedida pela proibição, em 1950, do Partido Comunista da África do Sul (que mais tarde se tornou o Partido Comunista Sul-Africano – PCSA) por meio da Lei de Supressão do Comunismo de 1950, que proibiu qualquer partido ou grupo que se subscrevesse ao comunismo e vedava “certas publicações periódicas ou outras”, fortalecendo a censura política.
A proibição do PCSA, do CPA e do CNA efetivamente suprimiu a atividade política legal por parte desses partidos e de muitos militantes. Antes disso, a Lei de Reuniões e Desordem de 1929 foi uma das várias medidas oficialmente usadas para controlar militantes políticos. Isso teve um efeito devastador nas possibilidades da vida pública. O então presidente do CNA, Inkosi Luthuli, por exemplo, foi banido em maio de 1953 até sua morte, em julho de 1967, passando efetivamente cerca de 14 anos no limbo político. Por causa da Lei de Supressão do Comunismo, alguns ativistas radicais antiapartheid foram detidos indefinidamente sem julgamento, enquanto outros foram para o exílio. O último grupo incluiu militantes bem conhecidos, como Gertrude Shope, Ruth First, Oliver Tambo, Joe Slovo, Ben Turok e Duma Nokwe, para mencionar alguns.
Outubro de 1963 viu o início do agora icônico Julgamento de Rivonia de dez importantes militantes antiapartheid que enfrentaram acusações de sabotagem. Em junho de 1964, oito líderes importantes do CNA e da Aliança do Congresso foram condenados à prisão perpétua: Nelson Mandela, Walter Sisulu, Govan Mbeki, Raymond Mhlaba, Ahmed Kathrada, Dennis Goldberg, Elias Motsoaledi e Andrew Mlangeni. Todos foram enviados para Robben Island, que encarcerou negros/as, indianos/as e sul-africanos nao brancos, com exceção de Dennis Goldberg, que foi enviado para o setor de prisioneiros políticos brancos na Prisão Central de Pretória. De meados ao final dos anos 1960, havia mais de mil membros do CPA e do CNA e alguns militantes de outras organizações menores em Robben Island.
Preenchendo o vazio: o nascimento da Saso
Em meados da década de 1960, parecia haver uma calmaria política na África do Sul. O clima de medo, a tensão com o silenciamento político, foi o resultado de uma dura repressão aos protestos, assassinatos políticos brutais e a proscrição de organizações políticas importantes. Além disso, a perseguição de militantes por meio de ordens de proibição, detenções sem julgamento, penas de prisão perpétua e exílios restringiu o movimento antiapartheid. Para o Partido Nacional, isso parecia a derrota de seus inimigos, pelo menos por um tempo. Mas, embora as pessoas mais velhas possam ter sido intimidadas pela repressão, os jovens corajosamente lutaram e tentaram preencher o vácuo político criado pela proibição de dois partidos políticos importantes que personificavam as aspirações das massas.
Os estudantes negros que estavam alinhados com o CNA formaram a Associação de Estudantes Africanos (African Students’ Association – ASA) em 1961, e os/as estudantes negros/as afiliados/as ao CPA formaram a União de Estudantes Africanos da África do Sul (African Students Union of South Africa – Asusa) em 1962. No entanto, essas organizações operaram apenas por pouco tempo, pois se associar a organizações proibidas era arriscado e a administração da universidade era hostil aos grupos políticos estudantis.
O estabelecimento da Saso em 1968, seguido pela criação dos Programas da Comunidade Negra (Black Community Programmes – BCP) em 1972, foi uma resposta ao vácuo político durante esse período. A Saso inicialmente surgiu em resposta à marginalização de estudantes negros em instituições educacionais dominadas por brancos. De 1963 a 1964, muitos estudantes negros/as aderiram à multirracial União Nacional de Estudantes Sul-Africanos (National Union of South African Students – Nusas), fundada em 1924. Seus membros, principalmente de universidades brancas de língua inglesa, lutaram contra o apartheid. Mas o Nusas operava em um sistema educacional profundamente segregado.
Em julho de 1967, Steve Biko, um estudante de Medicina do setor não europeu da Universidade de Natal, em Wentworth, participou da conferência da Nusas na Universidade Rhodes, em Grahamstown (agora Makhanda), em nome do campus de Wentworth. No ano seguinte, em 1968, ele participou de uma conferência no multirracial Movimento Universitário Cristão (University Christian Movement – UCM) em Stutterheim, no Cabo Oriental. O UCM, criado em 1966 e 1967 e liderado pelo ministro protestante Basil More e pelo padre católico Colin Collins, era apoiado por muitos/as estudantes negros/as. Na conferência, Biko começou a angariar apoio para a ideia de um movimento estudantil totalmente negro, que acabaria com as dificuldades de integração simbólica e liderança liberal branca. Muitos estudantes negros da UCM reagiram positivamente às sugestões de Biko.
Biko organizou uma reunião formal de lideranças estudantis negras para discutir o lançamento de um novo movimento exclusivamente para pessoas negras em dezembro de 1968 em sua alma mater, o St. Francis College, uma escola missionária católica em Mariannhill, nos arredores de Durban. A reunião contou com a presença de aproximadamente trinta membros negros de Conselhos Representativos de Estudantes universitários. Os integrantes desses conselhos reagiram com entusiasmo à ideia de uma organização totalmente negra, e foi acordado que ela se chamaria Saso.
Em julho de 1969, a conferência inaugural teve lugar na Universidade do Norte (também conhecida como Turfloop e, atualmente, Universidade de Limpopo). Biko foi eleito o primeiro presidente da Saso. A gestão fundadora foi composta por:
- Barney Pityana, um expoente da teologia negra que sucedeu Biko e se tornou o segundo presidente da Saso em julho de 1970 no primeiro Conselho Geral de Estudantes da Saso.
- Harry Ranwedzi Nengwekhulu, eleito militante permanente quando a Saso foi criada.
- Petrus Machaka, o primeiro vice-presidente da Saso, eleito na conferência inaugural em julho de 1969.
- Manana Kgware, eleita secretária da Saso na conferência inaugural em julho de 1969.
- Vuyelwa Mashalaba, também eleita secretária da Saso na conferência inaugural em julho de 1969.
- Strini Moodley, um estudante da University College for Indians, em Salisbury Island, Durban, precursora da Universidade de Durban Westville. Ele escreveu a famosa sátira política Black on White [Preto sobre Branco] e era também o editor da Saso Newsletter.
- Aubrey Mokoape, que estava presente na formação do CPA ainda adolescente, em 1959. Influenciado por Sobukwe, participou da Campanha Antipasse de 21 de março de 1960 e foi preso por seu envolvimento. Aos 16 anos, ele era o mais jovem prisioneiro político da África do Sul na época. Depois de cumprir três anos na prisão no complexo penitenciário Número Quatro do Old Fort, em Joanesburgo, ele se matriculou no setor não europeu da Universidade de Natal em Wentworth, Durban, onde foi aluno ao mesmo tempo que Biko.
No 1º Conselho Geral de Estudantes da Saso, em julho de 1970, Biko foi eleito presidente das publicações da organização. A edição de lançamento da newsletter mensal foi lançada em agosto do mesmo ano. Essa importante publicação trazia uma coluna regular de Biko, com o pseudônimo de Frank Talk, intitulada “Eu escrevo o que eu gosto”. Em 1972, a circulação da newsletter Saso havia alcançado 4 mil leitores. Como Frank Talk, Biko escreveu:
Não soará anacrônico para ninguém genuinamente interessado em uma integração real saber que os negros estão se afirmando em uma sociedade na qual são tratados como eternos menores de 16 anos. Não é necessário planejar ou encorajar ativamente a integração real. Uma vez que os vários grupos dentro de uma determinada comunidade tenham se afirmado a tal ponto que o respeito mútuo deve ser mostrado, então teremos os ingredientes para uma integração verdadeira e significativa. No cerne da verdadeira integração estão as condições para que cada homem [e mulher], cada grupo se eleve e alcance o eu imaginado.
O Movimento da Consciência Negra
A Saso defendeu a ideologia da Consciência Negra. Como Biko escreveu em seu famoso ensaio, “Consciência Negra e a busca por uma humanidade verdadeira”, a “Consciência Negra é uma atitude da mente e um modo de vida, o chamado mais positivo emanado do mundo negro em um longo tempo”. Desde o início da Saso, Biko e seus colegas concordaram que a opressão dos negros era um problema psicológico. A luta da Saso era fazer com que os negros parassem de depender dos brancos. A Saso afirmava que a maioria dos negros havia sido subjugada por tanto tempo que, psicologicamente, nem sabiam de seu estado de opressão. Na opinião da Saso, por causa de séculos de imperialismo cultural europeu, a maioria dos negros sofria de um complexo de inferioridade. Assim, Biko escreveu: “No cerne desse tipo de pensamento está a conscientização dos negros de que a arma mais potente nas mãos do opressor é a mente dos oprimidos”. Ele definiu a Consciência Negra como uma ideologia que:
busca dar positividade na visão dos negros de seus problemas. Funciona com o conhecimento de que “ódio ao branco” é negativo, embora compreensível, e leva a métodos precipitados e de curto prazo que podem ser desastrosos tanto para [pessoas] brancas quanto negras. Ele busca canalizar as forças reprimidas das massas negras enfurecidas para uma oposição significativa e direcional, baseando toda a sua luta nas realidades da situação. Quer garantir uma singularidade de propósito nas mentes dos negros e possibilitar o envolvimento total das massas em uma luta essencialmente deles.
Membros da Saso e do Movimento da Consciência Negra também incluíam negros e indianos sul-africanos. A definição de negritude de Biko foi abrangente:
Em nosso manifesto político, definimos os negros como aqueles que são, por lei ou tradição política, econômica e socialmente discriminados como um grupo na sociedade sul-africana (…), identificando-se uns aos outros dentro de uma unidade na luta pela realização de suas aspirações. (…) Meramente por se descrever como negro, você iniciou um caminho para a emancipação.
Nas palavras de Biko, a posição da Saso essencialmente era que “os negros estão cansados de ficar nas linhas laterais testemunhado um jogo em que deveriam estar jogando. Eles querem fazer as coisas por si próprios e por conta própria”. Assim, a organização teve como objetivo “cristalizar as necessidades e aspirações dos/as estudantes não-brancos/as e buscar tornar suas reivindicações conhecidas”.
Alguns observadores viram a Consciência Negra como “racismo reverso”. Nessa perspectiva, Biko escreveu que “estamos ansiosos por uma sociedade não racial, justa e igualitária na qual cor, credo e raça não formarão nenhum ponto de referência”. Isso se assemelhava à ideia de liderança negra voltada para uma sociedade não racial defendida por Sobukwe e Luthuli.
Biko e os outros fundadores do Movimento da Consciência Negra na África do Sul foram inspirados por um momento global de autoafirmação negra e as obras de uma série de escritores radicais da época. Entre eles estavam Pele negra, máscaras brancas e Os condenados da terra, ambos de Frantz Fanon; Discurso sobre o colonialismo, de Aimé Césaire; Introdução às religiões africanas, de John Mbiti; Alma no exílio, de Eldridge Cleaver; Os jacobinos negros, de C.L.R. James; Black Power: a política da liberação, de Stokely Carmichael e Charles Hamilton; e A autobiografia de Malcom X. Conceitos e ideias-chave foram acionados por pensadores como Charles Hamilton, James Cone, Cheikh Anta Diop, David Diop, Léopold Senghor e Kenneth Kaunda, bem como conceitos estruturantes como negritude e humanismo africano. Estímulos adicionais fluíram do movimento dos direitos civis dos EUA no final dos anos 1950 e 1960, como o Partido dos Panteras Negras e o Boicote aos Ônibus de Montgomery, em 1955.
Programas da Comunidade Negra
O Programa da Comunidade Negra (Black Community Programmes – BCP) foi fundado em 1972 em resposta à necessidade de abordar o bem-estar da comunidade, a cultura, a teologia negra, a educação e alfabetização, a arte negra, a autoajuda e outros projetos relevantes. O BCP delineou em seus objetivos “Ajudar a Comunidade Negra a tomar consciência de sua própria identidade (…) [e] criar um senso de seu próprio poder. Possibilitar que a comunidade negra se organize, analise suas próprias necessidades e problemas e mobilize seus recursos para atender às suas necessidades. Para desenvolver uma liderança negra capaz de guiar o desenvolvimento da comunidade negra”.
A historiadora Leslie Hadfield afirma que, durante os primeiros anos da década de 1970, os proponentes da Consciência Negra expandiram sua noção de “desenvolvimento” para “um tipo de desenvolvimento comunitário projetado para trazer uma libertação social e então, eventualmente, política”. Essa noção se manifestou na criação de uma série de projetos concretos através do BCP. O objetivo do Movimento da Consciência Negra era galvanizar a sociedade negra em todos os níveis para que eles reconhecessem e materializassem cooperativamente sua autossuficiência e “alcançassem o eu imaginado” por meio do BCP, como escreveu Biko.
Mamphela Ramphele, que foi um importante partidário da Consciência Negra, apontou habilmente que os objetivos de desenvolvimento do Movimento da Consciência Negra através do BCP:
foram articuladas como a manifestação prática da filosofia da Consciência Negra, que clamava não apenas por uma consciência crítica das relações sociais entre os oprimidos, mas pela necessidade de traduzir essa consciência em programas ativos de libertação da dominação branca. (…) Foi argumentado que as pessoas que não conheciam nada além de desprezo e humilhação precisavam de símbolos de esperança que os tirasse do desespero e os empoderasse para que se libertarem a si mesmos.
A mensagem subjacente do BCP era que uma comunidade não pode ser autossuficiente a menos que esteja ciente e orgulhosa de sua identidade e dignidade. Uma comunidade não pode ser autossuficiente a menos que tenha poder (que se manifesta na existência de instituições e organizações que tomam decisões coletivas sobre o destino da comunidade). Uma comunidade não pode ser autossuficiente a menos que use seus recursos – materiais, físicos, mentais e espirituais – de maneira eficaz para seu próprio benefício. Uma comunidade também não pode ser autossuficiente, a menos que tenha uma liderança adequadamente treinada para orientar o desenvolvimento de seus membros.
Mamphela Ramphele escreveu sobre como os militantes da Consciência Negra foram fortemente influenciados por seu envolvimento no campo do desenvolvimento comunitário, especialmente por duas forças principais. Primeiro, pela ideologia do ujamaa como uma filosofia de desenvolvimento promovida pelo presidente Julius Nyerere, da Tanzânia, que nas palavras de Ramphele, “procurou utilizar estruturas tradicionais da economia do afeto para o desenvolvimento nacional”. Segundo, ela escreveu que “a abordagem de conscientização de Paulo Freire na América Latina foi considerada de grande relevância para os problemas que as lideranças [da Consciência Negra] identificaram entre os negros na África do Sul”.
As instituições cristãs também desempenharam um papel fundamental na formação do BCP, o que se deu a partir do Instituto Cristão de Beyers Naudé. O Projeto de Estudo sobre Cristianismo na Sociedade do Apartheid – Fase 2 (SPRO-CAS 2, na sigla em inglês), a partir do qual os Programas da Comunidade Negra se desenvolveram em uma organização independente, foi originalmente patrocinado pelo Conselho de Igrejas da África do Sul e pelo Instituto Cristão da África Austral.
Operando a partir de quatro escritórios em toda a África do Sul, o BCP expressou claramente preocupação com as condições desesperadoras das comunidades negras urbanas e rurais e implementou programas em resposta a seus desafios. Junto à sede do BCP na rua Beatrice nº 86, em Durban, havia escritórios regionais na rua Leopold nº 15, em King William’s Town (também conhecido como eQonce), Cabo Oriental, e em na rua Jorissen nº 80, em Braamfontein, Joanesburgo. Depois que o Diretor Executivo do programa, Bennie Khoapa, foi banido em outubro de 1973 e seu movimento foi restrito a Umlazi, um município de Durban, o Escritório Regional de Natal foi aberto na mesma área. As redes cristãs foram fundamentais para fornecer espaços para escritórios em um contexto em que organizações mais abertamente políticas foram banidas.
O BCP era composto por uma ampla gama de projetos que incluíam pesquisas e publicações, centros de saúde, uma fábrica e um fundo. Todos esses projetos buscaram criar as condições para que os negros fossem autossuficientes, politicamente conscientes e os condutores de seu próprio desenvolvimento e libertação.
As pesquisas e publicações do BCP
Os militantes da Consciência Negra estavam determinados a transformar a pesquisa feita por e sobre os sul-africanos/as negros/as e garantir a publicação desses trabalhos. Ramphele observou a importância disso em Bounds of Possibility, escrevendo que “pessoas negras foram anteriormente usadas principalmente como objetos de pesquisa e isso reforçou que tivessem uma autoimagem ‘daqueles sobre quem se atua’, em vez de agentes ativos da História”.
Em 1972, Biko deu início ao Black Review, um jornal anual que buscava suprir a necessidade de uma abordagem alternativa na África do Sul, pesquisando os principais eventos no país. A intenção original de publicar a Black Review era expor abertamente o que a comunidade negra havia alcançado ou falhado em alcançar: a direção tomada pelos negros na África do Sul em questões que afetavam sua situação como pessoas negras, bem como afirmar suas aspirações comuns ou variadas. Com a ajuda dos voluntários Tomeka Mafole e Welile Nhlapo, Biko levou a cabo pesquisas usando relatórios de jornais, relatórios anuais de organizações que trabalham na comunidade negra, o Diário do Governo e entrevistas com trabalhadores e lideranças comunitárias em toda a África do Sul. A primeira edição da Black Review estava programada para sair em 1972, mas saiu nos primeiros meses de 1973. Nesta edição, Khoapa foi creditado como editor porque o banimento de Biko, em março de 1973, o proibia de participar das publicações. O BCP também foi impedido de reconhecer seu cargo de editor da Black Review 1972.
Essa era uma forma comum de contornar a repressão estatal. Depois que o próprio Khoapa foi banido em outubro de 1973, o nome de Mafika Gwala substituiu o de Khoapa na edição daquele ano da Black Review. Depois que Malusi Mpumlwana, que editou a edição de 1974–1975, foi banido em outubro de 1973, Thoko Mpumlwana (nascido como Mbanjwa) foi creditado por essa edição. Quando Thoko Mbanjwa foi banido em 1976, Asha Moodley (nascida Rambally) apareceu na capa da edição 1975-1976 sob uma tarja preta grossa que cobria o texto onde o nome de Mbanjwa havia aparecido.
Organizações e ativistas da Consciência Negra ficaram entusiasmados com a Black Review. De acordo com a partidária da Consciência Negra, Asha Moodley, essa publicação “foi usada por pesquisadores, bibliotecas, instituições educacionais e aquelas pessoas que estavam interessadas em história porque se esforçavam para projetar os fatos objetivos sobre eventos e tendências dentro da comunidade negra, apresentados pelos próprios negros”.
Outra publicação importante foi Black Viewpoint, na qual os negros escreviam sobre questões atuais e relevantes. Foi lançada em 1972, com edições editadas por Biko e Khoapa. Em uma introdução da Black Viewpoint de 1972, Biko escreveu:
Nossa relevância está no sentido de que comunicamos aos negros coisas ditas por negros nas várias situações em que se encontram neste nosso país. Sentimos e observamos no passado a existência de um grande vácuo em nosso mundo literário e jornalístico. Tantas coisas são ditas com frequência para nós, sobre nós e para nós, mas muito raramente por nós… Em termos desse ponto de vista, portanto, Black Viewpoint tem a intenção de proteger e promover os interesses do povo negro.
Outra publicação produzida pelo BCP, Black Perspectives, foi publicada em 1973. Embora fosse para ser uma série, foi descontinuada após apenas uma edição. O primeiro manuscrito de Black Perspectives foi confiscado pela polícia quando apreenderam materiais do BCP. Dedicado a acadêmicos e profissionais negros, com um tom mais acadêmico, o volume incluiu estudos aprofundados feitos por acadêmicos negros sobre questões que afetavam a comunidade negra. As futuras edições da Black Perspectives planejavam apresentar textos sobre história, cultura, teologia, educação e literatura e encorajar pesquisas e publicações empíricas.
Em junho de 1973, um compilado de organizações voluntárias na comunidade negra intitulado Handbook of Black Organizations foi produzido. Hadfield explicou que com a publicação,
O BCP esperava “apresentar” esses grupos uns aos outros e ao público, a fim de ajudá-los a entender o que “cada um (…) está engajado em fazer” e extrair os elementos comuns de “autoajuda, autoconfiança e autodeterminação”. Com quase cem páginas, cobriu uma gama de organizações que iam de culturais a profissionais, políticas, educacionais, religiosas e de assistência social. (…) O BCP esperava que, junto com o Handbook, pudesse atuar como um “registro central” e auxiliar “líderes comunitários como clérigos, assistentes sociais, professores, sociólogos, empresários e administradores no curso de seu trabalho diário”.
Os Programas da Comunidade Negra planejavam atualizar o Handbook anualmente, mas publicaram apenas uma edição devido a restrições financeiras.
Centros de Saúde BCP
O Centro de Saúde Comunitário Zanempilo foi estabelecido em janeiro de 1975, em Zinyoka, uma vila na zona rural de Ciskei dentro da área restrita delineada pela ordem de banimento de Biko, a dez quilômetros de King William’s Town (eQonce) no Cabo Oriental. Zanempilo significa “aquele que traz saúde”. Seu primeiro oficial médico foi o dr. Mamphela Ramphele; conforme a carga de trabalho aumentava, mais dois médicos, dr. Siyolo Solombela e dr. Sydney Moletsane juntaram-se à equipe.
Um segundo centro de saúde chamado Solempilo (que significa “olho da saúde”) foi construído perto da Missão Adams, em Durban. No entanto, antes que pudesse se tornar operacional, foi fechado quando todas as organizações da Consciência Negra foram banidas em 19 de outubro de 1977, um dia infame ainda lembrado como Quarta-feira Negra. Após a proibição, o Centro de Saúde Zanempilo foi assumido pelo governo de Ciskei, uma espécie de território-nação (um sistema baseado nas reservas estadunidenses para povos originários em seu território) liderado pelo ministro-chefe Lennox Sebe. Após o fim do regime do apartheid em 1994, Zanempilo foi assumido pelo novo governo da África do Sul e continua a funcionar até os dias de hoje.
A Fábrica de Couro Njwaxa
As pessoas negras foram marginalizadas também economicamente durante o apartheid. O BCP tentou corrigir isso abrindo a Fábrica de Couro Njwaxa, em 1974, para dar às pessoas negras que trabalhavam lá uma ideia do que seria uma independência econômica. A fábrica foi inaugurada no vilarejo rural de mesmo nome situado a cerca de 48 quilômetros de King William’s Town na estrada para Alice (eDikeni). Atuou durante quatro anos, fabricando itens como cintos, bolsas, selas, almofadas, sapatos, sandálias, porta-varas de pesca, bolsas e estojos de fumo. Entre os apoiadores da Consciência Negra envolvidos nesse projeto estavam Malusi Mpumlwana, sua irmã Vuyo Mpumlwana, Voti Samela e Mxolisi Mvovo. As atividades dessa fábrica também foram encerradas quando todas as organizações da Consciência Negra foram fechadas pelo regime do apartheid em outubro de 1977.
Fundo Zimele
O BCP iniciou o Fundo Zimele para fornecer apoio a ex-presos políticos, garantindo suas necessidades básicas, como vestimentas, móveis essenciais e alimentos, e oferecendo bolsas de estudo para seus filhos. A fim de incentivar e permitir a criação de projetos autogestionados que gerassem renda, o Fundo Zimele também disponibilizou subsídios para eles (Zimele significa “estar por conta própria”). Mapetla Mohapi, o administrador do Fundo, foi morto sob custódia policial em 5 de agosto de 1976. Como ocorreu com todas as organizações da Consciência Negra, o Fundo também foi fechado em outubro de 1977.
Conclusão
Em maio de 1976, em Pretória, ainda sob uma ordem de banimento, Biko deu testemunho sobre o Movimento da Consciência Negra no julgamento da Saso/Convenção do Povo Negro (1975-1976). Os acusados eram Saths Cooper, Muntu Myeza, Patrick “Terror” Lekota, Aubrey Mokoape, Nkwenkwe Nkomo, Pandelani Nefolovhodwe, Kaborone Sedibe, Zithulele Cindi e Strini Moodley. Eles estavam sendo julgados por organizar o ato Viva Frelimo, que teve lugar no Curries Fountain Stadium, em Durban, em 25 de Setembro de 1974, em apoio à vitória da Frente de Libertação de Moçambique (Frelimo), em 1974.
Nas palavras de uma das integrantes históricas da Consciência Negra, Vino Reddy:
O ato foi realizado em solidariedade com a Frelimo em Moçambique pela conquista da sua tão lutada liberdade. (…) Cantamos e dançamos até sermos atacados pela polícia com cachorros e cassetetes. Fui presa enquanto tentava ajudar um homem que estava sendo mordido por um cachorro. Fui levada na parte de trás de um camburão da polícia para a delegacia da rua Smith e acusada de liderar uma assembleia tumultuada, e fui mantida em uma cela por 48 horas sob a Emenda da Lei Geral. Eu não tive nenhum acesso a um advogado ou familiar. Na noite de 27 de setembro de 1974, a polícia chegou e me informou que eu estava detida segundo a Seção 6 da Lei de Terrorismo. Fui removida para a Delegacia de Polícia de Amanzimtoti e mantida em confinamento solitário, incomunicável.
Como descreveu Reddy, essa manifestação, celebrando a vitória de um movimento de libertação nacional alinhado aos comunistas, foi considerada uma séria ameaça pelo Estado de apartheid.
O julgamento dos organizadores dessa manifestação marcou o início do fim do Movimento da Consciência Negra como era conhecido na época: pouco mais de um ano após o julgamento, em setembro de 1977, Biko foi assassinado enquanto estava preso. Em outubro do mesmo ano, o Movimento da Consciência Negra e todos os seus afiliados foram banidos pelo governo do PN. Ainda assim, nos anos seguintes, o Movimento da Consciência Negra continuou a informar e inspirar movimentos de resistência na África do Sul.
Quando David Saggot, o advogado sênior de defesa, pediu a Biko que descrevesse os Programas da Comunidade Negra, ele respondeu:
A abordagem do BCP é tripla. Em primeiro lugar, nos engajamos em projetos diretos de desenvolvimento comunitário, na forma de clínicas, igrejas e assim por diante. E então nos engajamos no que chamamos de indústrias domésticas – projetos econômicos, principalmente em áreas rurais, às vezes em áreas urbanas também (…). E o objetivo principal aqui é dar emprego às pessoas e oferecer algum tipo de treinamento técnico naquela habilidade particular (…). E em terceiro lugar, fazemos cursos de treinamento de liderança.
Os Programas da Comunidade Negra tiveram sucesso em promover um legado de desenvolvimento comunitário para transformação política que continua inspirando militantes até hoje. As ideias desenvolvidas e retomadas nesse período de fermentação de cinco anos (de 1972 até a proibição em outubro de 1977) também tiveram influência na África do Sul contemporânea. No início da década de 1970, as ideias freirianas sobre a práxis foram do ambiente da Consciência Negra para o movimento sindical e, em seguida, para as lutas comunitárias da década de 1980. Elas permanecem presentes nas formas atuais de organização e luta popular. Um preço alto foi pago por esse período de criatividade política. Militantes foram detidos, condenados à prisão, receberam ordens individuais de banimento e vários foram mortos. Seu papel na história da África do Sul deve ser estudado, registrado e lembrado.
A proibição do Movimento da Consciência Negra e das organizações sob seu âmbito desferiu um golpe debilitante na resistência contra o apartheid. A repressão foi abrangente, afetando todos os níveis da sociedade, de organizações comunitárias a associações de jornalistas negros.
Mesmo que a repressão tenha sido draconiana, a resistência continuou de várias maneiras. Como disse o veterano jornalista e ativista antiapartheid Joe Thloloe, “os oprimidos encontram uma maneira de responder ao opressor”.
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